Análise Arkade: Hunting Simulator 2 e a contemplação da paciência
A cada novo game que chega ao mercado ostentando o tal de “simulator” em seu título, logo se imagina uma experiência calcada na busca por um realismo, por uma experiência mais centrada em trazer para os meios digitais a vivência do objeto em si. Talvez o maior expoente deste gênero (ou talvez desta categoria) seja a tradicionalíssima franquia Flight Simulator, com quase 30 anos de existência e mais de uma dezena de versões (e uma nova vindo aí) que sempre buscam a excelência e a perfeição em cada detalhe, seja estético, seja de interação.
Deste modo, nada mais natural do que esperar que Hunting Simulator 2, continuação do game de 2017, nos trouxesse essencialmente a rotina da caça esportiva, legalizada em vários países e uma verdadeira tradição norte-americana, algo que todos já vimos em filmes ou nas animações dos Looney Tunes. E, bem, é exatamente isso o que encontramos no game, considerando muitas das variáveis de sua regulação nos EUA e também na Europa, e também outras particularidades do ofício, elementos estes que definem quão adequado o jogo será para você.
Uma (longa) tarde de caça
Antes de mais nada, como um simulador dos mais clássicos, não há uma narrativa roteirizada, um plot que rege os eventos vivenciados no jogo. Logo de cara, somos guiados por um mentor desconhecido para aprender os comandos básicos no indispensável, mas rápido tutorial, e em minutos já estamos em nossa base, prontos para a prática da caça em si ou para o treinamento em um estande de tiro, em um ambiente facilmente reconhecível em termos de clima e da tradição sulista estadunidense.
A primeira coisa que precisa ficar evidente é que mesmo que consideremos que é sim um FPS (ou um TPS, dependendo da preferência do jogador), o jogo foge de todas as características de qualquer shooter mais tradicional do mercado. Esqueça a dinâmica frenética, o combate direto, o perigo iminente, as centenas de inimigos entocados, a diversidade das construções ou a ação cinematográfica a qual estamos acostumados. Hunting Simulator 2 ressignifica qualquer percepção convencional do tempo dentro da diegese do jogo, e para quem não está acostumado, ou não se identifica com a simulação em si, provavelmente não estará a vontade no game.
Isso porque, como o próprio jogo faz questão de repetir até nas telas de load, os animais não querem ser vistos, e vão evitar qualquer presença humana. Então, não espere aquelas experiências de caça vistas nos recentes Tomb Raider, ou mesmo lá no primeiro The Last of Us. Nenhum animal é tão inocente para permitir uma distância tão óbvia e, deste modo, outra característica bem peculiar aqui é que o tiro a distância não é só bem-vindo, como praticamente a base para o sucesso. Claro, pode até ser que você trombe com um coitado desavisado no caminho, mas via de regra, tiros de 100 metros (ou mais) são o padrão aqui.
Também não ache que sair correndo atrás dos bichos fará algum efeito. Como todo ser humano normal, ninguém é tão rápido ou tem tanto fôlego quanto qualquer criatura que está sendo caçada. Você pode até tentar, e talvez tenha algum sucesso contra animais feridos, mas correr atrás da presa só vai causar frustração e aquela sensação de que está sendo ridículo. E, acredite, por experiência própria, ser feito de bobo pelo primeiro carneiro selvagem que se encontra não é nada agradável.
Outra coisa que se deve evitar: atirar como se não houvesse amanhã na esperança de que pelo menos um tiro vai atingir o alvo. A munição que se pode carregar nos bolsos, na vida real, é bem menos volumosa do que aqueles coletes infinitos dos filmes do Rambo. Deste modo, bastam alguns tiros mal planejados e não vai sobrar muitas opções que não voltar a pé para a cabana principal do cenário para recarregar.
Essa lista do que Hunting Simulator 2 não é serve para que você decida, primeiro, se pretende continuar nesta análise, sabendo o que não esperar, e sobretudo se tem qualquer pretensão de experimentar o jogo. Porque antes de mais nada, esse jogo não é para quem espera uma bela história regada a tiroteios intensos e a exploração com as quais estamos acostumados. Mesmo que seja um shooter, esta é a última coisa que se deve esperar do game. Se você continuar por aqui, vou explicar melhor.
