Análise Arkade: Mulaka é uma aventura indígena que nos ensina muita coisa
Embora eu goste muito de jogos videogames em geral, tenho um carinho especial por games que me ensinam algo durante o gameplay. E Mulaka é um desses jogos, confira nossa análise!
Uma fábula indígena
Mulaka é uma história sobre índios. Mas não os nossos índios brasileiros: índios mexicanos, mais especificamente o povo Tarahumara. O guerreiro Mulaka é o mais novo Sukurúame, aka o xamã, e seu trabalho é libertar as terras de seu povo da presença maligna de criaturas e espíritos malvados.
Claro que, em termos de gameplay, quase tudo é resolvido na base da porrada, mas há muita cultura Tarahumara incutida em cada detalhe de Mulaka: os inimigos são baseados em mitos e lendas daquele povo, e ao conversar com NPCs, aprenderemos um pouco mais das tradições e costumes dos Tarahumara.
Por ser um xamã, nosso nobre Sukurúame também possui alguns talentos tribais bem úteis: ele pode enxergar com o olho da mente, o que lhe permite identificar inimigos no plano espiritual e pontos de interesse pelo mapa. Em sua missão, ele também irá despertar as divindades da natureza, que irão lhe emprestar seus poderes para que ele possa cumprir sua missão.
Salvando a tribo
Mulaka é, na prática, um jogo de fases: cada fase é uma área aberta relativamente grande, com alguns objetivos que devem ser cumpridos para prosseguirmos. Os ambientes também fazem alusão às terras onde os Tarahumara vivem, e ajudar a lidar com os monstros é parte de nosso trabalho como xamã.
Fazendo isso, conseguimos as pedras mágicas que liberam a passagem para a próxima área. Antes de sair, porém, encaramos um chefe — geralmente grande e apelão — e após derrotá-lo, conseguimos despertar uma divindade da natureza, que nos emprestará um pouco de seus poderes: no decorrer da campanha de Mulaka, nosso herói torna-se capaz de voar como um pássaro, destruir barreiras na forma de um grande urso, e muito mais.
O grosso das missões envolve eliminar inimigos ou ajudar seus companheiros índios. Os demônios adoram sabotar o fornecimento de água ou raptar pessoas, e nosso trabalho é deixar tudo nos eixos. Há breves puzzles aqui e ali — geralmente envolvendo consertar rotas para levar a água até os lugares certos –, bem como inimigos ou plataformas que só podem ser vistos usando a visão espiritual de Mulaka.
Na hora da batalha, Mulaka se comporta como um jogo de ação e pancadaria bem tradicional: temos ataques normais e fortes, bem como um botão de esquiva. Também podemos atirar nossa lança, o que é útil para derrubar inimigos voadores. Conforme enchemos um medidor específico, podemos liberar toda a fúria do guerreiro em um vórtice de energia espiritual devastador.
Um jogo simples e direto
Ainda que a campanha de Mulaka seja composta por várias áreas, nenhuma delas é grande demais, nem muito cheio de objetivos secundários. A exploração irá lhe conceder basicamente mais Kórima, a moeda corrente do jogo, que utilizamos para melhorar os atributos do personagem — em uma árvore de habilidades bastante enxuta.
Você invariavelmente verá barreiras que poderá quebrar antes de poder virar urso, por exemplo, mas se quiser voltar lá depois, simplesmente acesse o mapa e retorne àquela fase. Os mapas não são interligados, Mulaka não é um MetroidVania. Os NPCs em geral irão conversar contigo, mas praticamente nenhum iá lhe pedir para buscar algo ou entregar algo, nada de missões tipo “garoto de recados” por aqui.
No decorrer da campanha também iremos aprender a criar poções a partir de plantas, mas mesmo isso é feito automaticamente: simplesmente colete tantas unidades de cada tipo de planta, e uma poção será criada automaticamente para você usar através dos atalhos do direcional digital. Há poções de cura, outras explosivas e até uma que deixa o guerreiro em um pseudo-berserk.
