Análise Arkade: Miitopia, um simpático RPG de fantasia customizável para o seu Mii
Como alguém que passou muito tempo afastado das plataformas e jogos da Nintendo, eu perdi muita coisa legal que a empresa lançou. Felizmente, o Nintendo Switch está se mostrando uma excelente plataforma para “tirar o atraso” de muitos desses títulos, que estão retornando ao console. É o caso de Miitopia, um RPGzinho pra lá de simpático que joguei nos últimos dias, e que agora recebe, enfim, uma análise aqui no site!
Miitopia foi lançado originalmente em 2016/2017 para o Nintendo 3DS, portátil que joguei poucas vezes na vida. E agora, em 2021, o game está de volta, remasterizado e com alguns conteúdos inéditos, rodando muito bem no Nintendo Switch e trazendo uma aventura personalizada que esbanja carisma.
O RPG dos Miis
Boa parte do charme do jogo está no fato dele ser altamente customizável: os Miis são os avatares que os jogadores criam para jogar — diversos games, não só em Miitopia — e interagir com seus amigos online. Os Miis existem desde os tempos do saudoso Wii, ou seja, estão acompanhando os Nintendistas há mais de 15 anos, ao longo de diversas plataformas.
Em Miitopia, a Nintendo resolveu colocar estes simpáticos avatares dentro de um universo de RPG de fantasia. No mundo do jogo, existe um vilão malvado que está roubando os rostos das pessoas. Nossa missão, obviamente, é recuperar os rostos roubados e frustrar os planos maquiavélicos do vilão.
A história do jogo tem um mix de inocência e simplicidade que é bastante típica dos jogos da Nintendo. Ainda que tenha certos diálogos e situações meio bobinhas até demais, no geral, eu adorei o tom leve e aventuresco do jogo.
Porém…
O que acho uma mancada é que o jogo se prolonga um pouco demais. Miitopia poderia ser um excelente jogo de 12 ou 15 horas… mas, a história dá umas reviravoltas, e ele continua, e continua, e dura umas 30 horas. Confesso que já estava meio cansado ali pela metade da jornada.
Para piorar, quando o jogo resolve se prolongar, ele ainda tira nossos poderes e nos separa de nosso grupo. Isso obriga o jogador a escolher uma nova classe e “criar” novos companheiros para formar uma nova party, depois de horas upando seu grupo inicial. É uma forma bem arbitrária de manter o jogador interessado. Pessoalmente, prefiro algo na linha de Bravely Default II, onde cada personagem pode ter mais de uma classe.
Sendo justo, é legal experimentar as novas classes que são desbloqueadas (há até classes secretas, que demandam ações específicas para serem desbloqueadas), até porque elas alteram bastante o ritmo dos combates. E, o jogo mantém um bom nível de qualidade ao longo de toda a sua duração. Mas, é bem chato você ser obrigado a praticamente recomeçar seu progresso do zero, com uma nova party, no que é meio que a metade da campanha. No geral, acho que Miitopia poderia ser mais curto, mas aí é questão de opinião.
Customize sua história
Eu mencionei “vilão malvado” ali em cima de um jeito que parece um tanto genérico, mas a verdade é que isso faz parte do charme do game: se quiser, o jogador pode criar e customizar qualquer personagem do jogo, desde os heróis que compõem a sua party até o grande vilão, passando por praticamente todo NPC aleatório daquele mundo.
Outra opção igualmente interessante é “convidar” os Miis dos seus amigos para fazerem pare da sua aventura. Se você tem uma conta Nintendo Switch Online ativa, pode importar os bonequinhos dos seus amigos e colocá-los para interpretar diversos papéis em sua aventura. Isso quer seu amigo, seu primo ou sua namorada podem ser um NPC qualquer, mas também pode ocupar lugar de destaque na sua party, como um Clérigo ou um Guerreiro.
Em minha partida, optei por fazer um pouco dos dois: coloquei alguns Miis de amigos em papeis de destaque, mas também me dei ao trabalho de criar novos Miis baseados em familiares e pessoas que conheço para serem NPCs e “elenco de apoio”.
Não é de hoje que RPGs contam com sistemas de criação de personagens, mas acho que nenhum outro jogo nos permite criar (ou convidar) tantos outros personagens, além do protagonista.
Carisma & Personalidade
Isso agrega muito carisma, especialmente aos heróis que formam nossa party. Não definimos apenas um visual e uma classe para eles, mas também uma característica de personalidade que lhes define. Isso afeta o comportamento deles em combate e as interações que um Mii pode ter com outro. Você pode criar um Mago teimoso, por exemplo, ou um Cozinheiro “cabeça de vento”, e essas características vão afetar a forma como eles agem.
Por falar em interações, é fascinante como o jogo injeta personalidade nos Miis. Alguns Miis gostam de certos alimentos, outros não. Você não entra em uma loja para comprar armas e equipamentos, seus Miis vão pedir dinheiro para comprar o que quiserem. Na verdade, o único Mii que você realmente controla em combate é o protagonista, os demais meio que agem como bem entenderem ao longo das batalhas.
Conforme os heróis da sua party interagem uns com os outros, ganham afinidade e desbloqueiam novas habilidades em conjunto. Porém, fortalecer relações com um Mii pode deixar outro com ciúmes, e isso acaba gerando atritos no time. Quando estiver relaxando em um hotel, depois de um dia de aventuras, seus Miis podem querer trocar de quarto uns com os outros — e podemos estimular a interação entre eles usando tickets que oferecem “passeios” para que uma dupla de Miis fortaleça seus laços.