Paciência, muita paciência
Não é raro que demoremos bons minutos entre um tiro e outro em Hunting Simulator 2. Também não será estranho se em uma sessão de 2, 3 horas, sequer gastemos um pacote de 10 projéteis. Como dito antes, você assume o papel de um caçador de animais e, como não poderia deixar de ser, eles não estão muito dispostos a serem caçados. Sabe aqueles filmes onde a cena da caça é uma bela desculpa para diálogos longos e caminhadas intermináveis para desenvolvimento de personagens? Pois é. Faz todo sentido.
Encontrar animais caminhando a esmo é algo bastante difícil de acontecer, mesmo em campos abertos e com a visão privilegiada. Em relevos montanhosos e acidentados, é virtualmente impossível conseguir sucesso só andando por aí. Afinal, antes mesmo de você perceber a movimentação da presa, ele já percebeu a sua e se afastou. Exatamente por isso, a melhor ferramenta com a qual contamos é o nosso parceiro de caça, um sempre disposto cão farejador, com o qual é necessário construir uma relação de colaboração desde o princípio.
Assim, o modus operandi padrão é começar a explorar um local e procurar por rastros de possíveis presas. Uma vez que se encontra uma pegada, restos de alimento ou fezes (e estes rastros não são tão volumosos assim), é preciso enviar seu parceiro canino para farejar e seguir as pistas até se alcançar sua origem. Como um caçador experiente, o tipo de animal rastreado é logo identificado — seja pelo formato das patas ou outras características — e aí cabe ao caçador seguir ou não. Também é possível saber quanto tempo faz que aquela pista foi deixada ali — pode ser pela vegetação ainda verde ou pela cor e consistência dos dejetos, por exemplo — compreendendo que quanto mais novo é o vestígio, mais chances de se localizar a sua origem.
Contudo, nem sempre essa ação padrão dá os resultados esperados. É possível que seu cão perca a pista, dependendo do tempo que ela foi deixada, ou mesmo por onde o animal passou. Não dá para seguir pegadas através de um rio ou um córrego, por exemplo. E pode ser que ele de fato acabe se confundindo até se perder, ou ainda não esteja motivado o suficiente. Essa percepção mais apurada depende do companheiro que se adota (é possível comprar outros cachorros com o dinheiro que se ganha com a caça), mas o procedimento se mantém basicamente o mesmo.
Esse processo todo de encontrar pistas, seguir, ver se dá em algo, encontrar outra e tudo mais pode parecer demorado… é de fato é. Mais uma vez, é importante salientar: nada de percepção aguçada, visão de raio x, “sentido de sobrevivência” ou qualquer outro nome que se tenha dado ao recurso. Nada de heróis gregos ou elfos da floresta apontando para onde ir. Tudo aqui é mais sutil, mais passível de engano, de simplesmente perder uma pista que se está seguindo há 20 minutos. E tudo bem, porque faz parte da experiência, da simulação. Há vários tipos de animais de que ouviremos falar, para os quais conseguiremos as licenças, dos quais veremos rastros, mas que só veremos algumas dezenas de horas depois de começar a jogar.
Aliás, falando em licenças, Hunting Simulator 2 também é bastante rígido sobre o que e como caçar, seguindo uma legislação vigente hoje nos Estados Unidos. Não é simplesmente sair caminhando e atirar na primeira coisa que se mexer. É fundamental que se tenha a licença adequada — você pode estar habilitado a caçar carneiros selvagens, mas não aves; raposas, mas não bisões, por exemplo. Para adquirir essas licenças, é necessário comprá-las com a moeda do jogo, conquistada basicamente caçando e vendendo o produto. Em outras palavras, é necessário caçar o que se pode para se conquistar o direito de caçar outras variedades de animais.
