Análise Arkade: Tchia é pura obra de arte que te leva para a cultura da Nova Caledônia
Desenvolvido pela Awaceb e publicado pela Kepler Interactive, Tchia é um projeto verdadeiramente único que traz um gostinho da cultura da Nova Caledônia de uma forma muito doce e carismática.
Para quem não sabe, a Nova Caledônia é um minúsculo país formado por algumas dezenas de ilhas localizado no Oceano Pacífico. O game tem por objetivo contar histórias que representam a cultura de lá, mostrando paisagens, costumes, comidas típicas, músicas e o folclore da região.
Bebendo bastante da fonte de The Legend of Zelda, Tchia traz uma aventura em mundo aberto muito gostosa de se jogar, com um visual que enche a tela com cores e histórias que trazem uma energia que todo conto infantil deveria ter. Vem comigo conhecer esse game fantástico em nossa análise completa!
Ao resgate de seu velho pai
Tchia é justamente o nome da jovem garota a qual assumimos o papel durante a jogatina. Morando numa ilha isolada com seu pai, a garota é ensinada nos costumes do seu povo enquanto vive pacíficamente e explora cada vez mais aquele seu pequeno mundinho. Mas claro que jornada do herói alguma começa sem um chamado para a aventura, né?
E aqui o que acontece é: um homem que supostamente controla criaturas espirituais feitas de totens e panos estava em busca do seu velho pai e finalmente o encontra nessa ilha remota — o pai de Tchia, que é raptado no processo. Assim, Tchia precisará atravessar os mares para resgatar seu pai. No percurso, ela encontrará aliados, fará amigos e viverá suas próprias aventuras.
Mas a surpresa vem mesmo com a habilidade que Tchia descobre possuir no momento mais crítico: com seu olho mágico, ela pode assumir o corpo de qualquer animal habitante das ilhas, assim como também determinados objetos inanimados. A vibe lembra muito o clássico cult Space Station Silicon Valley, do Nintendo 64. Mas se você (como a maioria) nunca ouviu falar nesse game, a mecânica de assumir vários personagens de Super Mario Odyssey também serve de comparação.
A história é uma jornada do herói clássica, com a nossa protagonista descobrindo aos poucos que sua jornada começou muito antes dela nascer e envolve muito mais do que simplesmente salvar seu pai. A forma como sua história pessoal se mescla com o folclore da Nova Caledônia é muito orgânica e envolvente. Além disso, personagens secundários e acontecimentos marcantes aprofundam a trama de Tchia.
Exploração descompromissada
Logo após a introdução do game, ficamos livres para explorar praticamente todo o mapa das ilhas. Graças ao uso do barco mesclado com a habilidade de incorporar qualquer animal, temos uma exploração bastante livre e descompromissada, com muitos pontos de interesse no mapa, incluindo colecionáveis, segredos e interações.
Confesso que nas primeiras horas de jogo, assumir o papel de algum animal foi uma das coisas mais divertidas que eu fiz. Al´ém de ser também uma das mais criativas do game. Podemos assumir o lugar de pombos, gaivotas e outras aves para voar e fazer cocô nos outros, podemos nadar rapidamente como tubarões, golfinhos ou tartarugas, ou então explorar a terra com javalis, cervos e muito mais.
O mapa das ilhas não é cansativo e nem muito grande, mesmo que seja no formato aberto para a exploração. Existem acampamentos com as criaturas mágicas feitas de pano a serem destruídos, bem como totens a serem coletados, tesouros escondidos, desafios de corrida e tiro ao alvo e várias missões secundárias. Tchia consegue equilibrar bem a oferta de conteúdo aos jogadores sem necessariamente se tornar repetitivo ou longo demais.
E aqui fica claro que a ideia é que “menos é mais”. Pois com relativamente poucas mecânicas de interação, o game consegue trazer uma variedade de mecãnicas e ideias bem gratificante. Além disso, não espere desafios muito bombásticos em Tchia: o game é bem leve nesse quesito, sendo mais uma exploração relaxante do que uma pedra no sapato dos ávidos por desafios.
Obra de arte com as inspirações certas
Como disse mais cedo, Tchia bebe bastante da fonte da franquia de Zelda e Link. Mas não espere mais uma cópia fajuta de Breath of the Wild. Estou falando de inspirações de verdade! A mecânica de velejar lembra vagamente o que víamos em Wind Waker, enquanto a jogatina em terra tem elementos de Ocarina of Time e do próprio Breath of the Wild. Mas ressalto que são inspirações, visto que o game da Nova Caledônia tem toda uma personalidade própria.
E essa personalidade é essencial para mostrar com dignidade todo um aspecto artístico e cultural do país que o game representa. Temos músicas simplesmente belíssimas tocando na maior parte do game, além de mecânicas de instrumentos musicais em momentos específicos que dão ainda mais interação para esse conceito musical do jogo. Além disso, pratos típicos são preparados para recuperar a energia de Tchia.
