Análise Arkade: PES 2019 continua em evolução e tem a diversão como regra principal
Ano após ano, nessa época entre agosto e setembro, são lançadas no mercado as novas edições dos principais jogos de futebol do mundo digital: PES e FIFA. E a cada nova versão, a pergunta se repete nas redes sociais, nas comunidades virtuais e nas análises mais aprofundadas: é necessário? Essa questão é tão previsível quanto o próprio lançamento anual, mas nem sempre a resposta é óbvia. PES 2019 chega para colocar mais lenha nessa discussão.
Agora sem a licença oficial da Liga dos Campeões da Europa (ou a Champions League para os mais íntimos) que foi parar nas mãos da concorrência, o novo game da Konami traz um arsenal de ligas menos óbvias, sobretudo dos países do segundo escalão europeu, e a proposta, para nós brasileiros, de ter uma experiência do futebol canarinho mais completa.
Fato é que a falta de acordo com muitos dos times mais tradicionais do mundo pesa em termos estratégicos. Será que acaba atrapalhando a experiência do jogo?
Modos, licenças e o que fazer
PES 2019 não é, em absoluto, uma novidade dentro da franquia e no contexto dos jogos de esporte com um todo. Em um primeiro momento, a sensação de produto requentado é evidente. A interface mudou detalhes ínfimos, os modos de jogo continuam rigorosamente os mesmos e até as licenças faltantes estão iguaizinhas às dos últimos anos, com um ou outro detalhe. No quesito de apresentação, o jogo é uma atualização bem simples da versão 2018.
Desta forma, temos novamente um investimento evidente para tornar o myClub o principal motivo de dedicação e engajamento dos fãs, trazendo alguns jogadores lendários logo de início, como o alardeado David Beckham. Muito rapidamente, o modo seduz, possibilitando um time de início com 3 ou 4 estrelas mundiais — muito com os bônus de pré-venda e de acesso nos primeiros dias. Quando fui experimentar a primeira partida, por exemplo, já contava com um ataque com Beckham, Suárez e P. Coutinho.
A questão é que o efeito aqui é similar ao de jogos free-to-play… você começa bem e aí precisa investir muito para manter o padrão. Investir em diferentes formas: ou tempo — jogando, experimentando, melhorando, evoluindo, ganhando pontos para trocar por jogadores médios e bons — ou grana, mesmo, já que é possível comprar pontos para cortar caminho. Nada de novo, e tudo muito sedutor para quem quer fazer carreira aqui.
Ainda assim, não se assuste: o modo é envolvente e dá muitos subsídios para o jogador ficar horas e horas revezando entre partidas disputadas, torneios cheios de bonificações e leilões de olheiros (?). Nesse último, para não explicar demais, não se contrata jogador, e sim quem os contrata… para isso, é importante ficar de olho nos melhores profissionais, com os melhores contatos. Para tanto, tem que disputá-los com outros jogadores ao redor do mundo. Divertido e hipnotizante. Vale conferir o modo como um todo.
No mais, tudo o que já vemos desde os clássicos Winning Eleven III: Master League, onde se comanda um time dentro e fora de campo ao longo de uma temporada no papel de técnico; o Rumo ao Estrelato, onde o jogador cria seu personagem para evoluir sua carreira, jogar em bons times e ser, ao final, o melhor jogador do mundo; e os modos de amistoso, treino, etc., com a possibilidade de multiplayer local ou online, com ou sem histórico, e tudo mais que todos que já jogaram PES nos últimos 10 já conhece, com um ou outro detalhe a mais.
A grande diferença, e isso é importante para os fãs da franquia, é a falta da Champions League (e sua inconfundível vinheta) nos diferentes modos. Parece uma bobeira, uma perfumaria supérflua, mas em termos de imersão, faz uma grande diferença. Sobretudo nos modos offline, o torneio mais importante de clubes do mundo é a cereja do bolo, é o torneio que se espera jogar desde quando se começa a segunda divisão de alguma liga qualquer. Na prática, não há muita diferença. Mas na experiência, tudo muda.
Soma-se a isso a falta de muitos clubes oficiais, as ligas principais e o cuidado com as ligas presentes. Claro que é um trabalho gigantesco, quase hercúleo, tentar negociar time por time, jogador por jogador (como no caso do Brasil, onde não há uma entidade que represente todos). Mas é muito complicado jogar o campeonato espanhol e só encontrar o Barcelona de verdade, ou na liga inglesa ter só Arsenal e Liverpool dos maiores lá, com uniformes, nomes e distintivos.
Claro que tudo isso é reversível com um certo esforço extra-oficial: alguns sites, fóruns e comunidades oferecerem atualizações com todas as edições disponíveis, incluindo uniformes tão caprichados quanto os originais. É possível ainda, com certo trabalho braçal, ao menos corrigir os 6 ou 7 times que mais se escolhe e que, de fato, serão os utilizados contra aquele seu amigo freguês: Real Madrid, Chelsea, Juventus, Manchester City, Atlético de Madrid, etc. Mesmo assim, é um desconforto pagar caro e ter que fazer tudo na unha. Mas enfim, é assim que é.