Mas não é o bastante simplesmente ter autorização legal para caçar um tipo específico de animal. Também é importante ter a munição adequada. Usando o português claro, aqui não se pode matar uma formiga com bazuca. Cada tipo de arma — rifle, espingarda, arco, etc. — pode ter mais de um calibre e cada munição é adequada para um tipo de caça. Mate um pato selvagem com uma munição .270 e ao invés de ser premiado, pague a salgada multa. Ah, e em alguns casos nada de caçar fêmeas. Somente animais machos são permitidos para garantir que não seja uma ação predatória demais.
Como todas essas limitações, cada cenário — dos basicamente, 6 possíveis — tem diferentes momentos para abordagem. Eu, por exemplo, investi minha grana inicial com munição pesada e licença para animais maiores, como cervos, javalis e bisões (afinal, se o bicho é maior, é mais fácil de se achar e de se acertar). Ainda que não seja um raciocínio totalmente errado, é leviano. Lebres e patos, por exemplo, são mais abundantes em certas áreas, e ao encontrar vestígios deles (ou mesmo passar por eles) é necessário ignorar para não pagar por isso. Claro, você pode atirar em animais sem autorização, mas isso só vai fazer com que seu progresso seja ainda mais lento.
Digo “ainda mais lento” porque este talvez seja a maior questão de divergência do jogo (caso você ignore a temática e o estilo mais cadenciado). Depois do tutorial, há uma falsa ideia de que logo teremos acesso a vários tipos de armamentos, munições de vários calibres e outras traquitanas complementares. Ledo engano. O que se ganha com cada carcaça ensacada — acostume-se com os termos mais impessoais do jogo — não é lá grande coisa e é necessário caçar bastante para se ter acesso aos recursos do jogo. Investindo mal, pior ainda, porque sem melhorar as licenças é impossível avançar no jogo.
Por exemplo, você pode comprar um rifle de bom calibre e a licença para cervos, bisões e javalis. Ao atingir o máximo que se pode caçar (alguns tipos de animais só podem ser caçados um ou dois por licença, outros até cinco) você não ganha mais dinheiro caçando outros de mesma espécie. Ou seja, se caçar todos os animais que tem direito e não usar o dinheiro ganho para licenças de outros (ou dos mesmos, mas em outras regiões), fim de jogo. O mesmo vale no caminho contrário: não adianta gastar todo o dinheiro em licenças variadas, mas só ter arma e munição para um ou dois tipos. Esse equilíbrio é fundamental desde o começo para não travar o avanço.
Também é possível adquirir outros itens secundários. Por exemplo, pode-se comprar essências e substâncias que disfarçam o cheiro do caçador (para evitar que os animais o sintam a distância) ou para atrair outros, algo muito proveitoso para não precisar sempre ir atrás do bicho, e que é útil principalmente para presas menores e difíceis de se ver em condições normais. Além disso, é possível ainda melhorar equipamentos, investir em miras mais precisas e outras quinquilharias úteis.
A questão é que tudo isso é relativamente muito lento no começo, mesmo usando jogos mais longos como parâmetro de comparação. É possível passar literalmente horas andando, explorando, caçando, sem conseguir qualquer caça, mesmo seguindo as pistas com afinco. Claro, a experiência de jogo vai logo ensinar que nem toda pista é digna para se investir tempo, mas nada se torna mais fácil, ou ganha uma frequência maior conforme o jogo avança. São raros os animais que se mostram, e mesmo quando isso acontece, é necessário ter paciência para saber quando investir ou não nele.
Um (não tão) belo mundo vazio
Graficamente, Hunting Simulator 2 tem seus méritos, com uma modelagem de personagem, armas e animais caprichada, com destaque para animações e reações dos bichos de acordo com suas ações. Mas um olhar mais atento em texturas e cenografia denuncia um trabalho artístico menos requintado e até datado, sobretudo nesse momento de final de geração. Os ambientes — que variam entre matas densas, desertos e pântanos — conseguem emular bem suas referências em termos de clima e a temperatura de cor é bem coerente com a proposta, mas a vegetação, mesmo apresentando uma variedade louvável, é bastante pobre em volume e movimento.
