Análise Arkade: Observation é o tipo de jogo melhor de assistir do que de jogar
Observation, o novo jogo da Devolver Digital, nos coloca no papel de uma inteligência artificial corrompida que pretende selar o destino de uma pobre astronauta perdida nos confins do espaço. Confira agora nossa análise do game!
Uma IA corrompida
Quando se trata de ficção científica, uma coisa é quase lei: em determinado momento, robôs e inteligências artificiais irão se rebelar contra os humanos, e nós estamos ferrados. Este é um tema recorrente no cinema e na literatura, e mesmo o mundo dos games já abordou esta temática de várias maneiras.
Em geral, acompanhamos tais histórias do ponto de vista dos humanos — que lutam pela sobrevivência –, mas games como Detroit: Become Human nos permitiram ver a coisa do ponto de vista dos androides que, naquele caso, eram bem mais humanos do que pareciam.
Observation chega para jogar uma nova luz sobre o tema: algo deu muito errado na estação espacial Observation, que está (literalmente) anos-luz de onde deveria estar. O paradeiro da tripulação é desconhecido, e apenas a Dra. Emma Fisher parece consciente, ainda que desorientada e confusa.
Sua única companhia é SAM (sigla de System Administration Maintenance), a inteligência artificial que mantém tudo funcionando por ali. E é justamente SAM quem a gente controla no game, não a astronauta humana.
Até aí tudo bem. O problema é que SAM está corrompido, e mensagens enigmáticas irão bugar seu sistema, demandando que ele “entregue” a pobre Dra. Fisher (para quem?) e faça coisas que vão contra sua programação de manter os astronautas a salvo. Quem está por trás da corrupção de SAM e quais os desdobramentos da situação do pobre computador — e o destino da Dra. Fisher — são coisas que você vai ter que descobrir jogando!
Reparou como esse plot é interessante? A trama de Observation é muito legal, e não tem como não ficar curioso diante das possibilidades que a história entrega. Tal qual um bom livro (ou uma boa série), somos instigados a prosseguir simplesmente porque a narrativa nos faz querer ver o que vai acontecer.
Aí chega o gameplay e… bem… a coisa desanda um pouco.
O gameplay
Como expliquei ali em cima, em Observation controlamos a inteligência artificial que mantém as coisas funcionando na estação espacial. Isso quer dizer que não controlamos um robô ou androide, mas uma IA que está integrada a praticamente todos os sistemas da nave, uma entidade incorpórea que tecnicamente está em todos os lugares. Assim, usamos basicamente as câmeras de segurança da nave para “irmos” de um lado a outro.
Pense nas missões de infiltração de Watch_Dogs, onde podemos hackear câmeras e ir “saltando” de uma para outra até chegarmos onde queremos. É mais ou menos isso. Posteriormente no game, liberamos acesso a um drone que pode se mover livremente, sendo capaz inclusive de visitar a parte exterior da estação espacial para realizar suas rotinas de conserto.
Conserto? Pois é: a função de SAM é manter as coisas funcionando, de modo que boa parte das mecânicas do game envolvem minigames para consertar coisas, abrir escotilhas, apagar incêndios, acessar sistemas, monitorar informações, corrigir erros de programação que por ventura estejam atrapalhando o bom funcionamento das coisas, e por aí vai.
Se escrito assim isso já parece chato, espere até experimentar na prática: quase tudo envolve algum tipo de diagrama ou jogo da memória, em uma sucessão de QTEs que definitivamente não são divertidos. Entendo o propósito disso dentro do contexto — o “trabalho” de SAM não tem que ser divertido, afinal, ele é uma máquina –, mas isso acaba tornando o game em si bem chato, sistemático e maçante.
Dê uma boa olhada nas telas abaixo:
Nenhuma delas parece minimamente interessante, não é mesmo? Pois acredite: elas estão atreladas a minigames e atividades que conseguem ser ainda mais chatas do que as screenshots em si. Em termos de gameplay, Observation nos entrega um punhado de interfaces, e nosso trabalho é interagir com elas de maneiras nada interessantes.
