Análise Arkade: Scorn e seu mundo biomecânico surreal e grotesco

21 de outubro de 2022
Análise Arkade: Scorn e seu mundo biomecânico surreal e grotesco

Após longos seis anos de espera e algumas reviravoltas em sua produção, finalmente o bizarro e visceral Scorn foi lançado para PC e Xbox! E chegou a hora de adentrarmos em seu mundo que parece ter nascido da mente de H. R. Giger.

Venha então conferir nossa análise completa de Scorn, um game que exige um estômago forte e foco para superar seus diversos puzzles e sobreviver a seus perigos incrivelmente grotescos. Então, vamos lá!

Um imenso mundo biomecânico

Análise Arkade: Scorn e seu mundo biomecânico surreal e grotesco

Scorn é um game que se destaca em todos os seus aspectos. A começar pelo óbvio, seu visual incrivelmente grotesco. Antes de seguirmos, é importante darmos mérito onde é devido. Iniciei esse review mencionando que o visual do game parece saído da mente de H. R. Giver, mas ele não foi a única inspiração para Scorn. Outra grande inspiração foi o trabalho do pintor Zdzisław Beksiński, com suas obras assustadoras e grotescas.

Scorn, assim como as obras e os artistas que o inspiram, possui uma característica muito definidora: O mistério e a interpretação. Digo isso pois Scorn não possui uma única linha de diálogo e absolutamente nenhum texto para ser lido. O game não oferece uma explicação para nada do que está acontecendo, deixando inteiramente para o jogador interpretar e tirar suas conclusões, baseado apenas nos cenários e eventos que você acompanha pela perspectiva do protagonista.

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Dito isso, não é como se o game não possuísse um enredo ou significado. A melhor forma de descrever Scorn é como se nós, aqui do mundo real, estivéssemos acompanhando a vida de uma criatura de outro planeta em uma busca para cumprir um objetivo. Nós não entendemos o que está acontecendo, mas o personagem que estamos controlando sim.

No entanto, algumas coisas são muito claras: O game é ambientado em um planeta em completa decadência, que foi um dia habitado por uma espécie humanoide altamente avançada não só tecnologicamente, como geneticamente, pois todas as estruturas encontradas são formadas pela fusão de carne, metal de rocha. Todas as máquinas possuem interiores de carne, botões e alavancas são formadas por tendões, músculos e veias. Inclusive suas próprias armas! Porém tudo está morto, ou morrendo.

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As únicas formas de “vida” que encontramos são estranhas criaturas disformes nascidas de estranhos órgãos e tentáculos de carne e matéria orgânica que infestam tudo a seu redor. E isso é tudo o que temos em nossa frente, fora o caminho que devemos seguir, que nunca nos é mostrado, sendo trabalho do jogador descobrir o que fazer e para onde ir.

A melhor forma de descrever Scorn, como um todo, é com uma única palavra: Desconforto. Em nenhum momento o game fica confortável, mesmo quando não há nenhum monstro próximo para você enfrentar. A ambientação, a atmosfera e o visual surrealmente grotesco causam uma enorme sensação constante de desconforto, nojo e repulsa. Algo que eu não sentia num game há muito, muito tempo!

Puzzles inventivos e combates engessados

Scorn é um game relativamente curto, com cerca de 6 horas de duração, se o jogador explorar bem e jogar sem pressa. E apesar de contar com armas e combates, seu foco está principalmente na resolução de puzzles. Numa estimativa superficial, o game é 70% puzzles e 30% combate.

Os puzzles são bem desafiadores e divertidos, demandando que o jogador explore o cenário para descobrir o que deve fazer e a ordem dos passos que precisa realizar para seguir em frente. Aliás, é importante mencionar que a progressão de Scorn é baseada em “hubs”, ou áreas. Os puzzles que você resolve servem para abrir o caminho para próxima área, com cada novo local visitado sendo maior e mais desafiador que o anterior.

