Análise Arkade: Knee Deep é mistério e conspiração, com um pouco da esquisitice de Twin Peaks
Um famoso ator é encontrado enforcado, preso à uma caixa d’água. Suicídio? Assassinato? Conspiração? Seu trabalho é descobrir o que aconteceu em Knee Deep, jogo episódico deveras intrigante que chega completinho essa semana ao PS4 e ao Xbox One!
Suicídio ou homicídio?
Praticamente toda a trama de Knee Deep gira em torno da morte de Tag Kern, ator de Hollywood que andava meio em decadência, mas que ia rodar um novo filme na pitoresca cidadezinha de Cypress Knee, na Flórida.
O filme — que poderia dar um up na carreira de Kern — jamais foi terminado, pois o ator foi encontrado enforcado na caixa d’água de um decadente hotel de beira de estrada chamado Mohawk Inn.
https://youtu.be/y2EvWJZjSxg
À primeira vista, parece um caso (sensacionalista) de suicídio de um sujeito que tentou chamar a atenção até o fim… mas quanto mais você investiga, mais isso se torna dúbio. E investigar é o grosso do seu trabalho aqui, e, felizmente, você terá 3 ajudantes nesta missão.
1 jogo com 3 protagonistas
Knee Deep conta com 3 protagonistas diferentes, cada um com uma personalidade bem própria. Romana Teague é uma blogueira de um “site de fofocas”. Jack Bellet é um carrancudo repórter de um jornal local. K.C. Gaddis é um detetive particular, que anda sempre acompanhado de seu fiel cão, Monroe. Todos estão ali para descobrir a verdade sobre a morte de Kern, ainda que não demore para você se envolver em outras intrigas, como por exemplo, o fato de que o Mohawk Inn — que é uma propriedade indígena — está sendo visado por um grupo de investidores e políticos que querem construir algo mais lucrativo naquela região.
O gameplay de todos segue o mesmo esquema: o que temos aqui é um formato meio “point and click on rails”: você não controla ativamente os personagens, mas pode interagir com os cenários e NPCs presentes em cada cenário, buscar pistas e vez ou outra resolver algum puzzle conceitual.
Como em outros games do gênero, você geralmente possui diferentes abordagens na hora de conversar com as pessoas em busca de pistas. A ex-namorada de Kern, o garçom (meio maluco) que serviu a última refeição do ator, o líder religioso de uma bizarra seita da qual Kern fazia parte… todos eles podem te ajudar — ou não –, conforme você conversa com eles e vai descortinando novas facetas do mistério.
Confira no vídeo abaixo um pouco de gameplay com a personagem Romana:
Investigação e jornalismo
Como já dissemos, em Knee Deep temos 3 personagens: uma blogueira, um jornalista e um detetive. Todos eles vão fazer basicamente a mesma coisa, mas cada um à sua maneira. A maneira com que as narrativas meio que convergem é muito bacana, até porque, cada um dos protagonistas ainda precisa lidar com seus próprios drama: Romana tem um chefe temperamental, Jack precisa lidar com a ex-mulher histérica e K.C. tem os engravatados do estúdio na sula cola, esperando por uma resolução do caso… sem contar que todos tem que prestar contas a outros detetives que estão investigando o caso.
Conforme todos conversam com o esquisito grupo de pessoas que está nos arredores do Mohawk Inn, informações relevantes, conflitantes e sigilosas vão aparecendo, e cada um vai formando um dossiê. Aí surge um dos aspectos mais interessantes do game: o momento de redigir posts/relatórios.
As pistas e informações que você acumula podem render posts no blog de fofocas para o qual Romana trabalha, notícias para o site do jornal de Jack ou relatórios para o caso de K.C. Porém, você pode transmitir estas informações de diferentes maneiras — Cautious, Edgy e Inflammatory — e o tom de seus artigos repercutirá de formas diferentes entre as pessoas envolvidas.
