Análise Arkade: sobrevivendo e trabalhando no mundo gelado de Lost Planet 3 (PC, PS3, X360)
Hora de montar em sua Mecanotriz gigante para um passeio pelas inóspitas planícies geladas do planeta E.D.N. III: na sequência você confere nossa análise completa de Lost Planet 3!
Lost Planet é uma franquia inconstante. O primeiro jogo foi bem recebido pela crítica, o segundo nem tanto, por apresentar algumas boas ideias mal executadas. Ou seja, ficou nas mãos deste terceiro jogo a difícil missão de restaurar a imagem da série.
Para se desapegar de eventos e personagens anteriores, Lost Planet 3 é um prelúdio, e se passa várias décadas antes dos acontecimentos do primeiro game. Ao contrário dos jogos anteriores, aqui há mais história e desenvolvimento dos personagens. A campanha – que é exclusivamente para um jogador – nos apresenta a um novo protagonista, o simpático Jim Peyton, um legítimo “faz-tudo” que topa qualquer parada para levantar uma grana.
Em tempos onde jogos com anti-heróis revoltados dominam o mercado, é bacana ver um “cara comum” protagonizando um jogo. Peyton é um sujeito absolutamente normal, que embarcou para E.D.N. III pelo mesmo motivo que eu e você acordamos cedo todos os dias: ganhar dinheiro de maneira honesta para garantir uma vida confortável para a família.
Essa motivação é tão simples e tão genuína ao mesmo tempo, que não demora nada para nos afeiçoarmos por Jim e sua esposa Grace, que estão sempre enviando mensagens em vídeo um para o outro.
O legal é que estes vídeos não são melodramáticos ou exagerados, são singelas mensagens onde eles compartilham fatos pitorescos do cotidiano para amenizar um pouco a saudade. Tanto Jim quanto Grace são personagens extremamente carismáticos e verossímeis.
Jim carrega o tempo todo uma foto de sua “patroa” no cockpit de sua Mecanotriz, para lembrá-lo da razão pela qual ele está tão longe de casa, arriscando seu pescoço para coletar a preciosa T-Energy garantir o sustento de Grace e seu filho que está dando seus primeiros passinhos.
Claro que ganhar este dinheiro não será uma tarefa das mais fáceis, pois Jim terá que encarar as mais variadas missões para ser remunerado. Felizmente, ele conta com a supracitada Mecanotriz para ajudá-lo, e ela é nada menos que um enorme mech de serviço que se mostra extremamente útil nas mais variadas situações.
Reparou que eu disse “mech de serviço”ali em cima? Pois é, se você fantasiava um robô equipado com armas laser e mísseis, esqueça: tal como Jim, a Mecanotriz é “pau para toda obra”. Guinchos, manoplas giratórias, maçaricos e brocas são alguns dos equipamentos que podem ser encontrados neste colosso de metal.
Porém, repare também que eu disse que ela é “extremamente útil nas mais variadas situações”. Mesmo não sendo designada para batalhas, você usará muito seu mech para explorar o planeta, e inevitavelmente precisará enfrentar alguns akrids gigantescos com ela. Nestas horas, os equipamentos de exploração da Mecanotriz tornam-se armas improvisadas razoavelmente eficientes. Falaremos mais sobre isso na sequência.
Alternando entre missões dentro e fora da Mecanotriz, a campanha de Lost Planet 3 possui um andamento um pouco lento, e você deve basicamente pegar missões, cumprir seu objetivo e ser pago por isso, acompanhando o progresso da narrativa conforme Jim faz seu trabalho.
Não demora para Jim encontrar algo que não deveria escondido sob o gelo de E.D.N. III e a trama começa a apresentar algumas reviravoltas. Embora não seja nada revolucionário (o roteiro lembra um pouco o filme Avatar), devemos dar um ponto positivo pelo jogo se esforçar em contar uma boa história.
Mesmo enquanto explora o planeta e desenterra segredos esquecidos, Jim ainda é um mero operário, então você estará sempre tendo que buscar suprimentos, consertar antenas, soldar canos, restabelecer comunicações, coletar (ou instalar coletores de) T-Energy, ou algo do tipo. Até mesmo as (diversas) missões secundárias, que poderiam dar uma variada, não fogem do padrão, e geralmente envolvem algum tipo de “trabalho braçal”.
