Análise Arkade: Neva, mais uma incrível jornada dos produtores de Gris
Videogame é arte? Eu acredito que sim. E também acredito que alguns jogos são “mais arte” do que outros. Neva, o novo jogo do estúdio que nos entregou o emocionante Gris em 2018, é um desses casos.
Alba & Neva contra a escuridão
Com uma narrativa subjetiva e praticamente sem palavras, Neva nos convida a acompanhar a emocionante jornada de uma garota (Alba) e sua loba de chifres (Neva) por um mundo idílico que está sendo tomado por uma corrupção misteriosa.
Essa corrupção, representada por uma escuridão pegajosa, está contaminando plantas e animais, substituindo cor e a vida por escuridão, morte e melancólicas flores negras. Neste cenário desolador, nossa missão é basicamente seguir em frente e sobreviver.
Neva tem belas cutscenes animadas, mas dado o teor introspectivo da aventura, não espere por explicações claras e mastigadinhas. Embora haja muito simbolismo na jornada de Alba e Neva, sinto que acompanhar o fortalecimento evolução do vínculo entre humana e loba acaba sendo o maior motivador para seguirmos em frente.
Gris era sobre luto e aceitação. Não acho que Neva tenha um tema tão óbvio, mas ele sem dúvida aborda com beleza e sensibilidade muitos temas delicados, como perda, resiliência e superação. É um jogo que, mesmo sem palavras, tem muito a dizer.
Neva: contemplação e crescimento
A campanha de Neva é dividida em estações do ano. Começamos nossa jornada no Verão, com Neva ainda como um filhote curioso e brincalhão. Conforme as estações passam, a loba vai crescendo, e o tom da jornada acompanha seu amadurecimento.
Em uma primeira olhada, Neva parece um walking simulator. De início, não há muito o que fazer além de correr por belas paisagens oníricas, apreciando os cenários enquanto interagimos com Neva e superamos desafios simples de plataforma.
Logo, porém, o jogo vai ganhando camadas extras de complexidade. Há muitos puzzles engenhosos que vamos precisar superar para prosseguir, todos bem incorporados à arquitetura dos ambientes e ao mundo do jogo como um todo.
Nada está aqui para deixar o jogador empacado, mas sim para fazê-lo raciocinar e tirar proveito da sinergia entre Alba e Neva. Por exemplo, na segunda metade do jogo, há enigmas envolvendo espelhos que testam a atenção e a percepção espacial do jogador.
Com o avanço da campanha, Neva cresce e ganha novas habilidades. Não demora para termos acesso a novas habilidades da loba, que se mostram úteis na exploração e na resolução de puzzles.
Por exemplo: o pelo alvo de Neva serve de luz na escuridão, ela pode dar cabeçadas para abrir caminho e até mesmo servir de montaria!
Combate simples, mas estratégico
Um elemento que torna Neva bastante diferente de Gris é a presença de combate. Alba carrega uma espada e é muito habilidosa com a lâmina. E, conforme cresce, Neva passa a participar cada vez mais ativamente das batalhas.
Os inimigos se manifestam como grotescas criaturas mascaradas feitas de “gosma”. Há uma variedade considerável de monstros, incluindo animais que acabaram sendo dominados pela corrupção.
As mecânicas de combate são simples, mas muito funcionais. Temos combos simples e golpes aéreos com a espada, um rolamento/esquiva e comandos para dar à nossa companheira lupina, que é capaz de atacar e imobilizar inimigos.
O combate traz um contraponto interessante à exploração, e ajuda a dar um tom mais perigoso e emergencial à jornada. Neste ponto, Neva até lembra um pouco os excelentes jogos da Playdead, onde sempre há algo nos impelindo a seguir em frente.
Para completar, há ótimas batalhas contra chefes e momentos de perseguição e escalada que, quando somados aos puzzles e à exploração, tornam a campanha de Neva bastante intensa e variada.
O audiovisual primoroso de Neva
Lembra que eu comecei este artigo dizendo que alguns games são “mais arte” do que outros? Neva é um jogo que extrapola essa barreira. Seu visual é belíssimo, e cada frame do jogo merecia ser emoldurado e colocado em uma galeria de arte.
Como a passagem do tempo é marcada pelas estações, toda a paleta de cores e o visual dos cenários se transforma ao longo da campanha. E há a pura e simples utilização de cores para fins dramáticos, como um céu vermelho e agourento. Seja em ruínas, cavernas ou bosques, no inverno ou no verão, Neva é sempre um deleite para os olhos.
O departamento sonoro não fica atrás: a trilha sonora é etérea e sutil em momentos de calmaria, favorecendo a vibe contemplativa do game, mas ganha corpo para enaltecer confrontos e perseguições.
Temos um botão dedicado a interagir com Neva, e o tom dos chamados muda conforme a situação, um detalhe simples, mas que diz muito sobre o estado de espírito e a preocupação da protagonista para com a loba. Jogando no Playstation 5, é muito legal como a voz da personagem sai do alto-falante do DualSense e ecoa na TV.
Neva está totalmente localizado para o português brasileiro, mas como não há diálogos, isso acaba sendo útil basicamente nos menus e opções.
Conclusão
Neva é mais um grande acerto na parceria entre o Nomada Studio e a Devolver Digital. Com uma direção de arte impecável e uma história que caminha pela linha tênue entre delicadeza e brutalidade, o jogo é daqueles que conseguem fazer muito marmanjo chorar.
O fato de ser mais variado mecanicamente, com direito a combates e boss battles, mostra que o Nomada Studio tem talento de sobra para diversificar seu portfólio. E eu espero que eles continuem fazendo isso ao mesmo tempo que nos impressionam e nos emocionam.
Neva não é muito longo (dura entre 5 e 6 horas), mas entrega uma jornada intensa, dramática e cheia de significado. Não sei você, mas eu prefiro jogos assim do que aqueles que duram 180 horas na base do tédio e da repetição.
Neva está sendo lançado hoje (15/10), com versões para PC, Playstation 5 (versão analisada), Xbox Series e Nintendo Switch.