Análise Arkade: Tamarin, um jogo com crise de identidade

17 de outubro de 2020
Análise Arkade: Tamarin, um jogo com crise de identidade

O que você pensaria de um jogo chamado Tamarin se eu apenas te mostrasse a foto acima, e lhe dissesse que ele foi desenvolvido por um estúdio formado por “veteranos da era dourada da Rare“?

Possivelmente, você acharia que estamos falando de um jogo de aventura e plataforma simpático, um legítimo “jogo de mascote”. Afinal, a Rare, em sua melhor fase, foi a responsável por alguns dos maiores clássicos dos “jogos de mascote”, com Donkey Kong e Banjo-Kazooie. mesmo seu lado mais “rebelde” nos brindou com pérolas como Conker Bad Fur Day, Killer Instinct e até mesmo Battletoads.

Pois bem, embora eu tenha falado sobre Tamarin aqui no site, eu realmente não sabia muito sobre o jogo antes de começá-lo, então estava achando que ele seria um joguinho de plataforma 3D simpático e lúdico. E a primeira impressão meio que corrobora com isso: um grupo de macaquinhos fofos confabulando em um frente a uma casinha de contos de fada, em um bosque super colorido… até que chegam umas formigas e começam a dar tiros e tocar fogo em tudo.

Análise Arkade: Tamarin, um jogo com crise de identidade

Ok, talvez o jogo tenha uma camada um pouco mais madura, afinal. Eu estava pronto para girar minha cauda ou pular na cabeça desses insetos gigantes, afinal, é isso que a gente costuma fazer nesse tipo de jogo. Mas aí um porco espinho malandro me ofereceu uma Uzi (?!), e eu caí na real: apesar dos personagens fofinhos, Tamarin queria ser um jogo de tiro em terceira pessoa.

Atirando

A base da história é o que eu descrevi ali em cima: insetos gigantes invadem seu bosque, capturam animais inocentes e sequestram sua família. Cabe a você dar cabo dos invasores e trazer a paz de volta ao seu lar.E você faz isso na base da bala!

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Tráfico de armas na floresta

Se isso lhe causa estranheza, você não está sozinho: Tamarin sofre de uma “crise de identidade” absurda. Ver um macaco fofinho carregando uma Uzi e distribuindo pipocos em insetos humanoides definitivamente não era o que eu esperava do game. E o pior: os inimigos explodem, sangram, se despedaçam… há uma dissonância muito grande entre o visual “fofinho” e as suas ações naquele mundo.

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Uma formiga explodindo em sangue verde

Isso até poderia ser relevado se as mecânicas de tiro fossem boas, mas não são: a assistência de mira é extremamente intrusiva, mal deixando você controlar a mira sozinho. Para piorar, o fato do protagonista ser pequenininho faz com que a mira sempre se (auto)posicione na altura da barriga dos inimigos, e qualquer um que já jogou um jogo de tiro sabe que o ponto fraco é na cabeça. Ou seja, o sistema de assistência mais atrapalha do que ajuda.

Temos também a presença de inimigos voadores minúsculos, que parecem querer emular uma vibe de Space Invaders, mas que não funciona direito: nestas horas, um quadrado “prende” a sua mira no grupo de inimigos, e você precisa controlar o retículo com movimentos curtos e precisos para ar cabo dos bichinhos. É um suplício.

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Aquelas coisinhas roxas são os inimigos

Conforme avança na campanha, você desbloqueia outras armas, mas nenhuma delas melhora muito a experiência, simplesmente porque o ato de atirar não é bom. Certas armas são utilizadas para abrir portas e acionar mecanismos — houve um esforço em incorporar algo de lúdico aos armamentos –, mas a verdade é que, mecanicamente, Tamarin é um péssimo shooter em terceira pessoa.

Pulando

O jogo, porém, não se limita aos tiroteios. Vez ou outra nosso amigo porco espinho traficante de armas vai se oferecer para guardar suas armas, e nessas horas, o jogo meio que vira uma aventura de plataforma mais tradicional, que lhe permite correr, pular e esmagar inimigos pulando em cima deles.

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Sem armas, tá liberado esmagar os inimigos

Estes momentos deveriam ser o ponto alto do jogo… mas não são. O gameplay de plataforma dele também não é dos melhores: o personagem é muito escorregadio, e as plataformas irregulares parecem feitas de sabão. Isso dificulta sua vida quando saltos mais precisos precisam ser dados para cruzar um rio, por exemplo. Há uma mecânica de escalada e alguns trampolins, mas nada disso contribui muito com a experiência.