Ainda que tudo seja bastante simples e didático, é uma abordagem muito ousada e diferente dentro do gênero. Aqui não temos a profundidade narrativa ou as escolhas morais de um Mass Effect, mas temos um grupo de heróis que cultiva relacionamentos, gosta (ou não gosta) de certas coisas, age como bem entende nos combates… cada Mii se comporta como um indivíduo consciente, com preferências e afinidades, que toma suas próprias decisões. Como eu nunca havia jogado, achei isso muito louco.
RPG nos trilhos
Existem jogos chamados “on rails” que oferecem uma experiência guiada. House of the Dead, por exemplo, é um shooter on rails. Já New Pokémon Snap é um jogo de fotografia on rails: o jogador nunca tem total controle sobre a exploração, podendo se mover apenas por caminhos pré-estabelecidos.
Miitopia talvez seja o vanguardista do gênero RPG on rails: o mundo do jogo é todo conectado por caminhos, que os personagens percorrem automaticamente. Cabe ao jogador fazer certas escolhas em bifurcações — ir pelo caminho de cima ou de baixo –, interagir em certos eventos e administrar o grupo durante as batalhas.
Como já disse, o único personagem que podemos controlar ativamente nas batalhas é o nosso próprio Mii — que também pode ser colocado para lutar automaticamente. O restante do grupo vai usar golpes, itens e habilidades que os personagens julgarem convenientes. De acordo com as relações entre eles, vão rolar inclusive ataques conjuntos e coisas do tipo. Se quiser, você pode deixar tudo no “piloto automático” e apenas assistir, dando suporte quando necessário.
É divertido acompanhar a sinergia entre a equipe, conforme as relações ficam mais fortes. Os personagens vão apoiar uns aos outros, oferecer suporte e combinar ataques automaticamente. Porém, um herói que esteja bravo com o outro pode até sabotar seus turnos. Há toda uma “química” envolvida, que fica ainda mais interessante pelo fato de que só o que podemos fazer é assistir, uma vez que eles realizam as ações que quiserem.
Ao final de cada trecho do caminho, encontramos uma pousada, onde nossos heróis vão descansar e interagir uns com os outros. É nesses momentos que podemos alimentá-los e lhes dar dinheiro, caso queiram comprar algo. É importante ficar de olho nos relacionamentos e preferências de cada um, para que todos estejam sempre satisfeitos e felizes.
Uma novidade desta “nova” versão de Miitopia é que nossa party agora pode possuir uma montaria: no início do jogo, você pode customizar um simpático cavalo. O animal também cria laços com os personagens, e sua presença nos combates pode desencadear habilidades exclusivas muito poderosas.
Audiovisual
Embora não tenha Mario nem Link na capa, Miitopia carrega todo aquela aura mágica de um exclusivo da Nintendo: o departamento audiovisual é extremamente caprichado, e o jogo roda suave no Nintendo Switch, sem bugs nem nenhum tipo de problema técnico.
Como também é de praxe em jogos da Nintendo, praticamente não temos vozes aqui, mas isso não é algo que chegue a incomodar: a trilha sonora ocupa muito bem o espaço deixado, e mesmo as músicas que vamos ouvir dezenas de vezes não tornam-se enjoativas. Os efeitos sonoros combinam com a proposta do jogo, especialmente no que diz respeito a magias e ataques.
Também como é “padrão Nintendo“, infelizmente Miitopia não recebeu nenhum tipo de localização para o nosso idioma. Sua história não é particularmente complexa, mas como há muitos diálogos — e piadinhas no meio das conversas — ter um bom nível de inglês sem dúvida é recomendado para quem quiser embarcar nesta aventura sem ficar boiando.
Conclusão
Confesso que eu não esperava ficar tão cativado por Miitopia. Achei que o jogo era só uma “desculpa” para usar os Miis, mas me surpreendi com um RPG que é simples em suas mecânicas, mas muito ousado e criativo na maneira como insere o jogador naquele mundo: em muitos momentos, parece que somos mais espectadores passivos do que jogadores ativos, mas isso funciona muito bem, e dá espaço para os próprios Miis brilharem.
A ideia de podermos criar (ou importar) nossos amigos para o jogo é uma sacada simples, mas genial, que aumenta muito nosso apreço pelos personagens. Eu criei minha namorada, minha sobrinha, meus amigos que não tem Nintendo Switch, e por mais bobo que isso pareça, ter pessoas queridas “ao meu lado” tornou a experiência muito mais próxima e calorosa.
Realmente acho que Miitopia poderia ser mais curto, e não me agrada o que ele faz depois do primeiro arco — nos jogar de volta ao level 1, para assumirmos uma nova classe, com uma nova party. Mas, vendo pelo “lado positivo”, é um artifício que faz o jogo durar mais, e sei que muita gente ainda leva em conta a questão “tempo de gameplay x preço” na hora de investir em um jogo novo — especialmente no Nintendo Switch, plataforma em que tudo é mais caro.
Miitopia talvez não entre para o panteão dos “grandes RPGs, mas ele sem dúvida é um pequeno grande jogo, cheio de boas ideias e energias positivas. Considerando a época pesada que estamos vivendo, é bom termos jogos leves para nos afastarem um pouco dos problemas e colocarem um sorriso em nosso rosto.
Miitopia é extremamente cativante, divertido e gostoso de jogar. Entretenimento de primeira para todas as idades, como quase tudo que a Nintendo cria com exclusividade para suas plataformas.
Miitopia está disponível exclusivamente para Nintendo Switch. Há uma demo gratuita disponível para quem quiser experimentar o game, e seu progresso nela pode ser carregado para o jogo completo.
