Análise Arkade: simplicidade e paz interior em Himno
Pergunta retórica: quantas vezes você, depois de um dia estressante ou de momentos tensos pensou “agora vou jogar alguma coisa para relaxar” e, 15 minutos depois, estava esbravejando feito um maluco com um jogo que de relaxante não tinha nada? Isso virou até meme, e na maioria das vezes, faz todo sentido. Mas nem sempre é, ou precisa ser assim. Himno, nova produção indie da notável Ratalaika Games está aqui para provar isso.
Com uma proposta absolutamente descompromissada com qualquer firula moderna, encontramos aqui um game de plataforma infinito, contemplativo e bastante honesto em oferecer uma experiência mais cadenciada e longe das pressões e da adrenalina que tomam conta da indústria atualmente. Resta saber se o jogo cumpre o que promete e se consegue funcionar, mesmo nadando quase que na contramão do mercado.
Ao infinito e além
Ok, admito que esse subtítulo pode ser um clichê fácil. Mas isso não significa que não seja preciso para representar a mecânica básica de Himno. Explico: a ideia é basicamente subir e atravessar cenários gerados proceduralmente até… bom, para sempre, ou até cair em definitivo. Não há um final determinado, um momento de vitória, ou de se zerar o jogo. É só subir, subir e tentar ir um pouco além da investida anterior.
Claro, há algumas especificidades. Há portais que permitem transitar por níveis diferentes, há alguns pontos de luz para se coletar, alguns recursos que mudam a jogabilidade de alguma forma, e há também algumas nuances, como pontes móveis e armadilhas, que oferecem alguma diversidade à empreitada. Mas nada que seja tão específico assim. Tudo funciona bem, sem sobressaltos ou surpresas, com a fluidez adequada para a singeleza da proposta.
Ao avançar pelos cenários, atravessar os portais e acumular esses coletáveis luminosos, o jogador vai ganhando XP e subindo de nível, única medida palpável para se dimensionar o sucesso (ou não) da jornada. Se cair, tudo volta à estaca zero e o desafio é começar de novo, mas em uma configuração de cenário diferente. E, bem… é isso. Sem medos, sem punições severas, e sem legado. Suba até onde conseguir, relaxa e aproveita a vibe.
Mas aí mora também a maior fragilidade do game: a vida útil pode não ser lá muito longa, uma vez que em poucas horas, já é possível aproveitar tudo o que o jogo oferece de novidade. Não há inimigos, não há violência, não há sistemas complexos de interação, combate, timer ou resolução de puzzles. No momento em que esse deslumbramento inicial passar, sobra muito pouco para reter o jogador.
Tudo está, em resumo, na motivação pessoal de se explorar e superar os cenários, na maioria do tempo buscando subir. Digo “maioria” porque em alguns momentos, portais e coletáveis podem estar em algum canto escondido que nem sempre é para cima. Via de regra, Himno se trata de uma aventura casual e tranquilizadora que cabe muito bem para aqueles 15 minutos de bobeira, ou mesmo para digerir aquele game mais casca-grossa que demanda mais tempo e investimento emocional.
Um leve minimalismo
Essa simplicidade vista na jogabilidade funciona muito bem em consonância com as escolhas audiovisuais do game. A estética do pixel art aqui funciona bem, adotando cores mais discretas e tons mais suaves, destacando os efeitos de luz – ou da falta dela. Afinal, não há muito campo de visão e o jogo não proporciona um grande planejamento a longo prazo. O grande trunfo das jornadas diferentes é o jogador ter que lidar com o inesperado, com a solução criativa de como superar aquele trecho quando se está nele.
O grande destaque fica por conta da trilha musical. A sonoridade, ao invés de buscar emular a estética dos 16 bits, algo que seria mais óbvio, traz notas longas e melódicas, sempre acompanhadas pelo som confortante de quedas d’água e dos efeitos sonoros sutis, tudo com uma ambiência que abusa dos ecos que nos transportam para um ambiente subterrâneo, sem contudo parecer algo apertado e opressor. Tudo é muito leve, muito delicado.
A soma desses fatores cria uma experiência com ritmo muito próprio, uma composição que se preocupa muito com o momento do que com o histórico. É curioso imaginar que exatamente por não se preocupar em oferecer sistemas densos, obstáculos que exigem precisão ou ameaças agressivas, o jogo garante que o erro é seu, totalmente seu, e tudo bem, porque se você cair, pode começar de novo sem traumas. É só mais uma subida.
Conclusão
Sem qualquer pretensão narrativa, Himno consegue se destacar em meio a um mercado tão preocupado com acúmulo, com projetos de longo prazo. Aqui, não tem nada disso. Nem mesmo a conquista dos 100% do game é lá tão difícil, porque a ideia não é essa. Perder ou ganhar aqui não é tão relevante assim. A tensão, claro, está lá, sobretudo para quem é mais competitivo consigo mesmo. Afinal, o objetivo de cada nova partida acaba sempre sendo ir um pouco mais longe do que na jogada anterior. Contudo, isso está muito mais no jogador, não no jogo.
É curioso, portanto, que ao jogar estejamos o tempo todo contemplando o agora, o que se está vivenciando naquele exato momento, não no ponto passado. A pontuação, pautada no nível de experiência adquirido, é muito mais uma consequência do que um fim em si. E para ser sincero, o fim em si é o que menos importa. Himno pode, em um primeiro momento, até nos causar dúvidas sobre a sua identidade enquanto jogo. Mas não vai demorar muito até que ele nos faça questionar aquilo que achamos saber sobre o que é que se configura como jogo de fato.
Himno está disponível Playstation 4, Playstation Vita (pois é, ele mesmo!), Nintendo Switch e PC, com textos em português brasileiro.