Entendemos o propósito disso dentro do contexto do roteiro, mas essa obrigatoriedade de cumprir tarefas genéricas o tempo todo acaba deixando a jogabilidade bem repetitiva. A maior parte do jogo se resume a ir de um lugar a outro do mapa consertando coisas e, claro, metralhando alguns akrids no processo.
Na hora dos tiroteios, Lost Planet 3 não decepciona, nem surpreende: temos versões espaciais de armas tradicionais – rifle, escopeta, pistola, besta – e granadas, bem como movimentos de rolagem e cobertura típicos de jogos do gênero.
As mecânicas de jogo funcionam de maneira satisfatória na maior parte do tempo, embora a esquiva acabe se tornando um pouco problemática em ambientes muito apertados. A câmera segue o mesmo estilo de jogos como Gears of War, e geralmente se mantém em uma posição adequada.
Para se livrar dos huds indicativos, Lost Planet 3 traz uma boa sacada: quando está perto de sua Mecanotriz, ela envia o sinal do hud para seu traje, deixando informações como arsenal, munição, energia e mapa nos cantos da tela. Porém, conforme você se afasta de seu mech, o “sinal da Wi-Fi” enfraquece, deixando o jogador sem muitas referências visuais de sua quantidade de energia, munição e suprimentos.
E é nestes momentos, longe de sua Mecanotriz, que Lost Planet 3 realmente empolga. Não me entenda mal, mechs gigantes são sempre bem-vindos, mas o fato deste robô ser utilizado basicamente para serviços – as batalhas com ele são simplesmente quick time events de tentativa e erro – torna-o mais útil apenas para agilizar a exploração dos cenários. O mech ainda recupera toda sua munição e alimenta seu hud, ou seja, torna sua vida bem mais fácil. Longe de sua Mecanotriz, porém, é apenas você, sua arma e sua habilidade contra centenas de akrids.
Isso rende alguns momentos realmente intensos ali pelo meio da campanha. Em determinada missão, Jim deve coletar medicamentos em uma estação abandonada. Esta é de longe uma das melhores partes do jogo, acrescentando uma bem-vinda pegada de tensão e suspense ao game.
Claro que não estamos diante de um novo Dead Space, mas estes momentos realmente são bem tensos. Com ovos de aliens pipocando por todas as paredes, inimigos que se esgueiram para atacar de surpresa e corredores claustrofóbicos e mal iluminados, este trecho se destaca e mostra que, com um pouco de ousadia, Lost Planet 3 poderia se tornar algo bem mais intenso e imersivo.
Na sequência deste trecho, um dos chefes colossais aparece… e você está longe da sua Mecanotriz! Nessas horas, seu objetivo se torna simplesmente “sobreviver”, e você deve apenas aguentar o tranco, quebrando pedaço por pedaço das defesas do bicho até estar próximo de seu mech para a derradeira batalha.
Outro recurso que traz um respiro de criatividade são as tempestades. Elas são imprevisíveis e podem acontecer a qualquer momento. Existem diferentes graus de intensidade destes eventos, e eles podem render momentos bem desesperadores, podendo deixar seu robô “atolado” na neve e vulnerável no pior lugar possível.
No geral, a campanha de Lost Planet 3 é feita de altos e baixos. Se por um lado o protagonista e suas motivações são bacanas, por outro, a repetitividade das missões acaba deixando a campanha um pouco cansativa. Um pouco mais de variedade cairia bem; a alternância entre missões mais empolgantes (como a descrita acima) e consertos genéricos de antenas poderia mascarar a falta de criatividade, podendo deixar o andamento do game bem mais dinâmico.
Pela primeira vez na série, o motor gráfico Unreal Engine 3 foi utilizado. O resultado disso é um jogo com visual muito mais polido e detalhado, mas que ainda não utilizou o potencial da engine da Epic Games ao máximo.
Como de praxe em jogos feitos em cima da Unreal, temos personagens troncudos, armaduras pesadas, braços largos e pescoços curtos. Até aí tudo bem, a série Gears of War foi longe com isso. Porém, a modelagem dos NPCs é bem simples, e a interação com eles é risível, pois os lábios são mal sincronizados e todos gesticulam de maneira robótica e artificial.
