Análise Arkade – Outcast: A New Beginning, a sequência tardia de um clássico cult
Lembra de Outcast? Apesar de ter envelhecido meio mal, o jogo chamou a atenção em seu lançamento — lá em 1999 — por ter sido um dos primeiros jogos de mundo aberto já feitos. E, demorou “só” 25 anos para ele receber uma sequência, e é sobre esta sequência, Outcast: A New Beginning, que nós vamos falar hoje!
Antes de começarmos, um adendo: por motivos óbvios, não analisamos o Outcast original, de 1999. Porém, em 2017, o jogo recebeu um remake bastante fiel ao material original, intitulado Outcast: Second Contact. Este, nós analisamos, e você pode conferir o texto clicando aqui.
Aliás, se tem algo interessante ligando estes três jogos — o original, de 1999, o remake de 2017 e esta sequência de 2024 — é o fato de que boa parte do time de produção é o mesmo. Não é sempre que esse tipo de coisa acontece na indústria dos games, e ainda que isso ajude a manter uma coesão, mesmo tantos anos depois, também deixa claro que a equipe se manteve presa à uma mesma fórmula, e acabou ignorando a evolução pela qual os videogames passaram nas últimas décadas.
Novamente, o herói de Adelpha
Embora sua história tenha uma vibe de reboot, Outcast: A New Beginning é uma sequência direta do jogo original. O protagonista, mais uma vez, é Cutter Slade, ex-fuzileiro que, após os eventos do game anterior, retorna ao mundo de Adelpha 20 anos depois, sem saber exatamente como foi parar ali (de novo).
Após ser salvo por uma habitante do povo local — os Talans –, Slade é, novamente, reconhecido como o Ulukai, uma espécie de salvador que, segundo profecias antigas, vai liberar Adelpha da invasão dos humanos (sempre eles) e suas máquinas de guerra.
A tecnologia vai nos ajudar nessa missão: desde o comecinho do jogo, vamos coletar aparatos que facilitam nossa vida — como uma arma de plasma que pode ser modificada, um escudo de energia, uma mochila propulsora e uma espécie de wing suit tecnológica que nos permite planar. Munidos desse arsenal, vamos viajar pelos quatro cantos de Adelpha, socorrendo aldeões e ajudando a própria sociedade dos Talans a se reerguer.
É meio que a mesma história do jogo original, mas, por se passar 20 anos depois, não ignora os acontecimentos passados. E, embora Slade não se lembre de tudo o que ocorreu antes, conforme a história avança ele vai recobrando sua memória, e as peças que vão se encaixando prestam homenagem ao jogo original e ao seu legado.
Na prática, para quem está minimamente familiarizado com a famosa “jornada do herói”, tudo é bem previsível. Em muitos aspectos, Outcast se parece com Avatar — embora, como o jogo original é dos anos 90, a verdade é que Avatar é que se parece com Outcast, e não o contrário.
Liberdade e ambição
Outcast foi um jogo deveras ambicioso na época em que foi lançado. Simplesmente não existia nada com aquele escopo na época. Atualmente, porém, jogos de mundo aberto não são nada raros. E é justamente isso que acaba suprimindo de Outcast: A New Beginning o que outrora era seu grande diferencial: a liberdade de exploração.
Em uma época onde jogos como Zelda: Tears of the Kingdom oferece total liberdade ao jogador de ir para onde quiser, como quiser, o que Outcast: A New Beginning oferece já parece limitado, simplesmente por sua estrutura de missões similares. O jogo se esforça para oferecer liberdade ao jogador, mas acaba refém de um loop de gameplay bastante repetitivo.
Explicando: depois que entendemos nossa função como Ulukai naquele mundo, recebemos basicamente duas missões principais, que estão diretamente ligadas ao futuro de Adelpha: unir os Talans e fortalecer a “Lança”, que é uma espécie de barreira protetora. Cada uma dessas missões se ramifica em dezenas de objetivos menores bastante genéricos. A liberdade entra no fato de que você escolhe para onde vai, o que quer fazer primeiro.
O lado positivo disso é que podemos ver o impacto de nossas ações pelos diferentes vilarejos, o que deixa claro como este é um jogo ambicioso, e como seu mundo é interconectado.
Por exemplo: depois que liberamos o uso dos ventílopes — montarias aladas — vamos ver aldeões utilizando os bichos em seus afazeres, algo que não acontecia antes de nossa intromissão. Conforme ajudamos as vilas e conseguimos coletar os Doramón — uma relíquia que simboliza a união entre os vilarejos — vemos que os povos passam a trocar conhecimentos e tecnologias uns com os outros, se ajudando de forma bastante orgânica.