No caso do Campeonato Brasileiro, que é importantíssimo para nós até para decidir se compra uma nova edição ou se mantém a antiga, há coisas muito boas: os times de maior torcida do país tem contrato de exclusividade e patrocínio, então podemos ver os jogadores reais com as logos e patrocinadores reais nos uniformes de times como São Paulo, Flamengo, Corinthians e Palmeiras.
Ainda assim, há muito o que melhorar nesse sentido. Alguns jogadores estão muito fiéis à suas versões de carne e osso, mas a grande maioria, quando muito, lembra de longe suas versões reais. Você vai ver jogador com estilo de cabelo diferente, tom de pele discrepante e tudo mais. Muito mais sério é o fato de que as atualizações nos times de cá do Atlântico é muito aquém do que é visto nos clubes oficiais da Europa. Há muitos jogadores que foram negociados antes da Copa do Mundo que ainda estão nos elencos do jogo que acaba de ser lançado. Descuido da Konami.
No mais, em termos de apresentação geral, o jogo é o mesmo das duas últimas edições anteriores: menus, sistemas de edição, layout, tudo lembra demais o que veio antes e aqui faz falta um trabalho mais intenso em termos de recepção da comunidade, que já reclama de alguns caminhos há tempos.
Para quem joga com frequência, a migração da versão do ano passado para esse é quase imperceptível, o que pode ser bom, visto que mantém uma certa familiaridade, mas também pode ser mau, pois torna ainda mais explícita a busca por uma justificativa para um novo investimento (ou não).
Finalmente, rola a bola…
Tudo o que foi dito até aqui trata do lore, da ambientação, da construção do imaginário em torno do universo do futebol, cujo bordão já fala que é muito mais do que um jogo, muito mais do que um esporte. Mas no fim das contas, tudo isso só faz sentido quando o juiz apita e a partida começa. E aí PES 2019 mostra porque ainda se sustenta como um concorrente — quase uma resistência — ao domínio de mercado alcançado pelo seu maior rival: o jogo é muito divertido!
Nesse sentido, as diferenças são mais perceptíveis: a fluidez do jogo está mais suave, as jogadas saem com mais diversidade e, mesmo mantendo algumas manias, há um elemento de maior imprevisibilidade no jogo. As jogadas manjadas continuam lá, e muitas, confesso, são sempre um plano de segurança: se nada estiver dando certo, basta apelar ali para a tabelinha manjada ou pela jogada de linha de fundo que quase sempre vai dar resultado.
Ainda assim, o game consegue trazer variações nas jogadas, permite invencionices e ajuda quando se quer fazer mais do que só repetir os mesmos gols. Ao mesmo tempo, a IA do sistema defensivo está mais coerente e confiável. Ainda há momentos onde é necessária a paz interior para não jogar o controle na TV? Sim, claro. Senão não teria a graça que tem. Mas há uma melhora importante nesse sentido. Novamente, nada tão gigantesco que justifique um jogo totalmente novo, mas ainda assim, algo digno de uma clara evolução da franquia desde 2014.
Mesmo assim, ainda há falhas. A movimentação dos jogadores parece mais cadenciada, com animações mais complexas, mas ao mesmo tempo, há certas coisas que parecem inexplicavelmente mais lentas do que deveriam, como movimentos de domínio e de chute, ou tempo da bola em lançamento, por exemplo. Há alguns frames a mais, parece, e isso faz diferença em jogadas mais dinâmicas, quando a precisão é fundamental para o sucesso de um passe, de uma roubada de bola e do chute definitivo aos 46 minutos do segundo tempo.
Outro problema que parece não ter explicação é a capacidade acima do normal de a CPU manter o domínio de bola absoluto, mesmo em dificuldades mais baixas. Houve jogos no modo myClub, com a dificuldade no normal, onde o time adversário conseguiu manter o domínio da bola durante um tempo inteiro, sem deixar a bola sair, sem finalizar a gol e sem me deixar sequer chegar perto para tentar tomar a bola. Pensei: será que estou piorando minha competência de recuperar a bola?
Pois bem… quando o jogo foi programado para que o meu time também fosse controlado pela CPU, o resultado foi o mesmo: quando o time do jogador pega a bola, perde ou erra a jogada com rapidez — aquilo que se espera do jogo. Já quando o adversário tem o domínio, a coisa é diferente. Isso também vai acontecer com frequência no Rumo ao Estrelato, onde o jogador depende do resto do time tomar a bola sozinho para não ficar correndo o campo todo e cansar em meio tempo. Uma bobeirinha, que pode irritar de vez em quando.
Isso porque o próprio sistema de PES 2019 está passando por uma regulagem que busca deixar o game mais cadenciado, com menos correria desenfreada. Isso significa que há um efeito colateral onde o controle de bola pode ficar um tom acima do mais usual, o que favorece quem entende a lógica do “sempre dê as costas para o adversário” e permite que haja uma distância um pouco maior entre novatos e jogadores experientes. Não que tire a chance das zebras, já que os goleiros teimam em ser imprevisíveis sempre que possível, mas pode incomodar.
