Análise Arkade: Metal Gear Survive até tem algumas qualidades, mas não é um Metal Gear
Após todo um longo período de conturbação, que começou nos estágios finais de produção de Metal Gear Solid V: The Phantom Pain e culminou com a saída de Hideo Kojima da Konami, o destino da franquia Metal Gear se tornou incerto. Sem seu criador e diretor, não haviam muitas esperanças para a série, até que a Konami anunciou Metal Gear Survive, cuja recepção foi muito negativa, principalmente dos fãs da franquia.
A ideia no entanto seguiu adiante e Metal Gear Survive foi lançado, saindo totalmente do foco de stealth e enredo cinematográfico para entregar uma experiência diferentes: A de encarar o desafio de sobreviver a um outro mundo dominado por estranhos zumbis. Mas será que o primeiro Metal Gear após a saída de Kojima mandou bem? É hora de descobrir!
Sai a espionagem e a Guerra Fria, entram os zumbis e outro mundo
Metal gear Survive é um spin-off de Metal Gear Solid V: The Phantom Pain, contando uma história paralela sem conexões com a série principal, mas emprestando alguns pedaços de seu enredo. O game se passa alguns meses após os acontecimentos de Ground Zeroes, em que a Mother Base é destruída no ataque da XOF, o que dá o gancho para o início de The Phantom Pain.
Você controla um soldado da MSF que sobreviveu a esse atentado, que testemunhou a abertura de um buraco de minhoca que começou a sugar pessoas e destroços da Mother Base. Após esses eventos, seu personagem é resgatado por uma nova organização ultra secreta que te envia sozinho para o mundo do outro lado do buraco de minhoca para resgatar sobreviventes e derrotar os monstros que o habitam: Os andarilhos.
Os andarilhos são estranhas criaturas, eles são uma espécie de “zumbis” com cristais vermelhos no lugar de suas cabeças. Eles infestam todo esse estranho mundo, que aqui é chamado de Dite. Além deles, esse mundo é envolvido em uma densa névoa tóxica chama de “Cinzas”, que envenena grande parte desse mundo e serve como um abrigo para os andarilhos e para várias outras criaturas diferentes.
E nesse novo mundo, enquanto luta para sobreviver, você vai conhecendo e resgatando novos personagens que se tornam seus aliados. E com a ajuda da inteligência artificial Virgil AT-9, seu objetivo é tentar achar uma forma de voltar para sua casa, enquanto se mantém vivo.
Uma bagunça de elementos misturados
Como você pode ver, Metal Gear Survive diverge muito do enredo da série Metal Gear em vários sentidos. O game tem um plot bem simplificado e até um pouco previsível, a medida em que vai revelando os seus segredos a cada nova missão. Uma coisa a se falar sobre o game é que, em termos de prosseguimento da história, Survive é um game extremamente curto, se você seguir as missões principais sem perder muito tempo com missões paralelas ou outras coisas, terminará sua história extremamente rápido.
Isso torna as coisas um tanto quanto aceleradas. E que acabam deixando a sensação ao final de que não houve muito empenho, ou talvez foco em desenvolver a história do game. E é nesse ponto que entra a bagunça. Em pouco tempo você acabará descobrindo o que são os andarilhos e o que é a névoa que cobre a maior parte do mundo do game, bem como conhecerá o “vilão principal” da história. Porém, a revelação acaba acontecendo de uma forma tão… desinteressante, que acaba não impactando.
Aliás, essa revelação acaba não sendo surpreendente. Sem dar nenhum spoiler, quando a revelação é finalmente dada, ela passa uma sensação de descrédito, não por ser um grande plot twist, mas por ser algo que para os fãs da série de longa data já é uma piada até antiga! A bagunça fica ainda maior quando novas informações são adicionadas, sobre o objetivo do “vilão” do game, que já envolve tantas coisas ao mesmo tempo que causa uma bela confusão. E na fórmula ainda entra uma nova organização ultra secreta, quase ao nível de poder dos Patriots (senão maior) com envolvimento profundo em tudo isso, mas não se preocupe, pois isso não é nenhum spoiler, isso já é mencionado logo nos primeiros minutos de jogo.
Um survival divertido em alguns pontos, mas muito irritante em outros
Metal Gear Survive foi construído em cima de Metal Gear Solid V: The Phantom Pain. O que significa que ele utiliza as mesmas armas, modelos de personagens, jogabilidade e até mesmo os dois mapas do game original. Mas falaremos mais de cada um em outros tópicos. Mencionamos no último tópico que a história do game é muito curta, mas ao final, ela acaba servindo mais como uma “desculpa” para o principal do game, que é o pós-game, em que você fica livre para realizar várias missões diferentes e explorar o mapa.
