Análise Arkade: The Last Guardian enfim chegou carregado de emoções
2009. Nesse ano, que hoje já é longínquo com nossas vidas cada vez mais aceleradas, The Last Guardian foi anunciado. Eu tinha 18 anos de idade no dia em que o game foi anunciado, recém formado na escola e ainda um calouro de faculdade, e como grande fã de Shadow of the Colossus, o hype foi instantâneo. Os anos se passaram, e cada vez menos se via do game, e quando se via algo, era mais um adiamento e o medo dele ter sido cancelado.
Aquele que deveria ter sido um dos primeiros games para o Playstation 3 não dava as caras, e até mesmo o Playstation 4 havia chegado. E para mim, minha única esperança era que o game saísse antes de 2050. Mas 2015 chegou e o game reapareceu. Estamos no final de 2016 e hoje eu tenho 26 anos, formado há anos da faculdade que iniciei aos 18.
E finalmente, finalmente The Last Guardian está entre nós! E não é sonho nem pegadinha, o game finalmente foi lançado! The Last Guardian é um game que já havia se tornado lenda entre os jogadores, sendo adiado ano a ano, com a sombra do cancelamento pairando sobre ele e a enorme incerteza sobre se um dia ele realmente seria lançado, mas houve luz na fim do túnel e ele enfim chegou.
E devo dizer que enfim tenho o game em minhas mãos, e que com muita alegria agora trago a análise completa de The Last Guardian para vocês! Então venha com a gente e acompanhe nossa jornada de 7 anos, que enfim chegou a seu final! E para começar vamos apresentar um pouco sobre o universo do game.
O Menino e a Fera devoradora de homens
The Last Guardian é, de acordo com o criador e diretor do game, Fumito Ueda, uma mistura de ICO com Shadow of the Colossus. O game conta a história de um menino cujo nome nunca é revelado, que um dia acorda dentro de uma caverna, com estranhas tatuagens por todo o seu corpo, e ao lado da lendária criatura conhecida como a Fera Devoradora de Homens, Trico. O menino não sabe como, quando e nem porque está ali, muito menos como conseguiu suas tatuagens. A única coisa que ele sabe é que tem que voltar para sua aldeia, de algum jeito.
A história é contada pelo próprio menino no futuro, já adulto, contando sua história para nós, jogadores. Ele conta sua história naquele lugar que ele ainda viria a descobrir o que é, e sobre sua amizade com Trico. E sobre Trico falaremos mais adiante, pois ele merece uma seção inteira dessa análise para falarmos dele!
E então, acompanhamos a grande aventura da vida daquele menino, enquanto ele constrói sua relação com o gigantesco animal, explora o estranho lugar onde se encontra, e passa a entender as razões para tudo o que está acontecendo com ele. Ao longo de toda a jornada, a versão adulta do menino narra nossos passos, de uma forma clara, sem rodeios, e divertida, como se ele estivesse contando a história para outras crianças, e inclusive para o jogador, dando dicas para nós quando não sabemos o que fazer em alguns lugares, tal como Dormin fazia em Shadow of the Colossus, mas de forma menos enigmática.
Qualquer coisa que eu falar sobre a história do game será spoiler, mas uma coisa que qualquer um interessado sobre o game desejar saber, pois isso ficou bem claro em todos os trailers do game desde seu anúncio há 7 anos atrás: Como é a carga emocional do game? O game faz jus a ICO e Shadow of the Colossus nesse quesito? A mensagem principal do game não é o porque o menino está lá, nem como ele vai sair daquele lugar, esses dois são apenas pontos que formam o todo, que é exatamente o relacionamento entre o menino e Trico.
Sabe aquela verdade universal cinematográfica: Filmes (não infantis) com animais sempre atacam direto no coração e nos sentimentos. Deixe-me apenas dizer que o game faz isso com total maestria, ele vai direto no coração. Ele é um game pra fazer marmanjo sentir umidade nos olhos. E bom, outra coisa que muitos relutam em perguntar mas possuem essa dúvida: Será que vai acontecer algo ruim com Trico? O máximo que posso dizer é, isso é o jogador que deve descobrir por conta própria, e a única certeza que darei é: o caminho do game até o final é muito emocionante.