Resumindo, o jogo está mais diverso, mais divertido e mais dinâmico. Os sistemas de domínio de bola, proteção, drible, efeito em bola parada e de passe estão melhores do que já foram, são relativamente simples de fazer funcionar e resultam em jogos empolgantes. Ao mesmo tempo, sistemas avançados de tática, de variação de postura defensiva e ofensiva dão um tempero a mais que deixa para trás aquela sensação de “meu time está todo na defesa e eu estou perdendo”. Nem tudo é perfeito, mas o controle está cada vez mais na mão do jogador.
Bonito, formoso, mas…
Se há algo que não assusta mais ninguém é a constante evolução visual nos mais diferentes aspectos dos jogos de esporte — e não só nos de futebol, como vimos ultimamente. Os modelos estão cada vez mais detalhados, a captura de movimentos é sempre precisa e as animações um pouco mais sofisticadas. Há jogadores indefectíveis e mesmo a textura de pele é bastante realista. Outros, porém, parecem um pouco mais apressados, gerando visuais as vezes estranhos, outras só engraçados.
A questão fundamental é que o rosto dos jogadores é um detalhe que pouco influencia na jogatina em si. Aí entra o brilho da versão deste ano, com estádios muito bem reconstruídos — incluindo alguns dos principais palcos brasileiros — efeitos de luz e sombra muito competentes e um clima especialmente interessante, com variações climáticas sutis que vão muito além do padrão “dia”, noite” e “chuva”. Há neve, há tempo fechado, a luz do meio-dia nem sempre é melhor pros olhos… cada jogo traz um elemento climático interessante e diverso.
Não é só isso: a grama cada vez mais deixa de ter aquele aspecto de textura chapada verde, e o comportamento da bola em diferentes terrenos é mais sofisticado. O entorno da partida e as cenas de corte são igualmente bem realizadas, mas é evidente que depois da primeira ou da segunda partidas, esse elemento seja quase um martírio. Pouca gente se interessa depois de um tempo em ver a animação de um cartão amarelo ou o replay de uma falta boba no meio de campo, ou ainda o jogador ir buscar a bola para cobrar o lateral. Interessante, mas dispensável.
A parte sonora é que sofre um pouco: falta um design de som mais ousado para ir além do grito da torcida padrão na hora do ataque, por exemplo. O clima da partida acaba não acompanhando o que se vê dentro de campo. Os efeitos sonoros complementares, como ambiência e ruídos não vão muito além do “ok”.
A narração nacional sempre competente de Milton Leite, com os comentários de Mauro Beting, mantém um padrão alto, mas sofre com limitações e repetições cansativas. É evidente que muito foi reciclado do ano anterior, com os mesmos bordões, mesmas frases e mesmas piadinhas, com algumas poucas falas novas incorporadas, sobretudo as que tratam do clima. Isso resulta em uma narração meio estranha, que também parece não ter nenhuma relação com o que acontece em campo, com frases evidentemente desconexas que estão ali mais por fator protocolar do que para agregar algo de fato ao jogo.
Soma-se a isso a já citada interface datada e ultrapassada e vemos um jogo que é, sem dúvidas, muito competente em termos estéticos, mas que ousa muito pouco, perde chance de evoluir e recicla o que já está pronto há muito tempo. As vezes, dá a impressão de que não há nenhuma intenção de trazer algo realmente fresco para o público cativo da franquia e, muito menos, para tentar seduzir quem está do outro lado. É um padrão seguro, sem riscos, mas também sem brilho extra. É bom, é lindo, mas se for pensar sobre, vai perceber que é o mesmo de sempre.
PES 2019: Conclusão
PES 2019 é, sem dúvida, um jogão de futebol. Carrega consigo manias antigas, aposta no seguro em termos de modos e de visual, mas quando faz o arroz-com-feijão, faz bem feitinho. Seus modos oferecem muito o que fazer, controlando um time, um jogador ou uma franquia, mas não trazem absolutamente nada novo.
Se não é especialmente inovador em termos artísticos e adiciona elementos pontuais na jogabilidade, consegue se manter divertido, cativante e apaixonante, principalmente quando se vence aquele primo chato que adora jogar no chuveirinho.
A falta de licenças de ligas importantes e dos times que de fato serão os mais escolhidos é algo a se considerar, e prejudica esse sentimento de jogar aquilo que se assiste na TV desde criancinha. Mas isso acaba ficando em segundo plano quando a bola rola, quando se faz um lançamento perfeito de 40 metros ou quando se acerta aquele petardo de fora da área. Se os replays são só elementos que a gente vai pular quando joga sozinho, assisti-lo (tirando sarro do player 2) quando acompanhado é a mais perfeita síntese da experiência do futebol.
PES 2019, conhecido também como Pro Evolution Soccer, se mostra coerente no que tange a evolução citada no seu título e está disponível para Playstation 4 (versão gentilmente cedida para esta análise), Xbox One e PC, deixando pela primeira vez de estar na geração anterior, e pode ser jogado totalmente em português brasileiro.