Por exemplo: se, com Romana, você incriminar a ex-namorada de Kern por algo suspeito que ela lhe disse — criando um texto do tipo “Inflammatory“, sensacionalista e acusatório — os acessos do seu site vão aumentar e seu chefe vai ficar feliz… mas a ex-namorada vai passar a te odiar e dificilmente vai soltar alguma outra informação relevante para você. Mesmo outros personagens que lerem seu artigo se tornarão mais cautelosos em suas “entrevistas”, o que pode dificultar a sua vida.
Este recurso é apresentado de maneira super prática, e a forma imprevisível e intensa com que ele afeta as relações entre os personagens é muito interessante, e realmente vai moldando os rumos da narrativa. Depois que alguém já formou uma opinião a seu respeito, fica bem difícil de voltar atrás… mas quem sabe quando estiver no controle de outro personagem, você não consegue uma abordagem mais amigável?
Audiovisual
Knee Deep não é exatamente um primor audiovisual, mas se apresenta de forma bem diferente do convencional: a história do jogo é uma peça de teatro, e tudo acontece como se a ação estivesse rolando em um palco, diante de uma plateia.
Deste modo, temos um narrador que vai ligando as informações, vozes da plateia (que reagem especialmente bem às revelações mais chocantes), efeitos de iluminação que dão um tom especialmente dramático às cenas e um interessante recurso de cenários “mutantes”, que movem-se e desmontam-se para permitir que o jogador possa acompanhar a ação. Vez ou outra o palco todo “gira” para mostrar uma nova locação, o que também é bacana.
Sempre que você adentra um ambiente — um trailer, ou um escritório, por exemplo — as paredes deste local “se abrem” para que você possa acompanhar o que acontece do lado de dentro. É um recurso estético e narrativo ao mesmo tempo, que concede uma identidade muito peculiar ao game. Tipo assim, ó:
Legal, né? Acontece de vermos personagens atravessando pisos e paredes nessas transições (bugs que infelizmente acontecem mais do que deveriam), mas não se pode negar que é uma saída bem charmosa para mostrar o desenrolar da ação e manter a temática “teatral” em voga o tempo todo.
Os personagens fazem gestos amplos e sua linguagem corporal é exagerada, o que é interessante, afinal, este é um recurso muito utilizado no teatro para evidenciar à plateia as emoções de cada personagem. Todos eles — protagonistas e NPCs — ficam melhores quando vistos de longe, pois os modelos não são realmente bonitos ou bem acabados, e quando os vemos de perto eles perdem sua expressividade.
No que tange às dublagens, temos altos e baixos: nem todas são realmente boas, o que acaba interferindo (negativamente) na carga emocional das discussões e revelações que rolam. A trilha sonora — assinada por SkewSound — por outro lado, cumpre bem seu papel, sendo sutil, “tribal” e misteriosa para combinar com a vibe do game.
Um ponto negativo (para nós brasileiros) é a total falta de localização do game: Knee Deep está 100% em inglês. Como ele é um jogo totalmente pautado em diálogos, ter um bom entendimento do idioma é fundamental para quem pretende embarcar nesta investigação.
Conclusão
Apesar de derrapar em alguns aspectos técnicos, Knee Deep sem dúvida consegue entregar uma história instigante, que ganha força em um elenco que, se não é especialmente carismático, sem dúvida é interessante por ser esquisito. A maneira com que o jogador afeta as relações entre os personagens torna o jogo uma experiência intensa e imprevisível, e o passar dos episódios só vai deixando tudo ainda mais nebuloso.
O release afirma que o jogo almeja ter uma vibe de Twin Peaks (série de TV dos anos 90 criada por David Lynch), e isso realmente é verdade. Considerando que Twin Peaks nunca recebeu oficialmente um game, Knee Deep sem dúvida consegue manter alto o nível de bizaarrice e conspiração que os fãs da série curtem.
Knee Deep chegou dia 31 de janeiro ao PS4 e vai chegar em 3 de fevereiro ao Xbox One. Embora tenha sido originalmente lançado em formato episódico na Steam, nos consoles ele já chega completo.
P.S. Quando você termina um episódio, rolam os créditos e você é levado de volta à tela inicial do game. “Ué? E o resto do game?” Não se desespere: apenas clique em “Continue” para ser levado diretamente ao início do próximo episódio! 😉