Isso faz de Adelpha um mundo rico, repleto de sinergias e elos de ligação que muitas vezes nem podemos ver, mas estão lá. Ajudar um vilarejo repercute em outros, e na forma como o povo Talan nos vê. Nossas ações têm peso, alteram a realidade do lugar e do povo.
Uma faca de dois gumes
Essa ambição talvez seja, ao mesmo tempo, o ponto mais forte e também o mais fraco de Outcast: A New Beginning. Por um lado, ele tem uma forma muito interessante de integrar o jogador a seu mundo, e sem dúvida oferece muita liberdade de exploração.
Porém, mecanicamente, o título não consegue acompanhar toda essa ambição. O gameplay se mostra desengonçado e simplório e o combate, que é parte importante da experiência, não é gostoso, nem criativo, o que torna as batalhas formulaicas e sem graça.
Além disso, há muitos conteúdos repetitivos, e a falta de recompensas decentes torna as missões secundárias bem desinteressantes. De fato, o ciclo de gameplay a que somos introduzidos no início da jornada se mantém o mesmo ao longo das quase 20 horas de campanha, e envolve as mesmas missões genéricas de invasão de bases e coleta de recursos.
Mesmo a narrativa, que poderia render uma “jornada do herói” engajante, se mostra insossa e sem criatividade, abusando de clichês e resoluções óbvias. O próprio Slade, nosso protagonista, é um personagem um tanto irritante com suas piadinhas e comentários ácidos que tentam fazer ele parecer descolado, mas no geral denotam total desrespeito com a cultura Talan.
Audiovisual
Em 1999, o primeiro Outcast surpreendeu a todos com um mundo alienígena exuberante. Em 2024, isso já não é mais o suficiente. Ainda que a direção de arte seja criativa e o mundo tenha lindas paisagens surrealistas, cheios de animais e plantas exóticos, tudo isso causa bem menos impacto em um mundo pós-Avatar — ou mesmo pós jogos como Journey to the Savage Planet, Returnal e Planet Alpha.
É um jogo bonito, em uma primeira olhada, mas a falta de polimento logo fica evidente, especialmente na performance, que deixa a desejar mesmo este sendo um exclusivo da geração atual. Além de quedas de framerate, tudo é, como já dito, um tanto desengonçado e parece meio “geração passada”, especialmente os modelos de personagens, extremamente robóticos e pouco convincentes durante os diálogos.
A falta de expressividade dos personagens, somada a um trabalho de dublagem bastante irregular, faz de Outcast: A New Beginning uma comédia involuntária em diversos momentos. Os personagens simplesmente não reagem com naturalidade às boas (e más) notícias. Tudo é muito “videogame”, sem emoção. E aí também entra o já mencionado humor ácido do protagonista, capaz de banalizar grandes acontecimentos da trama com suas piadinhas.
Uma coisa interessante — que já existia no remake Outcast: Second Contact — é o glossário de termos alienígenas. Quando conversamos com um Talan, ele vai usar diversos termos que só fazem sentido para eles. Felizmente, esses termos ficam destacados na legenda, e ao pressionar de um botão, um dicionário dinâmico (canto inferior direito da imagem) nos apresenta o significado dos verbetes alienígenas.
Conclusão
Pode parecer irônico, mas 25 anos depois do lançamento do Outcast original, esta sequência ainda carrega muito de sua fórmula — para o bem e o mal. É interessante em um primeira olhada e traz boas ideias, mas deixa tudo isso se perder em um produto genérico, que carecia de mais criatividade e polimento.
O título original ainda tinha a seu favor o fator novidade: não existia quase nada parecido com ele no final dos anos 90. Atualmente, o que mais tem por aí é RPG de ação em um mundo aberto. E, não por acaso, o termo “genérico” também pode ser aplicado a muitos deles.
Outcast: A New Beginning é anacrônico: quer se modernizar, mas se mantém preso a convenções do passado. Isso não seria necessariamente um problema, mas quando o produto que deu início a tudo isso nem era tão bom assim para começar, o que sobra é um jogo formulaico e pouco envolvente, cuja produção parece ignorar décadas de evolução para ser respeitoso (talvez até demais) ao material original.
Outcast: A New Beginning esá disponível para PC, Playstation 5 (versão analisada) e Xbox Series. O jogo possui menus e legendas em português brasileiro.