Como esse game caminha em uma direção diferente do gênero de Tactical Espionage Action, ele possui novos recursos de jogabilidade para se adequar a uma experiência de sobrevivência. No cerne, é a mesma jogabilidade de The Phantom Pain, você possui menus direcionais para equipar armas e equipamentos, você pode andar agachado para não ser visto ou fazer muito barulho, tem uma grande seleção de armas de fogo, agora com a adição de várias armas brancas e etc.
A diferença agora é o foco: seu principal objetivo no game é sobreviver e para isso você precisa de recursos. Você passará a maior parte do tempo coletando vários objetos diferentes para transformá-los em recursos para seu acampamento. Garrafas, pneus, pedaços de madeira e metal, papel, vidro, pólvora e muito mais. Esses recursos estão espalhados por todo lado e você precisa deles para criar armas, equipamentos, construir e etc.
E como esse é um game de sobrevivência, também temos fome, sede e saúde. Seu jogador precisa comer, beber e se curar caso se machuque. Inicialmente, isso relembra o clássico Metal Gear Solid 3: Snake Eater, em que você podia caçar animais para recuperar vida e stamina e precisava usar itens médicos para se curar de diversos ferimentos, como cortes, fraturas, contusões e etc. Tudo isso está aqui, mas isso vai te irritar. E muito.
Fome gerencia sua barra de HP, sede gerencia sua barra de stamina. Consequentemente, esses dois status são proporcionais, se você tiver muita fome, sua barra de HP vai diminuir, muita sede diminui a barra de stamina. Basta que você se alimente e beba para se recuperar. O problema é que você vai ter que fazer isso literalmente de 5 em cinco minutos. Não importa o quanto você coma ou beba, em cerca de 5 minutos, sua fome e sede já estarão fortes o suficiente para prejudicar seu personagem. E isso vai se repetir toda hora, sem parar.
Isso é extremamente frustrante principalmente no começo do game, pois: você terá poucos recursos, que não o deixarão criar muitas armas e munições, que não te permitirão caçar com eficácia. Além disso, no início do game achar comida é muito difícil, pois os animais tem um respawn muito lento após você matá-los. E muitas vezes você precisa viajar longe para caçar, o que não será benéfico pois ao achar um animal, consumi-lo servirá apenas para restaurar a energia que você perdeu justamente para caçar esse mesmo animal.
E a fome e sede te perseguirão até mesmo dentro de missões, chegando a ter momentos em que você precisará parar no meio de uma luta para comer e beber, do contrário não terá forças para enfrentar inimigos. Apesar de fome e sede serem status bem comuns em qualquer survival hoje em dia, aqui eles acabam se transformando mais em um grande incômodo do que algo a ser cuidadosamente gerenciado. Felizmente, ao expandir bastante seu acampamento, começará a ficar mais fácil encontrar comida.
Acampamento, menus, missões e multiplayer
O game gira em torno de seu acampamento, o lugar onde você passara mais tempo no game e onde você irá construir tudo aquilo que precisa para sobreviver. O acampamento se inicia através dos escombros de outro acampamento antigo, sendo preciso que o jogador o expanda e construa novos recursos para ele.
É aqui também onde toda a sua equipe viverá, por isso o jogador precisa saber bem o que construir e onde construir. Entre tudo o que pode ser feito estão as mesas de crafting, onde o jogador criará armas, equipamentos e etc. Cozinhas, depósitos de água, comida e remédios, camas, plantações e etc. O jogador precisa ter em mente as necessidades de todo o grupo, precisando no inicio compartilhar seus próprios recursos para a sobrevivência de todos, até que seja capaz de construir edificações que sustentarão o acampamento por si só.
O acampamento também precisa ser protegido, com cercas, armadilhas, armas e etc. Pois algumas ações que são feitas no acampamento, como abrir buracos de minhoca ou extrair energia atraem inimigos. E se você não se preparar, eles poderão destruir todo o seu acampamento em minutos.
Algo um tanto irritante no game é a questão de gerenciamento. Seja de personagens, armas, recursos, construção e etc. Existem muito menus no game e muita informação acumulada, o que torna o gerenciamento algo não muito intuitivo. Um exemplo disso é o recebimento de recursos. Você encontrará em suas jogadas alguns contêineres trancados, ao abri-los, você encontrará maletas com recursos. Para receber esses recursos você deve voltar a seu acampamento, falar com Virgil, transferir as maletas de um menu para outro (uma a uma) e então abri-las. Se ganhar uma arma, por exemplo, terá que ir até uma bancada de itens, em mais um menu para equipá-la.
Existem muitos menus para coisas que deveriam ser simples. Digamos que seus equipamentos estão com baixa durabilidade e você deseja consertá-los ou trocá-los, você precisará ir até a bancada correspondente para consertar itens não equipados, ou para construir mais de um mesmo item, como munição, por exemplo, ir pra outra bancada se quiser mais granadas ou armadilhas e etc. Isso torna o gerenciamento de seus equipamentos e de seu acampamento algo chato, mas que precisará ser feito constantemente.