Podemos ainda mudar o visual da protagonista de diversas maneiras, liberando roupas novas através da exploração e também personalizando nosso barco. Tudo com referências estéticas bem demarcadas do povo da Nova Caledônia. O próprio visual do game é bem caricato e cheio de cores. Me peguei diversas vezes simplesmente apreciando a paisagem das ilhas e principalmente da água cristalina enquanto velejava de um canto a outro.
A sensação que eu tive quase que o tempo todo é de contemplação. Seja explorando por terra, seja assumindo o papel de diversos animais, quando estava velejando, tocando algum instrumento musical exótico ou em momentos específicos da história do jogo, a contemplação dessa cultura tão diferente da nossa esteve sempre presente. Porém, o ponto alto é que essa presença não se confunde com um jogo educativo daqueles “chatos”. Aqui tudo se mescla a um gameplay lúdico e divertido com muita qualidade.
Combates simples e bem criativos
E por falar em gameplay, os combates são um ponto que me chamou bastante a atenção em Tchia. Isso porque a ideia claramente é a de não estimular de forma alguma a violência. Com isso, não temos praticamente nenhum inimigo humano ou animal durante toda a jogatina. Mesmo animais ariscos como javalis e tubarões são pacíficos nesse jogo. O antagonismo fica para o não natural.
E mesmo esses seres sobrenaturais não são combatidos de forma direta. Na verdade, tudo gira em torno da mecânica de assumir papéis de outros objetos e animais. A única coisa que vence as criaturas de pano é o fogo. E com isso, precisamos sempre explodir objetos, criar combustão utilizando brasas ou combustíveis, e nunca temos muita defesa contra eles. Quanto recebemos dois golpes diretos dessas criaturas, somos levados à uma jaula ou prisão e precisamos arrumar um jeito de fugir dali para continuar a jogatina de onde paramos.
Esse ritmo de combate ficou incrivelmente criativo, ao mesmo tempo que não prejudicou em nada a ação do jogo. Além dos já citados acampamentos nos quais encontramos entre três e seis dessas criaturas, temos fábricas enormes com dezenas de inimigos prontos para causar basatante dor de cabeça. Ser tão vulnerável a elas enquanto que não embarcamos em combates terminantemente diretos faz os combates serem muito mais inteligentes, embora mantenham um certo ritmo de ação.
E é legal ver como os combates nem de longe são o carro chefe de Tchia. Na verdade eles são mais uma mecânica entre várias outras e mais uma forma de interação com esse mundo entre tantas outras. Não espere que você vai passar a maior parte do tempo arrumando treta contra os seres de pano para subir de nível ou coletar itens para ficar mais forte. A progressão da jornada não é baseada em RPG e nem de longe foca terminantemente em crescimento através da porrada.
Acima de tudo, uma carta de amor para uma cultura única
Tudo que falei at´é aqui mostra como Tchia é um game que de fato vale o dinheiro investido. Seja pela criatividade demonstrada em suas mecânicas seja pelo respiro que o jogo representa em meio a uma fórmula tão batida e cansativa de games ocidentais (e em parte orientais também). Mas para além das suas qualidades enquanto um game, ele é claramente uma carta de amor a um país e a uma cultura.
O que achei interessante é que ao contrário de muitos games por aí, ele não tenta disfarçar isso de algum modo. Muito pelo contrário: o tempo inteiro você consegue perceber que a história principal não é necessariamente sobre Tchia ou um dos outros personagens que a história mostra. A mensagem principal do game é demonstrar como um país pequeno e isolado tem diversas características únicas, além de muitas histórias interessantes a serem contadas e celebradas.
A cultura de massa nos faz engolir determinadas mitologias e símbolos goela abaixo de todos os jeitos. Mitologias nórdica, grega, egipícia e japonesa são culturas e estéticas que bombardeiam jogadores independente de onde estejam no globo. Convenhamos que a maioria exorbitante dos games embarca um desses temas (quando não mais de um deles). Ver jogos explorarem culturas e mitologias que talvez a gente nunca teria contato de outra forma é incrível.
E ver desenvolvedores independentes de países que não comumente exportam videogames para o mundo traz ainda mais respiro para essa fórmula. Já que claramente a forma de se pensar um jogo, momentos de ação e combate sofrem alterações com essa diferença de perspectiva de quem está desenvolvendo aquele game. Tchia representa principalmente isso: pluralidade e diferença de experiências.
Um game tocante que vale a pena
Com tudo isso, o veredito final é que Tchia é um game que vale super a pena para quem gosta de games indie, “Zelda like”, mundos abertos e principalmente para quem procura uma jogatina com um tom diferente do que normalmente a gente vê por aí. Talvez o principal de Tchia seja o equilíbrio que ele consegue alcançar entre ser diferente ao mesmo tempo que não é completamente dirruptivo.
Essa combinação gera identificação do jogador com as mecânicas presentes no game, apesar de vivenciar essas mecânicas de uma forma diferenciada do que normalmente vemos por aí. No fim das contas, Tchia acaba sendo uma carta de amor muito digna ao povo e cultura da Nova Caledônia. Um acerto e tanto que talvez possa ser um dos melhores games indies de 2023.
Tchia chega dia 21 de março de 2023 e está disponível para PlayStation 4, PlayStation 5 e PC (Via Steam e Epic Games).