Análise Arkade – O inconstante e divertido The Last Oricru

4 de novembro de 2022
Análise Arkade - O inconstante e divertido The Last Oricru

Parece não haver mesmo volta: o gênero que se convencionou chamar de souls-like tomou de assalto mentes e corações de uma parcela muito significativa de jogadores por uma série de fatores que se eram específicos dos jogos desenvolvidos pela From Software em algum momento, já não o são mais e outras tantas desenvolvedoras entenderam o que pode ser feito para agradar esse nicho. The Last Oricru, da GoldKnights Studio, chega com uma proposta um tanto quanto ousada, mas não esconde suas inspirações e aspirações.

Um clássico de escudo e espada

Objetivamente, The Last Oricru tem quase tudo o que um RPG de ação moderno deveria ter em termos narrativos, mas acaba flutuando bastante entre um didatismo que beira o enfadonho em certos momentos e uma extrema falta de informação em outros. Em resumo, assumimos o papel de um personagem batizado de Silver que acaba de despertar de um período em incubação e, sem muito aviso, é enviado pelo soberano do castelo onde está hospedado para um treinamento de combate, para aí, só então na interação com outros personagens, entender alguma coisa do que está acontecendo.

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Em suas investigações, ele descobre ser parte de um grupo de humanos imortais – a justificativa diegética para cair (muito) em combate e reviver para tentar de novo – e que está em um planeta desconhecido, povoado por uma raça dominante e outras espécies sencientes que ou foram subjugadas, ou então foram relegadas a viver longe daquilo que se entende por civilização. Os Ratkins, por exemplo, que basicamente lembram ratos antropomorfizados (mais adiante descobrimos o porquê) são escravos e estão por todos os lados desde o início.

Contudo, mais do que uma fantasia medieval, o jogo logo entrega que não é tão simples assim e um holograma, de tempos em tempos, surge como uma visão para o nosso protagonista, tentando fazê-lo lembrar de sua missão, que até este ponto ainda não está clara nem pra ele, nem pra nós. Em meio a uma guerra civil, cabe ao jogador buscar respostas em estranhos dispositivos tecnologicamente avançados que estão por todo o mundo, entender seu papel ali e, como se isso já não bastasse, decidir de que lado quer ficar tomando decisões difíceis e sendo o fiel da balança para o desfecho disso tudo.

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Como um todo, a trama de The Last Oricru (só vamos descobrir o que significa a palavra, aliás, literalmente na última fala do jogo) não chega a ser um exemplo de originalidade, mas há de se destacar um belo trabalho de buscar uma zona cinza que evita o maniqueísmo raso, daqueles que nos oferecem opções onde claramente uma é boa e a outra é maligna. Ainda que estejamos naturalmente diante de um sistema com opressores e oprimidos – o que já nos coloca em uma posição privilegiada para fazer escolhas – nada é muito claro e cristalino.

Primeiro porque a história pregressa nos é fornecida a conta-gotas, então não sabemos muito bem o que se passou para se chegar ao ponto onde estamos. Seriam os escravos atuais os opressores de outrora? Seriam uma praga controlada que, se livre, ofereceria um perigo para o equilíbrio ambiental? Ou seria este um paralelo com uma infinidade de histórias do nosso mundo? De forma muito interessante, sem termos todas os dados, acabamos por ter que usar nosso feeling para assumirmos um lado nessa história toda, e ao mesmo tempo projetamos o que faremos em uma segunda run, o que, naturalmente, valoriza o game com um fator replay latente e intrínseco da experiência.

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Dito isso, é inevitável que a verborragia inicial, que acaba deixando as primeiras duas horas lentas e atravancadas, possa nos afastar um pouco de um sentimento de imersão, enquanto da metade para frente sentimos falta de um sistema de diálogos mais robusto, que nos permita, por exemplo, encontrar personagens importantes antes de iniciar incursões em regiões distantes que nos ajudem a compreender melhor o que se passa. Mesmo que a referência mais óbvia sejam os jogos da linha Souls, o modelo se aproxima do saudoso Dragon Age, exceto pela falta de linhas de conversa e pelo sentimento de estarmos um tanto quanto perdidos.

Sem um mapa de navegação, falta direcionamento para que possamos fazer aquilo que grande parte dos fãs de um RPG fazem, que é dar voltas gigantescas pelo mundo antes de seguir para o próximo objetivo principal. Senti falta, por exemplo, de um guia para poder buscar opções do meu posicionamento na guerra declarada, sobretudo algo que me indicasse onde encontrar pessoas perdidas. Para os jogadores mais objetivos, porém, a boa notícia é que esse sistema favorece uma linearidade e mesmo em meio a ambientes labirínticos e caminhos tortuosos, eu jamais me senti perdido ou sem saber para onde ir.

