Análise Arkade: Stray Souls é um game de terror que não sabe estabelecer seu terror

20 de dezembro de 2023
Análise Arkade: Stray Souls é um game de terror que não sabe estabelecer seu terror

Stray Souls é um game que chamou muita atenção quando foi anunciado, ao apresentar um trailer de gameplay com um visual incrível, todo feito na poderosa Unreal Engine 5. O game finalmente foi lançado e pudemos jogá-lo, mas… bom, vamos conversar sobre o game em nossa análise completa!

Os mistérios de uma família perdida

Análise Arkade: Stray Souls é um game de terror que não sabe estabelecer seu terror

Stray Souls é um game que começa já com tudo, nos mostrando uma sequência de cenas bem perturbadora (e esquisitamente grotesca). A história se inicia com um homem apenas de cueca num banheiro, rodeado de garrafas e com o corpo coberto no que parece ser tinta e fezes. O homem então equipa-se com uma shotgun e assassina todos os membros da própria família, enquanto é atormentado por visões de monstros e de violência.

Após isso, a história pula quase duas décadas no futuro, e acompanhamos Daniel, um jovem que, repentinamente, é surpreendido por um estranho acontecimento: Sua avó, que ele nunca conheceu, faleceu e deixou para ele sua própria casa e tudo o que há nela de herança para o neto.

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Não demora muito (na verdade, não demora nem mesmo um dia desde que Daniel muda-se para a casa da falecida avó) para tudo ficar extremamente estranho. Ele começa a testemunhar eventos sobrenaturais na casa, e encontra o fantasma de sua própria avó, com um visual totalmente distorcido e monstruoso, tentando capturá-lo. Daniel é salvo por sua própria irmã, que ele também jamais conheceu, que o retira da casa e revela a verdade sobre sua família.

A história então segue os irmãos, enquanto exploram a cidade de Aspen Falls, onde a avó vivia. Os dois tentam então desvendar os segredos da própria família e impedir o fantasma de sua avó, que fazia parte de uma seita perigosa, que tem como objetivo trazer ao mundo algum tipo de entidade maligna.

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Stray Souls possui uma premissa interessante, e não demora muito para vermos as inspirações do game, em especial Silent Hill, pois a cidade de Aspen Falls vai ficando progressivamente mais e mais tenebrosa, além é claro de ficar encoberta numa incessante névoa.

O problema é que, por mais que tenha uma premissa muito interessante, o game se autossabota ao não saber balancear o seu próprio terror e ao não conseguir estabelecer uma atmosfera assustadora, por culpa de seus próprios personagens e defeitos técnicos.

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Existem games de terror com protagonistas corajosos, ou que usam humor para tentar suportar o terror a seu redor, como por exemplo Leon S. Kennedy de Resident Evil, que constantemente solta umas piadinhas e “one liners” para quebrar um pouco o horror. E existe Daniel, um personagem que chega até dar pulinhos de susto, mas que 1 segundo depois age como se estivesse num parque de diversões, simplesmente ignorando cenas de intenso terror e gore que acabou de testemunhar. Mas vamos falar sobre isso um pouco mais pra frente.

Não bem um terror atmosférico e definitivamente longe de ser um Survival Horror

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Stray Souls é um game de terror em terceira pessoa com câmera de ombro. O gameplay é extremamente básico: Você anda, corre, equipa e desequipa sua arma, atira, recarrega e rola no chão para escapar de ataques. E só. Não há gerenciamento de itens ou nada do tipo.

Daniel está equipado com uma enorme pistola dourada, que segundo sua irmã tem o poder de ferir criaturas maléficas, sendo uma arma que pertencia à seita de sua avó. A munição da pistola é limitada, mas não as caixas de munições que você encontra espalhadas pelo cenário. De verdade, caixas de munições são onipresentes aqui, estando no máximo cerca de 5 metros de distância uma da outra, mesmo em áreas abertas e mesmo em áreas sem inimigos.

Os itens de cura são poucos, mas estão convenientemente espalhados nos cenários de formas muito bizarras. Para se ter ideia, a segunda parte do game se passa numa floresta imensa, e você encontra armários de primeiros socorros literalmente presos em árvores no meio do matagal. Quase como se você encontrasse um armário de banheiro no meio do nada.