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E, lembrando, o game não oferece nenhuma dica ou qualquer texto sobre o que você deve fazer. Tudo é baseado na observação, tentativa e erro. Você encontra um painel localizado em um ponto da área atual, mas ele não funciona ou falta algo para que você possa operá-lo corretamente, então você deve explorar mais até encontrar o que precisa para voltar a esse painel e poder usá-lo. E por aí vai.

Ao todo, encontramos apenas quatro tipos de criaturas inimigas, sendo que uma delas é um chefão. Essa pouca variedade de inimigos fica bem perceptível e um pouco repetitiva após algumas horas de jogo. O que não significa que enfrentá-las torna-se mais tranquilo, pois um dos pontos negativos de Scorn é justamente o seu combate.

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O game possui apenas 4 tipos de arma: A primeira é uma espécie de pistão mecânico, que não consome munição. Uma pistola, uma espécie de shotgun e um lança-granadas. Munições são extremamente raras, ao ponto de serem literalmente contadas bala a bala em cada uma de suas áreas, fazendo-se necessário economizar munição para não sofrer.

O que acontece é que passamos uma grande parte do jogo apenas com essa arma/pistão inicial, além de só ter ela disponível caso sua munição acabe. O problema é: Você só pode usar ela duas vezes e então deve esperar alguns segundos até que ela recarregue automaticamente e possa ser usada de novo. E ela não causa muito dano. Isso, por si só, não é um defeito, mas ficar sem munição, ou principalmente não gastá-la a toa, é algo que você definitivamente terá que fazer.

E aí vem a parte complicada: desviar dos ataques dos inimigos, que normalmente atacam ao disparar vômitos ácidos à distância. O problema é, é MUITO difícil desviar desses ataques, principalmente se você estiver em um corredor estreito. As animações de recarga das armas também são bem lentas, pois o protagonista deve encaixar bala a bala dentro da arma, fora que enquanto se está recarregando, não é possível correr, com o protagonista permanecendo em sua velocidade padrão.

Apesar do combate ser algo secundário, conforme você avança naturalmente mais inimigos começam a surgir, aumentando o desafio, fazendo que você tenha que lutar ou fugir em certos pontos, ou precisar se proteger para que possa resolver algum puzzle em uma sala. Não é impossível sobreviver, apesar das munições e itens de cura serem muito escassos, mas o game torna muito difícil conseguir sair ileso da maioria das batalhas.

Audiovisual

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Scorn é aterrorizante. É repulsivo. Nojento. Úmido. É literalmente de um estilo que passa a barreira do que nossa mente compreende como normal. Cada cenário, inimigo e ângulo de câmera cambinados parecem verdadeiras criações de Giger e Beksiński. No entanto, e de forma muito estranha, o game não atingiu o seu potencial visual máximo.

O nível de detalhes de todos os elementos dos cenários, de paredes a máquinas, além das estranhas massas biológicas que cobrem tudo, é incrivelmente bem feita. E, como já mencionado, tudo aqui tem um visual biomecânico, com exteriores com visual bastante alienígena e interiores formados por carne e sangue. Suas próprias armas, por exemplo, tem suas partes internas formadas por músculos e veias pulsantes, com exteriores que parecem até exoesqueletos.

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Os inimigos são criaturas de visuais muito grotescos, com membros alongados e finos, peles pálidas e rugosas, e partes com carne e sangue expostos, principalmente em suas cabeças, costas e barrigas. Seus visuais são incrivelmente grotescos.

O game também não economiza na violência e nas cenas viscerais. Há muitas cenas de violência e gore extremo, especialmente nos trechos finais da aventura, com uma cena genuinamente perturbadora. Mas mesmo assim, é visível que Scorn originalmente era planejado para ser ainda pior, mas teve seu nível de “gore” reduzido antes de seu lançamento final.