Os inimigos oferecem uma variedade razoável, mas o excesso das espécies mais comuns acaba tornando os combates repetitivos com o passar do tempo. O destaque, como de praxe, vai para os chefes gigantes: entre enormes caranguejos com uma carapaça de rocha até criaturas com bocas que ocupam a tela toda, cada monstrengo é único, belo e muito bem modelado.
Os cenários possuem seus altos e baixos. Se por um lado as planícies gélidas de E.D.N. III são bem simplórias, por outro, o interior de bases e construções costuma ser bem detalhado, com boa variação e qualidade nas texturas. A iluminação é excepcionalmente competente, especialmente em efeitos dinâmicos como faíscas e lâmpadas bugadas e luzes tipo giroflex.
Lost Planet 3 passa a impressão de ser um jogo de mundo aberto, mas não é bem assim: existem grandes áreas distintas para exploração (com telas de loading entre uma e outra), mas realmente não há muito o que ver ou fazer nestas áreas entre uma missão e outra. É um mundo muito bonito e teoricamente vasto, mas essencialmente vazio e desinteressante.
Já no departamento sonoro, o game dá um show. As dublagens são muito boas, especialmente em se tratando de Jim e sua esposa. A naturalidade com que eles conversam em suas mensagens é excelente, e nas cutscenes, a sincronia labial é muito melhor que aquela vista durante o gameplay.
A trilha sonora também se destaca, por 2 motivos. Quando estiver dentro de sua Mecanotriz, ocasionalmente você poderá “ligar o rádio” e curtir algumas músicas muito bacanas, com uma pegada bem southern rock. Já para criar um clima, o jogo aposta em composições muito inspiradas, especialmente nos momentos de “terror” já mencionados, onde violinos soltam notas rápidas e afiadas que chegam a incomodar.
As legendas em português do game também são dignas de nota: este não é um jogo simplesmente “traduzido” ipsis literis desleixadamente, temos um trabalho muito bom de localização, com gírias e expressões bem adaptadas para o nosso idioma.
Por exemplo: em dado momento, um NPC quer saber como andam as coisas na Terra e pergunta se tal time ganhou um importante torneio de futebol americano. Como este não é um esporte muito popular no Brasil, a legenda foi adaptada para algo bem mais familiar: futebol. Mais especificamente Corinthians e Copa Libertadores. Uma sacada criativa, que ilustra o cuidado especial que a localização tupiniquim recebeu. Os menus e tutoriais em português mantém o mesmo padrão de qualidade.
Depois que você terminar a campanha principal – que deve durar um pouco mais de 8 horas – chega a hora de se aventurar pelas partidas multiplayer. Em nossos testes, foi praticamente impossível achar jogadores para uma partida personalizada, então o jeito foi apelar para o bom e velho “quick match”, onde reina a matança desenfreada das arenas PvP. Porém, sem o carisma de Jim, o que sobra são soldados genéricos empunhando armas e fuzilando uns aos outros.
Não há muito segredo aqui: temos modos de jogo bem tradicionais para vários jogadores simultâneos, incluindo modos cooperativos contra hordas de akrids, proteção de áreas específicas e busca por recursos. Os cenários foram projetados para tentar valorizar a mobilidade rápida, como o gancho e a tirolesa.
Há um sistema de evolução e desbloqueio de equipamentos que deixa a jogatina interessante e deve manter os aficionados interessados. Você pode escolher entre um vasto arsenal e customizar alguns elementos do seu soldado, além de destravar perks conforme sobe de nível.
No geral, Lost Planet 3 é um jogo competente, mas que tinha potencial para ser muito mais. Fazendo uma analogia com o ambiente do jogo, as boas novidades do game acabam parecendo pequenas estações espaciais perdidas no meio de um vasto e gélido campo estéril de criatividade.
A jogabilidade funciona, a história também, mas faltou uma campanha mais dinâmica, que faça estes elementos isolados funcionarem bem juntos. Bons momentos estão salpicados aqui e ali, pontuando as melhores partes de uma campanha predominantemente tediosa.
Se você é um fã da franquia, provavelmente vai curtir as novidades e o foco na narrativa que Lost Planet 3 oferece. Se ainda não conhecia a série, o fato deste ser um prelúdio pode ser um bom começo, ainda que não seja nada muito ousado ou surpreendente.