Na parte da ação, basta mirar nos monstros que aparecerem e descarregar o pente de balas neles até morrerem. E como tem munição quase caindo do céu, você não precisa se preocupar em ser econômico, é só sair metendo tiro em tudo o que se mexer. Não há qualquer gerenciamento de inventário aqui, então você não precisa se preocupar com nada basicamente, no máximo, preocupar-se para não sofrer muitos danos. Mas, para evitar ser atacado, o game conta com um botão dedicado a esquiva, que é muito eficiente.

Um dos maiores problemas que encontrei com o game é sua cadência. A primeira “fase” acontece na casa da avó de Daniel, um lugar pequeno, com foco na exploração e resolução de puzzles simples. A segunda fase nos coloca dentro de uma gigantesca floresta labiríntica, com o objetivo de encontrar o caminho até um cemitério. Essa parte é muitíssimo chata, e eu considerei várias vezes nem continuar com o game. Esse trecho é pura andança, batalhas contra grupos de monstros, andanças, encontrar uma bifurcação, escolher um caminho e repetir tudo de novo.

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Chegou em um ponto (na terceira batalha contra monstros, pra ser sincero), que eu já estava cansado. Eu simplesmente evitava os monstros, esquivava de alguns golpes e simplesmente saia correndo até finalmente encontrar o caminho certo. E levei uma meia hora, provavelmente, para chegar no fim dessa fase, dado o tamanho da floresta, e por ter errado o caminho em alguns trechos.

Somente depois desse tedioso trecho de floresta que o game enfim “começa”, ao explorarmos o cemitério, a delegacia de polícia e posteriormente a cidade de Aspen Falls. Mas esse “início” chega depois de um trecho extremamente entediante, o que dificulta manter o foco e a imersão.

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Com os últimos parágrafos, expliquei como o game está bem longe de ser um Survival Horror. Já na parte do terror atmosférico o game até tenta, mas não consegue estabelecer medo, principalmente por culpa dos personagens. O game baseia-se principalmente nos Jumpscares, que acontecem sem qualquer aviso e em cenas de som muito alto e com muitos flashes na tela. As vezes eles dão aquele sustinho disfarçado, outras elas quase fazem os tímpanos estourarem com gritos estridentes.

O que piora tudo é como Daniel e sua irmã reagem ao terror a sua volta. Daniel parece até um personagem de Scooby-Doo, que só falta pular no colo da pessoa ao lado ao ouvir algum barulho. Ao encarar monstros frente a frente, e principalmente durante as cutscenes, Daniel posa de forma insegura e totalmente assustado, mas após tais cenas ele está simplesmente tranquilo, como se nada tivesse acontecido, e até mesmo brinca e faz piadas com a situação. Ou pior, finge que nada aconteceu.

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Toda vez que Daniel sente medo ele faz essa cara e treme os lábios. Seria até realista, se o resultado não beirasse ao cômico.

A irmã de Daniel também não ajuda. Ela não é útil em termos de gameplay, pois não ajuda em combate e não auxilia na resolução de puzzles. Ela basicamente fica no seu caminho a todo momento, e está ali mais para fazer os diálogos rolarem, contando sua história pouco a pouco.

Em resumo, Stray Souls é mais um daqueles casos em que o conceito apresentado em trailers era incrível, mas a prática está muitíssimo aquém do que se esperava.

Audiovisual

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Stray Souls foi criado na poderosa Unreal Engine 5, e esse game me fez novamente refletir em um “fantasma” do passado: A engine Unity. Eu já joguei muitos games de terror independentes para escrever análises aqui pela Arkade, e toda vez que eu via a tela “Made with Unity” na abertura do game, eu já torcia o nariz, pois encarei muito jogo ruim, e não apenas de terror, feitos na Unity.

Porém, sempre soube que a culpa não era da Engine, mas de seu mal uso. E bem, ninguém precisa de explicação sobre o quão poderosa e incrível é a Unreal Engine 5. Só que Stray Souls não sabe como usar todo o poder da engine.

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Isso não é um borrão ou erro da imagem, é uma parede realmente sem textura!

Suas telas de loading são demoradas (isso jogando o game num Playstation 5), os cenários possuem mistos de elementos muito bem construídos, principalmente vegetação, com objetos que até mesmo não possuem textura.