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Um pequeno exemplo disso está ao se comparar seu trailer de anúncio e o game final. Nesse trailer, há uma cena em que vemos uma estranha espécie de cano encurvado saindo do chão, que está expelindo uma úmida e pálida massa de carne. Essa estrutura não está presente em nenhum lugar o game, há somente algumas estruturas semelhantes, mas que não chegam nem perto do visual nojento e realista visto no trailer.

Apesar de eu ter descrito que o visual de Scorn é, entre outras coisas, “úmido”, e eu não estava mentindo quando disse isso, fica evidente que houve um downgrade visual, pois o game poderia, e deveria, ter sido muito mais úmido e repulsivo.

É bem estranho abordar esse ponto, pois o game é genuinamente grotesco, mas é bem perceptível, quando você observa os seus detalhes, que ele poderia ter sido muito, mas muito pior. E é uma pena que não foi, pois não é todo dia que vemos games com um estilo desses. E diluir esse estilo, mesmo que muito levemente, como aconteceu aqui, faz diferença quando você para e observa atentamente.

Isso não prejudica a estética do game de nenhuma forma, felizmente, pois tudo aqui é genuinamente impressionante. Mas o produto final me deixa ponderando sobre como Scorn seria se não tivesse nenhuma restrição ou freios. Com certeza seria uma experiência muito mais marcante (e certamente traumatizante).

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O game não possui uma trilha sonora, apenas um ou duas melodias bem leves, porém macabras, que tocam apenas em pontos específicos, e que talvez nem sejam melodias na verdade, e sim sons ambientes que juntos foram uma macabra harmonia.

Como já enfatizei algumas vezes, aqui não há uma única linha de diálogo. Sendo assim, nunca ouvimos vozes em toda a aventura, somente sons de grunhidos do protagonista e de outras raras criaturas humanoides que encontramos. E uma coisa extremamente agoniante é que nenhuma criatura, humanoide ou não, possui boca. Então todos os sons de grunhidos e especialmente gritos são abafados, o que deixa tudo muito mais desconfortável.

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Os sons de vento, inimigos grunhindo ou movendo-se seja próximo ou ao longe, crepitar de rochas, estruturas se partindo e maquinários sendo operados gera uma real sinfonia de outro mundo. Scorn possui uma atmosfera incrivelmente poderosa com sua combinação de imagens e sons.

No entanto, um pequeno detalhe, mas que faz uma certa diferença, é que o protagonista não faz sons de passos. É uma ausência pequena, mas dado os enorme cenários, que muitas vezes podem gerar eco, os sons de passos dariam uma sensação muito mais forte de vulnerabilidade, de que algum monstro próximo pode te ouvir andando.

Conclusão

Análise Arkade: Scorn e seu mundo biomecânico surreal e grotesco

Scorn é um game que definitivamente deixou uma marca em 2022, sendo um “puzzle/FPS” muito competente e imersivo. No entanto, seu lançamento levanta algumas questões importantes, a principal sendo: Será que o game entregou tudo o que seus desenvolvedores queriam?

Digo isso pois, anos atrás a Ebb Software, produtora do game, tinha o plano de lançar Scorn em duas partes. Essa ideia acabou sendo descartada e o game ficou desaparecido até ser anunciado como exclusivo de Xbox nos consoles. No final, Scorn foi lançado como um game de cerca de 6 horas de duração.

É possível que o game tenha uma sequência no futuro, caso a ideia de uma segunda parte venha a se concretizar, e espero que isso realmente aconteça. Pois por mais que o game seja muito bom, fica a sensação de que não entregou tudo o que queria. E não estou nem mesmo me referendo a seu misterioso e interpretativo enredo!

Scorn foi lançado no dia 14 de outubro com versões para PC e Xbox Series X/S. O game está disponível para Game Pass.

Renan do Prado

Amante de Metal Gear, platinador de Soulsborne e exímio jogador online (quando o lag não atrapalha).

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