Análise Arkade – O terror nas profundezas de SOMA
SOMA, o mais recente jogo dos criadores do clássico de terror Amnesia: The Dark Descent, chega nesta terça-feira (22) ao PC e PS4 prometendo boas doses de suspense e ficção científica. Revelado no fim de 2013, o novo survival horror da Frictional Games troca os castelos e calabouços escuros por uma base científica no fundo do mar onde uma história sinistra se desenrola.
Veja o trailer da versão PS4:
https://youtu.be/y7lr5MpTTP4
Mente humana em corpo de robô? Inteligência artificial assombrosamente avançada? SOMA trata destes temas intrigantes e vai além, questionando o quê exatamente nos torna humanos – e usando, claro, todo o suspense e atmosfera de terror que os caras da Frictional sabem criar muito bem.
A premissa é boa e o tema interessante, mas será que o jogo entrega o que promete e mantém o nível da produtora? Respire fundo e vem descobrir com a gente!
Nova história, velhos costumes
Em SOMA assumimos o controle de Simon Jarret, um jovem canadense que perdeu a namorada em um acidente de trânsito. A batida deixou uma sequela grave que causa hemorragias no cérebro do rapaz, um problema que cedo ou tarde vai acabar com sua vida. Sem muito o que fazer, ele aceita participar da pesquisa de dois cientistas que descobriram uma nova forma de escanear e literalmente gravar a mente das pessoas em computadores a fim de cura-las de suas doenças.
Poderia ser a esperança de Simon, mas num piscar de olhos depois de um exame ele descobre que despertou em uma estranha base submarina chamada Pathos-II, um lugar onde as coisas deram muito, muito errado: há sangue, corpos e um tipo de tumor cibernético que cresce por toda parte, sem falar em uma gosma preta que cai do teto. E todos nós sabemos que gosma caindo do teto NUNCA é um bom sinal…
SOMA nos deixa explorar e fazer parte dessa narrativa bem ao estilo Frictional: manipulando objetos do cenário e avançando em primeira pessoa com a interface mais limpa possível. Os comandos nos permitem não apenas ler diários, conversar com robôs e ouvir gravações, mas também a pegar, arrastar, girar, aproximar, afastar e arremessar quase tudo que encontramos. Como de costume, essa é a mecânica principal do jogo e os comandos estão bem afiados.
Essa interação não serve apenas para resolvermos os quebra-cabeças e desafios do game, mas também para nos sentirmos mais perto de sua história. Começando no apartamento de Simon, podemos descobrir várias coisas sobre ele apenas revirando seus pertences. O mesmo acontece na estação submarina, só que a bagunça lá, obviamente, é bem mais tensa que a de um quarto desarrumado.
Assim, explorando uma base sinistra, fuçando em tudo e resolvendo puzzles, vamos avançando na trama – uma trama com diversas reviravoltas e surpresas que nos mostram que há coisas muito maiores (e mais horripilantes) do que esperávamos rolando naquele mundo.
Pressão esmagadora
E bota horripilantes nisso. Como de costume, a Frictional entrega um jogo com ambientação e atmosfera muito caprichadas. Pathos-II é um lugar desconhecido para nosso protagonista e está um caos. Tudo bem que cenários futuristas/científicos onde tudo saiu errado são comuns em jogos (Doom 3, Dead Space…), mas a Frictional manda bem e consegue deixar a marca dela nessa lista.
Assim que chega, Simon se depara com um lugar onde robôs e sondas subaquáticas estão ganhando vida e pior, falando como seres humanos. Há muita violência rolando e os relatos encontrados pelo rapaz mostram que todas as equipes que “trabalhavam” ali estão morrendo, adoecendo, enlouquecendo ou tudo isso ao mesmo tempo. Som e gráficos se unem muito bem para simular este inferno embaixo d’água.
O game é cheio de cenários interessantes, com computadores, terminais, oficinais, reatores e todo tipo de ambiente científico/futurista que você pode imaginar, distorcidos por elementos de horror bem intrigantes e pesados; mas o destaque sem dúvida vai para os cenários submarinos.
De bancos de areia escuros entre um setor e outro da Pathos-II (eles têm codinomes tipo Upsilon, Delta e Omicron e funcionam meio ao estilo Lost), passando por navios afundados e abismos onde a pressão é esmagadora, SOMA é certamente o melhor jogo no fundo do mar desde Bioshock. Em diversos trechos precisamos dar uma volta no lado de fora da base e “molhar nossos pés”, e em todos eles o jogo impressiona pelo visual caprichado.
No quesito gráficos, porém, temos um ponto fraco nos personagens humanos (que encontramos em algumas ocasiões); Eles são bem decepcionantes, com texturas, animações e expressões faciais abaixo da “média” atual. Fora isso, mais uma vez a Frictional consegue criar uma atmosfera tensa e assustadora.
Terror nas profundezas
E falando em coisas assustadoras, todo bom fã da Frictional espera um jogo com doses cavalares de terror. SOMA consegue sim criar ambientes assustadores, mas no quesito sustos e momentos desesperadores, ele fica bem atrás do clássico The Dark Descent. Isso se deve em parte por causa da fórmula que, querendo ou não, está ficando manjada para quem joga os games da produtora.