O terreno, em vários momentos, se mostra borrado, com texturas bem grosseiras. O desempenho não é lá essas coisas também, com vários elementos sofrendo para renderizar a tempo. Muitas vezes, uma simples aproximação com o zoom da mira já denuncia uma textura demorando a surgir, ou mesmo objetos aparecendo instantes depois, algo que além de não ser muito agradável esteticamente, também pode atrapalhar a jogabilidade. Não foi uma vez só que uma moita renderizou enquanto eu fazia uma mira através dela, atrapalhando um tiro perfeito — e vários minutos de planejamento.
Em termos sonoros, porém, há mais méritos. Não adianta jogar Hunting Simulator 2 com o som bem baixinho para não acordar a família, ou mesmo na bagunça de um dia de festa. Este é um game para se ouvir. Muitas vezes, a localização do alvo se dará identificando a presença (e a espécie) dele pelo áudio, e usar fones para ter uma melhor espacialidade é recomendável. Claro, não há uma mixagem tão complexa assim, já que o jogo sempre representa ambientes bastante silenciosos e isolados, e tirando o som dos tiros que rasga essa quietude, tudo é bastante tranquilo, com uma ambiência de natureza calma e quase relaxante.
Como um todo, Hunting Simulator 2 apresenta um valor de produção moderado, com várias passagens parecendo pertencer a uma produção da geração anterior, e em vários aspectos parece piorar o que foi mostrado no anterior. Ainda assim, consegue oferecer alguns belos enquadramentos, com aquela luz de fim de tarde para tirar um print caprichado. Também falha em termos de otimização, além de apresentar algumas falhas bobas de colisão (com animais atravessando objetos ou o jogador ficando enroscado em folhagens leves) que devem ser melhorados ao longo do tempo com os necessários patches.
O que talvez seja mais evidente é, de novo, a percepção de mapas consideravelmente grandes (até por ser atravessado a pé e correndo o mínimo possível para evitar assustar as presas), mas absolutamente vazios de conteúdo, com vegetação e relevo repetitivos e pouco atraentes, algumas boas soluções de iluminação, mas bem restritas em termos de interação. Nem portas e escadarias contam com qualquer tipo de animação. Tudo é bastante simplório e pouco imersivo. E para uma experiência de simulação, perder imersão pode ser um grande elemento a se considerar.
O que ficou claro para mim durante toda a minha passagem pelo game é que houve um grande esforço para que a vivência seja realista, ainda que tome alguns atalhos para simplificar certas coisas. Particularmente, acho a proposta louvável ao buscar a essência de uma simulação incondicional para seu público, sem fazer concessões demais para tornar o jogo algo que ele não é. Poderiam criar alguns modos mais casuais, como ambientes com mais volume de animais ou com criaturas mais burras? Poderiam. Isso seria bem-vindo ao jogo? Não sei. Gostar ou não das escolhas de design depende do que o jogador espera, mas não mudam o fato de que pelo que se propõe, o jogo alcança vários de seus objetivos.
Conclusão
Desenvolvido pela Neopica e com distribuição da Nacon, Hunting Simulator 2 é daquelas experiências cuja recomendação (ou não) é bastante complicada porque atende um nicho bastante específico. Primeiro, a temática precisa agradar (pessoalmente, a caça animal não é dos temas que me atraem). Depois, a cadência desacelerada, a investigação mais lenta e a progressão bem vagarosa não são defeitos por si, mas não tem um meio termo: ou você compreende isso como parte de uma experiência de simulação e incorpora para si, ou vai rejeitar e odiar cada segundo.
Esteticamente, é um game ora limitado, ora bem vistoso, sem tanta identidade e emulando um realismo (ainda que com várias ressalvas) que consegue criar uma ambiência coerente com a proposta. A mecânica de tiro não é nada de muito especial, exceto por ter um ritmo completamente diferente da média de outros jogos, e cada bala conta, já que o tiro deve ser pensado e repensado antes de ser disparado. É um jogo, portanto, para quem gosta da caça esportiva e dispõe de muita, muita paciência.
Hunting Simulator 2 está disponível para Playstation 4, XBox One, Nintendo Switch e, logo mais, PC, com textos localizados para o português brasileiro.