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O resultado disso foi que em vários momentos me senti sendo levado pelo jogo para um lado que eu sequer sabia se queria trilhar, e deixei pessoas para trás que eu não saberia como buscá-las. Em certa altura da campanha – com cuidado para evitar spoilers – eu tinha a opção de deixar que um certo líder de uma das facções continuasse com seus planos ou de encontrar um desafiante para ele que fosse contrário às suas aspirações. Sem saber muito bem onde procurar o sujeito, simplesmente atravessei um desfiladeiro e cheguei até um checkpoint automático, o que significou que a minha decisão estava tomada. Como não há a possibilidade de se criar vários arquivos de save, não tinha mais retorno.

No fim, a pessoa que deixei de ajudar era das minhas personagens favoritas e eu me tornei inimigo dela; a guerra tomou rumos por conta da liderança que deixei no poder sem-querer-querendo e no final, eu salvei quem eu menos gostaria de ter salvo. Tudo porque não devo ter entrado pela porta certa em algum lugar. A vantagem disso? Na minha segunda campanha, eu ao menos, sabia para onde não ir se quisesse um resultado diferente. A má notícia é que não há um NG+, então começar de novo é um pouco frustrante por iniciar tudo do zero; e a boa notícia é que a campanha é relativamente curta para o gênero, durando menos de 10 horas em uma primeira jornada e menos ainda nas seguintes.

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No meio de tudo isso, confesso que me incomodei também com o herói da história, que é um grande idiota quase o tempo todo. Se não há opções de diálogo suficientes para que determinemos nossa personalidade, as conversas são, em várias passagens, bobas e vergonhosas. Não ajuda o fato de nenhum dos outros NPCs ser especialmente carismático para que possamos nos ancorar em alguma coisa, mas ao menos cada um tem sua característica que atende à narrativa de forma satisfatória. Silver, porém, é de longe o mais antipático e desagradável de todos, e somos obrigados a lidar com sua babaquice.

Defende, esquiva, ataque

Quando assumimos o controle das ações, o jogo se resume a um sistema de exploração e combate bastante confortável para qualquer um de nós que já tenha experimentado qualquer jogo de ação mais recente, e nem precisa ser um fã declarado de um bom souls-like para saber lidar com aquela dinâmica de trava de alvo, defesa com o botão de ombro esquerdo, ataque rápido com o direito, tendo ainda habilidades secundárias de defesa no gatilho esquerdo e o ataque pesado no direito, algo que pode variar dependendo das características do equipamento escolhido.

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Há ainda um botão de salto que ajuda em poucas, mas importantes passagens onde há um abismo ou uma plataforma a ser superada; além do necessário e praticamente obrigatório comando de esquiva. Completam o combo um botão específico para uso de poção de recuperação de vida e o uso dos direcionais digitais para alternância entre armas. Na soma de tudo isso, esse aspecto de mapeamento de comandos similar a tantos outros que vieram antes é de rápida adaptação, o que favorece muito que nos sintamos preparados desde os primeiros movimentos do game.

Basta encontrar a primeira dupla de inimigos, porém, para que nos coloquemos em nosso devido lugar. Se a inspiração é óbvia, a dificuldade faz parte do pacote. Qualquer afobação, qualquer movimento indevido pode resultar na morte imediata sem apelo e o consequente retorno ao checkpoint, que dependendo de onde estamos, pode estar bem distante, ainda que o game não seja punitivo ou cruel como outros tantos. A essência acumulada até ali deve ser coletada de novo no ponto onde morremos e os inimigos vencidos retornam, mas fora isso todo o loot conquistado é mantido ao se reviver. Morrer é parte da experiência. Perder tudo por causa disso, felizmente, não.

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Falando no loot, há uma infinidade de armas, escudos e outros poucos equipamentos especiais a serem coletados. Não há um sistema remoto de armazenamento, como baús ou coisas do tipo, então tudo o que coletamos segue conosco, e não há limite da quantidade de coisas ou de peso que podemos carregar. Porém, há limitações no peso total do que está equipado, que depende de nossos atributos e de como escolhemos evolui-los. Portanto, não basta equipar as melhores armas ou armaduras, a soma do peso de tudo deve estar dentro do que você aguenta carregar.

Esses atributos podem ser melhorados conforme se coleta essência vencendo inimigos e cumprindo as tarefas e missões do jogo. Você pode, por exemplo, focar no aumento de sua barra de vida para ser mais resistente, ou em força para poder usar equipamentos mais parrudos como machados e lanças longas, ou pode ainda dedicar sua pontuação à inteligência e agilidade, e essa liberdade é uma forma bem inteligente de direcionar nosso personagem para um perfil sem a necessidade de determinar classe ou algo mais definitivo. O ônus disso é que é bem provável que você colete equipamentos nos primeiros minutos do jogo e mesmo assim ficar a campanha inteira sem poder equipá-los por conta de exigências altas.

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Divididos em categorias comuns separadas por cores (onde o cinza é ruim e o roxo é o mais alto nível, chamado de superior), cada equipamento tem atributos específicos distribuídos em várias categorias, então mesmo um escudo com o mesmo poder de defesa de outro pode ser completamente diferente porque é melhor para projéteis enquanto o outro funciona melhor com ataques físicos. Além disso, há possibilidade de alguns deles terem complementos elementais, como fogo e eletricidade, que se não são profundos o suficiente para serem melhores para um tipo de inimigo do que para outro, ao menos são efeitos de dano importantes, além de visualmente serem bem legais.