Chamar Mulaka de “simples e direto” não é nenhum demérito: em tempos onde multiplayer e procedural se fazem presentes em tudo que é jogo, é bom vermos um game de ação e aventura mais tradicional e linear. Mulaka vai direto ao ponto, e justamente por isso, consegue se manter interessante e divertido por toda sua duração. Não há barriga nem encheção de linguiça desnecessária, o que, na minha opinião, é um baita ponto positivo.
Audiovisual
Mulaka possui um visual low poly simpático e colorido que é bem agradável. O que falta em detalhes sobra em estilo, com cenários variados e personagens bacanas. A história se desenvolve através de cenas que são estáticas, mas bem bonitas.
O departamento sonoro dá um show: as músicas tem uma pegada tribal muito forte, e toda a OST foi gravada com instrumentos indígenas, o que concede ainda mais autenticidade ao universo do game. E, ainda que os sons em geral façam bonito, o destaque vai para os sons que ouvimos quando estamos em algum vilarejo Tarahumara: gritos de crianças, conversas, batuques e risadas deixam o jogador imerso na vida daquele povo.
Para honrar a cultura dos Tarahumara, o estúdio Lienzo obviamente conversou diretamente com eles, e produziu uma série de pequenos documentários que apresentam melhor aquele povo e como eles participaram do processo criativo do game.
Sem dúvida vale a pena assistir:
Mulaka infelizmente não está localizado para o nosso idioma. Se por um lado isso não impossibilita o progresso, por outro pode limitar o acesso a toda a parte puramente cultural e informativa do game, que acaba sendo tão relevante quanto o gameplay em si. É possível jogar em inglês ou espanhol, e a falta de legendas em mais idiomas provavelmente é simplesmente para cortar custos, afinal, estamos falando de um jogo indie produzido por um pequeno estúdio mexicano, que claramente esforçou-se para criar algo autêntico.
Um fato curioso é que Mulaka presta divertidas homenagens a diversos clássicos do mundo dos games: os troféus/conquistas do jogo possuem piadinhas e trocadilhos que remetem a jogos como The Legend of Zelda e Mortal Kombat. Tipo assim, ó:
É só um detalhe, mas deixa claro que além de honrar a cultura indígena, a Lienzo honra também a nossa querida cultura gamer!
Conclusão
Mulaka é uma pequena joia de simplicidade e ousadia, claramente produzida com carinho e respeito por um estúdio que valoriza a cultura de seu país. Aliás, parte da verba gerada com as vendas de Mulaka será destinada à preservação da Tarahumara Sierra, região onde os remanescentes dos Tarahumara vivem até hoje,e isso por si só já é um motivo e tanto para você comprar o jogo.
Mulaka me lembrou um pouco Okami por seu estilo e por valorizar elementos folclóricos, mitológicos e cultuais de um povo para contar uma história fantástica. Mas o que temos aqui é uma versão muito mais light, simples e direta ao ponto, que dura 6 ou 7 horas, não 40 ou 50. Um jogo fácil de curtir e terminar, e que mesmo assim nos ensina bastante coisa.
Se você quer fugir dos Battle Royales, MOBAs e MetroidVanias procedurais que dominam o mercado atualmente, e ainda aprender um bocado sobre a cultura de um povo guerreiro e corajoso, pode comprar Mulaka sem medo. Você vai se divertir, e de quebra aprender bastante coisa legal.
Mulaka será lançado amanhã para PS4 e PC. Até o final da semana, o game chega também ao Xbox One e ao Nintendo Switch. Este review foi feito com base em uma cópia de Xbox One X, que recebemos com antecedência da assessoria de imprensa do estúdio Lienzo.
P.S. Se você também gosta de aprender enquanto joga, no deixe de jogar Never Alone e de conferir nosso Top 10 Jogos Para Quem Ama História!