Começando com robôs assassinos e partindo para coisas mais estranhas conforme a história avança, a receita é conhecida: quando estamos em um ambiente escuro cheio de salas e um monstro à solta, o negócio é andar agachado pelas sombras e pegar o que precisamos. Quando isso não basta, arremessar objetos pode distrair os “bichos” temporariamente; e se nenhuma das opções anteriores funcionar, sabemos que só tem uma saída: correr por nossas vidas.
Sim, SOMA traz momentos tensos e imagens bastante perturbadoras, mas eles não têm a mesma força dos jogos anteriores (pelo menos na minha opinião). Além disso, o game praticamente não tem “jump scares”, aqueles sustos programados que fizeram muita gente pular do assento em games como Resident Evil 2 ou Dead Space e que, querendo ou não, ajudam a manter o jogador cabreiro e desconfiado de tudo. E mais uma vez ele não traz o sistema de estresse acumulado que deu tão certo no primeiro Amnesia.
Assim, a capacidade do jogo de meter medo depende mais da imersão e da atmosfera. No quesito audiovisual, SOMA é competente e ajuda com isso, mas há um detalhe problemático que afeta a experiência: o protagonista falante, que neste caso não dá muito certo…
Simon é um rapaz “comum” que se sente completamente perdido (e com razão) ao acordar em uma base submarina cheia de máquinas enlouquecidas e cadáveres. Até aí, teríamos um bom condutor para nos transportar pela trama do jogo. O porém é que, muitas vezes, o protagonista quebra o clima de suspense pela forma como se comporta e fala.
Quer um exemplo? No trailer acima vimos que Simon precisa “matar” um robô (ou seria uma pessoa mesmo?) para ativar um painel. Ele faz isso duas vezes durante o jogo (não se preocupe, isso acontece de forma bem previsível e não estraga nenhuma surpresa) sem se abalar muito. É só na terceira que, sem nenhum motivo especial, ele fica abalado e questiona-se sobre o que está fazendo – de forma bem exagerada e desproporcional, diga-se de passagem.
O ponto é que o personagem muitas vezes não parece refletir bem o que o jogador está percebendo, e essa inconsistência é minha única grande reclamação em relação a SOMA. Afinal, como vamos entrar de fato na atmosfera do game quando temos um protagonista que solta piadinhas toda hora no meio de um verdadeiro inferno surreal? Até entendo que humor seria uma boa para aliviar a tensão em alguns momentos, mas sinceramente Simon Jarret é um personagem que às vezes parece ter saído de um Far Cry.
Eu esperava algo bem mais pesado e sombrio em um game da Frictional. Em vários momentos o protagonista simplesmente não bate com o clima surreal e aterrador da situação que está vivendo. Isso enfraquece a imersão, e por consequência a capacidade de SOMA de nos assustar de verdade.
Cada vez mais fundo…
Mesmo que Simon escorregue em vários momentos e acabe tornando a experiência um pouco menos tensa, a história de SOMA consegue ser interessante até o fim. O jogo tem bom ritmo, nos levando de um setor ao outro de Pathos-II para dar um rolê num verdadeiro pesadelo cibernético, cheio de imprevistos e dificuldades.
Avançar nesta história significa sobreviver aos “monstros” e resolver quebra-cabeças, a receita padrão da Frictional Games. Como já falamos, os momentos de terror são manjados mas até que funcionam; já a outra forma de desafio, os puzzles, se saem muito bem. Temos vários enigmas para resolver e desta vez eles vão além de arrastar coisas e achar itens. Tratando-se de um jogo de ficção científica, agora temos vários computadores e sistemas para mexer, portas para destrancar e equipamentos estranhos para manusear.
Estes terminais e máquinas trazem desafios interessantes e o melhor: são variados. Além disso, a localização de SOMA vale para as telinhas dentro do game, não só para as legendas e menus (um bom trabalho de localização por sinal, com poucos erros).
E de puzzle em puzzle, momento de terror em momento de terror, vamos avançando no game, cada vez mais fundo, em uma jornada que leva algo entre 9 e 10 horas para ser completada. Difícil não comparar o título com os jogos anteriores da Frictional Games, e nesse aspecto ele não impressiona tanto, mas ainda assim é uma viagem interessante ao fundo do mar “e além”.
Conclusão
Mesmo com uma ambientação muito boa, SOMA acaba perdendo pontos com um protagonista falante que não acompanha bem a “realidade” do jogo. Os momentos de terror, mesmo com robôs, seres sinistros e cenários dignos de pesadelo, acabam caindo no lugar comum pois já conhecemos bem a receita da Frictional.
Acaba sobrando para a história, que é interessante, jogabilidade bem refinada e puzzles desafiadores a responsabilidade por manter o bom nível do game. Vale a experiência para quem gosta de ficção científica e suspense – só que provavelmente não é um jogo que vai entrar no nosso Top 10 de horror.