O game possui um sistema de missões semelhante ao de The Phantom Pain, abrindo o seu mapa, alguns círculos aparecerão avisando sobre eventos disponíveis. Amarelos são missões principais que dão seguimento na história. Azuis mostram locais com recursos que podem ser coletados e verdes indicam que há alguém que pode ser resgatado para seu grupo. Porém, a variedade das missões é bem baixa. As missões consistem em ativar portais, que funcionam como pontos de fast travel, recuperar placas de memória para Virgil, resgatar personagens ou usar um extrator para coletar energia e enfrentar 3 ondas de inimigos até que o processo termine.
A variedade de missões é baixa, e normalmente consiste em chegar até um ponto, coletar algo e sair. O uso de stealth no game tem como objetivo não atrair a atenção dos andarilhos, pois basta que apenas um o veja que uma verdadeira horda será atraída pelos seus gritos, o que pode deixar a situação toda bem complicada. O bom uso de stealth consegue criar distrações para atrair inimigos para longe ou para cair em armadilhar, como atrair todos os inimigos próximos para um mesmo ponto, jogando cristais no chão para fazer barulho, e finalizando com um molotov ou uma granada.
O game ainda tem missões co-op online separadas da campanha principal. Essas missões são extras que premiam os jogadores com muitos recursos para seus acampamentos, incluindo armas e receitas que não são obtidas de outro modo. As missões co-op são apenas no modelo de extração. Até quatro jogadores se reúnem e iniciam uma máquina extratora de energia. Os jogadores então devem proteger a máquina de várias ondas de inimigos até que o processo termine. Se forem bem sucedidos, ganharão muitas coisas úteis ao final.
As missões online são onde está a verdadeira diversão do game, pois aqui as coisas são mais simples e diretas, e jogar com outras pessoas torna a nem tão divertida experiência solo do game mais envolvente. É uma pena porém que os recursos online sejam restritos apenas a essas missões paralelas, pois em campanha existem missões que seriam bem melhor executadas com a ajuda de outros jogadores. Como uma em particular em que você deve sobreviver a exagerados 15 minutos de hordas quase infinitas de inimigos.
Se quiser ver essa missão, assista ao vídeo abaixo, mas fique avisado que há alguns spoilers nele:
Mas há um porém, você participa das missões online com os mesmos equipamentos que usa na campanha, ou seja, você precisará se preparar bastante para ter tudo o que precisa antes de entrar em uma partida em Co-op, e todos os itens gastos online também são gastos na campanha.
As terríveis microtransações
Já era de conhecimento antes de seu lançamento que Meta Gear Survive teria microtransações, mas ainda não haviam sido divulgadas de que tipo elas seriam. A descoberta foi feita somente com o lançamento do game, e a forma como elas foram empregadas gerou descontentamento total.
A Konami implementou microtransações que bloqueiam recursos do próprio game, são microtransações que não adicionam coisas novas, mas sim que permitem que você utilize certos recursos básicos. O grande exemplo disso são os slots de save. Ao criar seu personagem no game, ele é automaticamente alocado em um slot, por onde seu progresso seguirá conforme você jogue. Se você quiser ter um segundo personagem, terá que comprar um novo slot de save para isso utilizando dinheiro real.
Essa é uma microtransação realmente sem sentido, mas que não para por aí. Assim com em The Phantom Pain, você pode montar equipes de soldados e enviá-los em expedições em busca de recursos para seu acampamento. Mas você tem direito a apenas uma única equipe, se quiser duas ou mais, pague. Isso limita um recurso de jogo que existe para facilitar o gerenciamento de seu acampamento, que acaba bloqueado de uma forma a dificultar sua vida de uma forma injusta.
Outras microtransações são a compra de slots de equipamentos, que permite que você customize diferentes conjuntos com armas e equipamentos diferentes. Além de espaços de inventário de seu personagem e emoticons online. A forma que as microtransações foram implementadas no game limitam recursos básicos do game, o que as tornam muito desinteressantes para que os jogadores resolvam adquiri-las. O game até compensa isso dando moedas virtuais para que você possa gastar, mas o game dá apenas 30 por dia, e o valor mínimo de compra de um save novo, por exemplo, é na casa dos 1000.
A questão do save se torna ainda pior por um motivo em especial: O game possui dois finais diferentes, que quem deseja platinar o game por exemplo, precisará fazer. Se um jogador quiser ver os dois finais, ou mesmo se quiser recomeçar o jogo, não poderá fazer isso em um mesmo save, pois ele não permite revisitar missões passadas. As únicas opções do jogador são: Deletar seu próprio save e criar outro por cima, ou comprar um slot de save novo. E nenhuma dessas opções é muito atrativa.