De longe é lindo, mas de perto…

Tecnicamente o jogo parece incompleto e há uma série de probleminhas gráficos evidentes, como a chama de tochas, por exemplo, que são só alguns borrões pixelados, como se ainda não tivesse sido inserido na versão final do jogo. Também há problemas no carregamento tardio de texturas, elementos pop-up e outros pequenos bugs de colisão que não chegam a atrapalhar, mas que evidenciam a necessidade de um certo esmero para acertar as arestas. Problemáticos mesmo são os engasgos em meio a ações importantes que acabam atrapalhando a fluidez dos combates e até podem causar danos mais sérios. Em certo ponto, é necessário invadir linhas inimigas e destruir coisas e, no momento em que elas se quebram, a tela enrosca e todo o movimento trava por uma fração de segundo. É bem irritante tomar uma porrada nesse meio tempo.

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Além desse refinamento necessário, o maior nêmesis desse tipo de jogo em terceira pessoa é o posicionamento de câmera, sobretudo em ambientes internos ou com algum tipo de objeto no meio do caminho. Em vários corredores fechados, por exemplo, corrigir esse posicionamento é terrível, e se travamos o alvo em um inimigo, algo que deveria ajudar, a coisa pode ficar ainda mais maluca e imprevisível. Curiosamente até o enquadramento em cenas de corte, durante diálogos expositivos, é bem estranho e parece ter sido dirigido por uma inteligência artificial descuidada.

Sem considerar esse acabamento, The Last Oricru é surpreendente em termos de escala e traz alguns dos melhores cenários e ambientes de uma produção deste escopo, com texturas bem acabadas, uma cenografia coerente com a proposta e um trabalho de ambiência muito competente sobretudo por termos, no mesmo jogo, cenários futuristas e cavernas medievais compondo um mundo com ambientes montanhosos, castelos imponentes, vilas povoadas e outros lugares que foram muito bem representados, com algumas paisagens particularmente belíssimas.

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Se a modelagem de personagens não chega ao nível absurdo de jogos de orçamento pleno AAA, ela cumpre o papel, ainda que expressões faciais de humanos e humanóides nos lembrem de jogos do gênero na geração PS3/XBox360. A direção de arte, por outro lado, valoriza designs ousados, figurinos econômicos mas marcantes, e um belo trabalho de iluminação. Não fosse o problema da geração de partículas que parece incompleto, eu facilmente colocaria o visual do jogo dentre suas melhores qualidades.

Já em termos sonoros, a ambientação parece um pouco aquém do potencial da produção, e mesmo com canções típicas de fantasias medievais, falta aquele tema para levantar o ânimo em combates mais importantes, ou mesmo para celebrar os momentos-chave da narrativa que nos tragam aquela sensação da magnitude dos feitos de nosso herói. Sabe quando se cumpre uma tarefa épica e se tem o tempo de tela com uma canção emocionante, quando o jogo nos dá tempo de entender o tamanho de cada feito? Não tem. E a dublagem, para ajudar, passa do nível canastrão (o que piora ainda mais a percepção que temos do nosso avatar) e chega a fazer rir quando tenta ser séria. Só não faz rir quando tenta fazer uma piadoca de verdade.

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Conclusão

The Last Oricru é um daqueles curiosos casos onde se analisarmos friamente as partes, encontraremos uma série de pontos negativos para cada qualidade. A história é comum, inconstante e desequilibrada, enquanto o combate aposta no tradicional, mas fica muito distante das camadas de profundidade e de precisão de outros jogos similares. Esteticamente, o game até consegue se destacar positivamente, mas é também o aspecto onde há mais defeitos a se corrigir, sobretudo em termos de desempenho.

Ainda assim, é um jogo desafiador, estranhamente envolvente e muito divertido. Não sou dos maiores fãs do gênero e já tive conversas bem longas com o nosso colega Renan do Prado sobre isso aqui nos bastidores, mas esse aqui me pegou de um jeito que me arrancou algumas boas madrugadas, mesmo as vezes me provocando a jogar o controle na parede quando algo não saia bem como eu tinha planejado.

Mesmo desajeitado e atrapalhado, eu realmente gostei do tempo que passei com ele e até lamentei a duração aquém do que eu esperava, e realmente recomendo que entusiastas de jogos do tipo lhe deem uma chance, inclusive aqueles que gostam de uma experiência multiplayer com tela dividida tão rara nos dias atuais, principalmente em jogos assim.

The Last Oricru foi lançado para Xbox Series X|S, Xbox One, PlayStation 4, PlayStation 5 e PC no dia 13 de outubro de 2022, e felizmente conta com menus e legendas em português brasileiro.

Paulo Roberto Montanaro

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