Daniel possui animações boas, inclusive em suas expressões faciais extremamente cômicas, mas o conjunto da obra “não casa”. E há animações verdadeiramente atrozes. Daniel pulando de medo, ou sendo derrubado por forças invisíveis e 1 segundo depois agindo como se nada tivesse acontecido. Sua irmã reagindo a monstros de forma muito casual, e por aí vai. Isso sem falar no pior de tudo, se Daniel tomar um susto durante o gameplay, ele dá uns 5 passos para trás com você não conseguindo controlá-lo, você precisa assistir a ele lentamente andar pra trás, perdendo muito tempo, até ter o controle novamente (dica: nesses momentos, use o botão de esquiva para cancelar a animação de susto).

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Muita coisa é bonita, muita coisa é feita, mas não há uma coesão em tudo. A impressão que sinto é que Stray Souls foi lançado de forma inacabada, e que se tivesse tido mais tempo de desenvolvimento (o que envolve mais orçamento para seu estúdio, algo que não se consegue com facilidade, infelizmente) teria se saído muito melhor.

Uma coisa, porém, precisa de muitos elogios: Os designs dos monstros de Stray Souls é simplesmente excelente. Nenhum monstro possui visual ridículo, todos são verdadeiramente grotescos, quase como se tivessem saído diretamente de Silent Hill. É uma grande pena que o game não faça jus ao potencial que tem, pois ver monstros verdadeiramente grotescos, e não sentir medo algum deles, é um verdadeiro pecado para um game de terror.

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Na parte sonora o game possui altos e baixos. Suas músicas, apesar de não serem muito marcantes, ajudam a tentar criar uma atmosfera. Aliás, as músicas só tocam quando você está em um trecho de combate contra monstros, então se tudo estiver silencioso, você está seguro, mas basta uma nota começar a tocar e você deve equipar sua pistola e preparar-se para o tiroteio.

Os sons dos monstros é bem feito, porém não há muito balanceamento neles, o que não cria o senso de proximidade ou distância. Se houver um monstro a 20 metros de distância de você, ou mesmo se estiver do outro lado de uma parede grossa, você ouvirá seus gritos como se estivessem bem na sua frente. E isso atrapalha bastante em cenários com muitas salas, pois fica difícil achar onde os monstros estão (e as vezes eles saem andando a esmo e afastam-se se você).

Stray Souls possui localização em português brasileiro em seus menus e legendas, e o trabalho de tradução foi muito bem executado. Porém, muitas vezes os textos aparecem com um tamanho minúsculo na tela, o que deixa tudo muito difícil de se ler.

Conclusão

Análise Arkade: Stray Souls é um game de terror que não sabe estabelecer seu terror

Stray Souls infelizmente não é um game que foi bem sucedido em sua proposta. Seu primeiro trailer, de anos atrás, mostrava muito potencial, em especial em seu visual muito bem feito, graças ao uso da Unreal Engine 5, mas o produto final peca em muitos quesitos, em especial em não saber estabelecer seu próprio terror.

Existem games que focam na criação de uma atmosfera pesada e assustadora, outros que focam nos jump scares, e não há nada de errado em focar em um ou outro. Pessoalmente (e acho que isso até seja consenso), acredito que um game de terror bem feito consegue mesclar sua atmosfera com seus sustos sem saturar nenhum desses elementos. Use muitos jump scares e eles perdem efeito. Foque somente na atmosfera, sem dar aquele golpe de terror que faz da atmosfera tornar-se terror, e no fim o jogador perde a sensação de medo muito rápido. E Stray Souls sofre desses dois problemas.

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Após poucas horas de jogo, a atmosfera se torna monótona, e os jump scares acabam virando inconveniências que, além de não assustar (ou no máximo causar um pulinho de leve na cadeira) acabam travando o andamento do gameplay depois de um tempo.

A sensação que eu tenho, e que já mencionei antes, é que parece que Stray Souls foi lançado antes da hora, sem ter sido propriamente finalizado. E definitivamente o game precisava de mais tempo em produção, pois há muitos bugs e animações travadas ocorrendo a todo momento. No fim, este game merecia ter sido um game de terror muito competente, mas isso não aconteceu.

Stray Souls foi lançado no dia 25 de outubro, com versões para PC, Playstation 4, Playstation 5, Xbox One e Xbox Series X/S.

Renan do Prado

Amante de Metal Gear, platinador de Soulsborne e exímio jogador online (quando o lag não atrapalha).

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