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Trechos simples podem ser mais desafiadores do que deveriam

Não pense que os problemas acabaram: a câmera consegue tornar tudo ainda mais difícil. Em áreas abertas ela até se comporta, mas quando entramos em cavernas e lugares muito apertados, ela se aproxima demais do personagem, limitando sua visão do cenário.

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Tipo assim

Então, enquanto você tem uma vista privilegiada do crânio do protagonista, simplesmente não consegue acertar um pulo porque não está enxergando a maldita plataforma.

Faltou foco

Analisando estas duas “partes” do jogo — tiro e plataforma — que são absolutamente distintas, e afetam o gameplay e a mobilidade do personagem, fica a impressão que duas equipes separadas fizeram cada parte, e depois juntaram tudo. E o resultado… não foi bom.

Sabe quando tinha trabalho em grupo em grupo na escola, aí cada um fazia a sua parte e juntava tudo na hora? Fala a verdade: nunca ficava bom. As vezes você tirava um 6,0 ali pra passar raspando, mas o trabalho “remendado” era feio, desajeitado. Embora eu não seja capaz de afirmar que havia duas equipes trabalhando em paralelo, é fato que Tamarin é inconstante, irregular, e nenhuma de suas “metades” é satisfatória.

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Como um jogo tão fofinho tem tanta matança?

Talvez se o jogo fosse focado em ser só um jogo de plataforma — ou só um jogo de tiro em terceira pessoa –, a coisa fosse melhor. Haveria mais coesão, e o time de desenvolvimento talvez conseguisse lapidar cada aspecto de gameplay. Mas do jeito que está, temos um jogo “2 em 1” no qual nenhuma das partes é boa o bastante.

Audiovisual

Para não dizer que Tamarim é uma bomba completa, seu visual é muito bonito. O protagonista é muito bonitinho e bem animado, e as áreas abertas são coloridas e verdejantes. Os inimigos são um tanto quanto genéricos, mas alguns coadjuvantes (como os passarinhos que devemos salvar) esbanjam fofura e carisma.

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Os Tamarins são muito fofos <3

Mas, é claro que o jogo não é bonito o tempo todo: muitas fases se passam em túneis, cavernas ou indústrias (?!), e aqui todo o deslumbramento dos bosques floridos sai de cena e dá espaço para paredes cinzentas, portas de aço e passarelas de metal sem graça. E o jogo passa muito tempo nesses ambientes, o que acaba afetando a qualidade de seu visual como um todo.

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Boa parte do jogo se passa em ambientes assim

A trilha sonora é boa, animada e pegajosa, mas se repete bastante. É como se os compositores tivessem criado uma música para cada ambiente — “tema do bosque”, “tema da fábrica”, “tema dos túneis” –, então você vai passar muito tempo ouvindo cada uma delas. Falta variedade.

Os animaizinhos do jogo não falam, apenas emitem barulhinhos enquanto conversam. As legendas e menus do jogo estão em português brasileiro, e o trabalho de localização no geral, foi feito de maneira decente.

Conclusão

Tamarin é simplesmente decepcionante. A crise de identidade do jogo — que parece não decidir se quer ser um um jogo de plataforma fofinho o um jogo de tiro em terceira pessoa malvado — é o cerne de seus problemas, e isso corrompe toda a experiência, que é piorada por mecânicas de qualidade duvidosa e uma câmera irritante.

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Não há balde de água que apague o fogo dos problemas desse jogo…

E se você achava que não tinha como piorar, calma, pois eu nem mencionei aqui o fato que o jogo bloqueia o seu progresso, e exige que você colete um número X de medalhinhas para progredir, forçando um backtracking extremamente desnecessário (e sem um mapa, encontrar tudo é um pesadelo). Recore já fez isso e foi um saco, mas lá pelo menos havia um jogo ok “ao redor”. Aqui temos um jogo ruim, que implementa um bloqueio ruim para impedir o seu progresso.

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Prefiro nem me aprofundar no assunto dos medalhões…

Ou seja, sendo bem honesto, Tamarin não é recomendável para quem curte plataforma 3D, nem para quem curte tiro em terceira pessoa. A gente sempre se esforça para ver “o lado bom” de jogos indie nas análises aqui do site, mas tem jogos que estão além de qualquer salvação. E Tamarin infelizmente é um deles.

Tamarin foi lançado em setembro, e está disponível para PC, Playstation 4 (versão analisada) e Xbox One.

Rodrigo Pscheidt

Jornalista, baterista, gamer, trilheiro e fotógrafo digital (não necessariamente nesta ordem). Apaixonado por videogames desde os tempos do Atari 2600.

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