Análise Arkade: Morph Girl é um filme interativo inspirado em clássicos do terror japonês

5 de setembro de 2017

Análise Arkade: Morph Girl é um filme interativo inspirado em clássicos do terror japonês

Parece que a indústria dos games — especialmente os estúdios independentes — redescobriram a magia do FMV. Nos últimos anos tivemos games bem interessantes como The Bunker e Late Shift neste formato, e há poucas semanas o clássico trash Night Trap foi relançado em edição especial. Agora, chega ao Steam Morph Girl, que é um filme interativo de terror e suspense com estética “de vídeo cassete” e uma história com múltiplos finais.

Uma história de solidão

Morph Girl acompanha a rotina de Elana, jovem que perdeu sua companheira, Rebecca, para um câncer. Sem sua amada, a vida de Elana tornou-se um vórtice de solidão e amargura: ela não sai mais, não se diverte com os amigos, nem nada. Simplesmente vive um dia após o outro, sofrendo em silêncio enquanto vê seu desempenho no trabalho cair e suas lembranças transformarem sua própria casa em um ambiente hostil e assustador.

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Elana curte sua fossa sozinha em casa.

Misturando a depressão de Elana com elementos sobrenaturais, o game aborda temas pesados com sensibilidade, mas nunca ousa, nem tenta se aprofundar em nada. O que temos aqui é basicamente um conto de mistério sobrenatural, que aproveita uma condição humana (a depressão) para ser o estopim de sua trama sem, contudo, aproveitar o potencial do tema para alçar voos mais altos.

Uma pena, pois esta temática pouco explorada sem dúvida poderia render mais. Sei que a comparação é meio descabida, mas o recente Hellblade (leia nossa análise aqui) é uma prova de que os distúrbios da mente humana podem render ótimas histórias em videogames.

Assistindo e clicando

Morph Girl é um daqueles jogos que a gente mais assiste do que joga: nossa interação é mínima, alguns cliques aqui e ali para tomar pequenas decisões, que afetam os acontecimentos do jogo e até mesmo seu final — podemos chegar a um total de seis finais diferentes, de acordo com suas escolhas.

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Estas são as decisões que constroem o relacionamento das personagens.

As principais escolhas são aquelas que ajudam a definir como era o relacionamento das meninas: Elana e Rebecca se davam bem, ou estavam meio cansadas uma da outra? Elana era intolerante com sua parceira, ou deixava Rebecca seguir seu sonho de ser escritora e não trabalhar? O jogador é quem decide essas questões, e isso afeta diretamente o andamento da trama.

Fora isso, temos também algumas escolhas mais pontuais, responsáveis por alguns dos breves momentos de tensão da narrativa. Quando ouve um barulho estranho na cozinha, Elana entra lá para verificar ou prefere ignorar e ir para o trabalho? E quando uma aparição sinistra brota em sua sala de estar, você vai até ela de mãos vazias ou prefere apanhar uma faca antes, só por precaução?

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Uma das escolhas de Elana.

As atuações não são lá essas coisas — bastante apáticas e desprovidas de emoção — mas eu quero acreditar que isso é proposital, uma “tosqueira” planejada para fazer o jogo parecer um filme independente de baixo orçamento. Mas a falta de emoção de Elana, infelizmente, não é o único problema do game.

Um jogo de terror… sem terror

Apesar da estética lembrar um pouco filmes como O Chamado e outros clássicos do cinema de terror japonês, a verdade é que Morph Girl nunca envereda realmente pelo terror, mantendo-se mais focado no mistério e na rotina de Elana. Novamente, sinto que o jogo desperdiçou o potencial de sua premissa, resolvendo situações tensas de formas bem pouco inspiradas.

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Por um lado, isso é compreensível: Morph Girl parece ser um game de orçamento super baixo, e foi todo produzido por 2 pessoas, basicamente (e uma delas é a atriz que interpreta Elana). Por outro, já vimos equipes pequenas entregarem ótimos games, então acho que faltou coragem e brainstorming — e talvez grana, claro — para tornar Morph Girl algo mais profundo e envolvente.

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A assombração é meio que uma Samara de baixo orçamento.

Gosto da ideia do game rodar como um VHS velho, com poucas cores, muitos chuviscos e ruídos na imagem. Porém, isso e a aparição no estilo Samara são os únicos elementos que realmente remetem aos clássicos do cinema japonês. O roteiro em si — que deveria ser a estrela de um jogo feito mais para assistir do que para jogar — é simplório e raso, o que acaba tornando a experiência em si apressada e vazia.

Filmes dentro de filmes

Um detalhe interessante é que em 2 momentos distintos, podemos assistir à TV na casa de Elana. Rebecca era uma grande fã de filmes de terror, de modo que podemos assistir 2 filmes completos da videoteca da moça: Attack of the Giant Leeches, de 1959 e The Brain That Wouldn’t Die, de 1962.

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Cena do filme The Brain That Wouldn’t Die, que pode ser assistido integralmente no game.

Ambos os filmes são obras de domínio público um tanto “toscas”, mas é interessante vermos filmes completos presentes em um game. A “campanha” de Morph Girl mal dura 3 horas, mas se assistir aos 2 filmes completos, você já adiciona mais de 2 horas ao conjunto da obra. Infelizmente os filmes não estão legendados (o game em si tem textos e legendas em inglês), mas se você manja de inglês, prepare sua pipoca para curtir 2 clássicos do cinema trash “de brinde”!

Conclusão

Morph Girl é uma ideia que tinha muito potencial, mas claramente faltou coragem (ou verba) para desenvolvê-la de maneira adequada. O roteiro não se aprofunda nem no lado psicológico da personagem nem no lado sobrenatural das aparições de Rebecca, o que torna o conjunto da obra vazio e desprovido de impacto emocional.

Análise Arkade: Morph Girl é um filme interativo inspirado em clássicos do terror japonês

Sou fã de jogos em FMV e gosto de ver o gênero ganhando força no cenário independente, mas acho que uma boa história é fundamental para fazer este tipo de experiência valer a pena. Infelizmente, não é o que encontrei aqui. Morph Girl não é um jogo péssimo, mas ele desperdiça seu potencial em uma narrativa tímida, que não empolga nem cativa o jogador em nenhum momento.

Morph Girl está disponível na Steam por um precinho bem camarada. O jogo não tem suporte ao português brasileiro.

Rodrigo Pscheidt

Jornalista, baterista, gamer, trilheiro e fotógrafo digital (não necessariamente nesta ordem). Apaixonado por videogames desde os tempos do Atari 2600.

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