Não é a primeira vez que vemos um jogo pautado por interfaces — títulos como Her Story e Untold Stories (que é dos mesmos produtores) também se apoiam em interações com softwares e rotinas organizacionais — mas aqui eu realmente esperava um pouco… mais. Não sei exatamente como isso poderia ser feito, mas do jeito que está, Observation é simplesmente chato.
Enjoo espacial
Outro problema de Observation está no orbe controlável: assumimos o controle dele em ambientes sem gravidade, e o desconforto que controlar o drone flutuante causa é bastante intenso. Eu sofro de cinetose desde os tempos de Wolfenstein 3D e Duke Nukem, mas fazia tempo que um jogo não me deixava à beira do vômito como esse aqui deixou, e pelo que andei vendo por aí, mesmo gente nunca sofreu de cinetose corre o risco de passar mal com o jogo.
E sabe o que é pior? Observation ainda faz um péssimo trabalho em nos sinalizar onde estão nossos objetivos. Quando deixamos o interior da “nave” controlando o drone, devemos achar coisas minúsculas — como paineis eletrônicos e avarias no casco — em um ambiente gigantesco.
Você já tentou encontrar algo do tamanho de uma maleta presa no casco de um transatlântico, sem uma real noção de onde ela deve estar? Pois é mais ou menos isso o que a gente faz aqui: uma atividade que já seria pentelha normalmente consegue se tornar ainda pior, pois devemos ficar caçando o objetivo em uma área ENORME (e visualmente uniforme) — enquanto corremos o risco de passar mal e botar o almoço pra fora.
É triste que um jogo tão promissor acabe sendo vítima de suas mecânicas que a) são chatas e b) podem embrulhar o estômago do jogador. Eu sou um grande defensor dos videogames como mídia para contar boas histórias, mas nesse caso acho que preferia simplesmente assistir à história de Observation — de preferência em uma versão resumida, que focasse no que interessa e eliminasse todo o marasmo de arrumar e monitorar as rotinas da base.
Audiovisual
Observation nem parece um jogo lançado pela Devolver Digital. A empresa — que meio que especializou-se em lançar jogos pixelados, coloridos e violentos — traz com este novo título algo que beira o fotorrealismo. Jogos como Adr1ft já nos mostraram algo parecido, mas isso de forma nenhuma tira o brilho de Observation, que embora force a barra com muitos ruídos e interferências de imagem, nos apresenta um ambiente tão belo e realista quanto solitário e melancólico.
Justamente por conta dessa vibe factível, o jogo praticamente não tem música, mas as vozes e efeitos sonoros são excelentes, deixando o jogador realmente imerso nos dramas apresentados. Quando comecei minha jornada por Observation, o jogo estava todo em inglês, mas de lá para á um patch foi lançado, acrescentando bem-vindas legendas em português brasileiro ao game.
Conclusão
Achei que nunca diria isso, mas Observation me fez questionar até que ponto um jogo precisa ser mecanicamente divertido para contar uma boa história. Walking Simulators e adventures modernos têm gameplays simples, mas no geral eles ainda trazem mecânicas satisfatórias, que agregam valor à experiência, mesmo que mínimo.
Não é o caso de Observation: sua história é muito instigante, mas a parte “jogável” dele é maçante ao extremo — e ainda pode deixar o jogador enjoado e indisposto. Eu fui até o fim pela história, mas realmente preferia ter simplesmente assistido a uma versão resumida dela. Narrativamente o jogo é incrível, mas mecanicamente é um suplício.
É um sentimento conflitante e me sinto mal de dizê-lo, mas é a verdade: em tempos onde muita gente “zera” jogos pelo Youtube, Observation me parece um grande exemplo de jogo que provavelmente funciona melhor sendo assistido do que jogado. E mesmo assim, deixe o dedo perto do fast forward para apressar as partes chatas que, infelizmente, não são poucas.
Observation foi lançado em 21 de maio, e está disponível para PC e Playstation 4 (versão analisada, rodando no PS4 Pro).