Audiovisual
Metal Gear Survive foi construído em cima não só da Fox Engine, criada pela antiga Kojima Productions antes de ser desfeita, como é construída em cima da própria “build” de The Phantom Pain. Em resumo, o game funciona como uma grande “skin” para o game original, contando inclusive com os mesmos mapas: Afeganistão e África.
Houve porém uma repaginada no visual, com vários escombros e ruínas por todo lado e algumas pequenas mudanças na geografia. Há ainda uma outra mudança, a maior parte dos cenários do game é coberta por uma densa névoa toxica que abria os andarilhos, como já mencionado. Essa névoa deixa o jogador com menos stamina e o obriga a usar um tanque de oxigênio para sobreviver lá. Mas o principal ponto é que dentro dessa névoa tudo é escuro e sua visibilidade é baixíssima.
Essa névoa cobre a maior parte dos cenários, o que acaba prejudicando a visualização de tudo, além de ser algo um tanto incômodo, pois a maioria das missões do game acontece dentro da névoa. Em áreas abertas podemos ver bem os cenários, que continuam belos como em The Phantom Pain.
Os personagens utilizam modelos de NPCs de The Phantom Pain, mas com visuais um pouco menos detalhados, principalmente em seus rostos. Os personagens tem poucas expressões físicas e faciais, diferentes de The Phantom Pain, em que houve um grande trabalho nesses pontos, alguns personagens chegam até a ter visuais estranhos, principalmente em cutscenes.
Na parte sonora o game tem altos e baixo. O trabalho de dublagem do game (em inglês) é bem feito, apesar de simples. A voz que você mais irá ouvir no game é a de Virgil AT-9, a IA possui uma voz feminina, limpa e fácil de entender; e uma voz masculina, que rapidamente se torna bem irritante, pois fala muito devagar e possui um sotaque bem carregado (mas isso só o incomodará se você manjar bastante de inglês).
Lembra da Navi? A fada de Ocarina of Time odiada por milhares de jogadores por repetir incessantemente a frase “Hey! Listen!”? Pois Virgil acaba tendo o mesmo papel, sempre que você correr demais e gastar muita stamina, receberá uma chamada lhe avisando para descansar. Se estiver com fome e sede, também será avisado. E como já dito, fome e sede se acumulam a cada cinco minutos, então você vai ouvir muito os avisos para se alimentar.
Fora isso, o game possui músicas bem feitas, apesar de nenhuma ser muito marcante. Um ponto positivo é que os sons ambientes são muito importantes aqui. Você precisa sempre estar atento aos sons para poder descobrir a localização de inimigos próximos, da mesma forma, os inimigos se guiam tanto por visão quanto por som para lhe perseguir, principalmente por som, assim, você precisa sempre ficar atento aos sons que produz, bem como usar sons para sua vantagem, atraindo inimigos para longe.
Conclusão
Afinal de contas, Metal Gear Survive vale ou não a pena? Essa é uma pergunta muito difícil de se responder. O game é sim competente em vários pontos e divertido de se jogar online com outras pessoas, mas definitivamente é um game que não deveria ter o nome Metal Gear.
No geral, é um game que poderá divertir alguns jogadores que buscam uma experiência de sobrevivência, apesar disso, existem games melhores do gênero no mercado. Mas para os fãs da série, é um game que não convence. A completa mudança de foco, saindo a espionagem, tecnologia e conspirações para adicionar zumbis não foi uma escolha muito feliz. O game como um todo tem cada de “mod” e teria talvez se dado melhor se vendido como uma DLC de The Phantom Pain, sendo um game completo de preço cheio, com um estilo totalmente divergente e com a polêmica questão das microtransações, acaba sofrendo e muito em sua execução e conjunto.
Como grande fã da série Metal Gear Solid e de Hideo Kojima, esse foi um review difícil de escrever, pois estou do lado que o vê como algo que jamais deveria ter existido, como muitos outros fãs da série. Tenho porém, que ser justo e apontar que sim, existem pontos positivos nesse game, ainda que os negativos sejam mais aparentes e em maior quantidade.
Se você é fã da série Metal Gear Solid e temia pelo futuro da série após a saída de Hideo Kojima, sinto dizer que seus medos tiveram fundamento, Metal Gear Survive é um game que tomou muitas decisões polêmicas, usando o nome de uma série mundialmente famosa como marketing e combinando com “zumbis” e microtransações extremamente abusivas para tentar dar seguimento para a série, sem seu criador. Se o futuro de Metal Gear pode ser previsto através de Survive, então esse não é um futuro muito promissor.
Metal Gear Survive foi lançado no dia 20 de fevereiro com versões para PC, Playstation 4 e Xbox One. O game possui localização em português brasileiro em seus menus e legendas.