Trico, um mitológico animal que não existe, mas que é real
Verdade seja dita, o menino pode ser o protagonista do game, afinal nós controlamos ele. Mas Trico é o real protagonista da história. O game começa com uma linda abertura bem cinematográfica envolta em mistério, começamos vendo desenhos de animais em uma antiga enciclopédia, desenhos feitos a mão de diferentes espécies do reino animal, insetos, peixes, gatos, cachorros, cabras, baleias, dragões, grifos e por fim, Trico.
Ele é um animal mágico, uma gigante mistura de cachorro com ave. Ele é enorme, possui patas de ave com três dedos cada, todo o seu corpo é coberto de penas cinzas, ele possui pequenos chifres azuis brilhantes, uma longa cauda, pequenas asas e um uma (grande) carinha de filhote de cachorro, com grandes orelhas e uma boca que parece uma mistura de bico com focinho. Resumidamente, Trico é lindo, exuberantemente lindo.
Quando encontramos Trico no início do game, ele está acorrentado ao chão, com lanças fincadas em seu corpo, com uma armadura quebrada em sua cara e corpo, faminto e fraco. Logo, nós tratamos dele, alimentando-o com estranhos barris brilhantes, para ganhar sua confiança. Removemos as lanças que o estão machucando, e soltamos a corrente presa em seu pescoço. Ele então se livra sozinho de sua armadura e se vê totalmente livre. E logo o menino ganha a confiança dele, pois Trico é muito inteligente, e o menino o ajudou, alimentando-o e curando-o.
A aventura então começa, o menino tem que voltar para casa, e Trico passa a segui-lo. Ele e o menino se ajudam mutuamente. Trico quer ir até a torre mais alta das ruínas onde eles se encontram, e para o menino esse é o único caminho possível, pois Trico conhece aquele lugar, e ele não.
A coisa mais legal do game é que Trico não é um mero personagem, ele realmente parece um animal real! Ele interage de maneira muito realista com tudo a sua volta. Ele é um animal curioso, e reage a coisas a sua volta como um cachorro na vida real. Ao ver um portão se abrindo, ele fica curioso e acompanha o movimento, olhando atentamente. Ele reage aos cenários, olhando para todos os lados em busca do caminho a seguir, ele pisa do chão de forma realista também, por mais estranha que essa afirmação pareça. Acontece que ele não apenas realiza sua animação de movimento “mecanicamente”, ele realmente pisa nos elementos do cenário, em pedras elevadas, em árvores e colunas caídas e etc.
Ele reage a tudo de forma totalmente realista, ele se abaixa para passar por lugares de teto mais baixo que ele, se move devagar em lugares perigosos, e se contorce todo para passar em lugares apertados. Sua movimentação não é programada, ele não andará somente para onde deve ir. Ele tem consciência própria, ele irá para onde quer, e quando quiser ele também vai cochilar durante o jogo!
Quem tiver um cachorro em casa vai conseguir perceber ainda melhor o realismo de movimento e reação de Trico, eu mesmo tenho vários cachorros em casa, e Trico é exatamente como um. Ele fica triste e chora se o menino se afasta dele. Ele reage as ações do menino, e a partir de certo ponto do game, passa a entendê-lo melhor e responde a seus comandos! A partir desse ponto, podemos falar para Trico seguir para certas direções, pular sobre obstáculos, tentar pegar objetos e atacar. Inclusive, Trico reclama se o jogador ficar passando muitos comandos diferentes sem que ele entenda.
O menino pode apontar para diferentes direções para dizer para Trico para onde ir, ele então olhará primeiro para essa direção, levantara as orelhas e verá primeiro para o que estamos apontando, e as vezes ele vai rugir em reclamação para o menino, como se quisesse dizer “eu não tô entendo o que você quer! Fala direito!”. Trico é muito inteligente, mas as vezes leva um tempo para entender comandos, mas isso não é exatamente culpa do game, pois em minha jogatina percebi que se o jogador passar comandos para Trico de forma clara posicionando direito o menino e a câmera, Trico não terá dificuldades em entender.
Trico ainda demonstra o que está sentindo através de seus olhos. Quando seus olhos brilham em um rosa fraco, ele está com medo de alguma coisa. Ele possui medo de vitrais com desenhos de olhos, e o jogador deve se livrar deles para poder prosseguir. Quando seus olhos brilham em verde claro, ele está olhando para algo que quer comer, como os barris que usamos para alimentá-lo. E se seus olhos brilharem forte em vermelho, com sua boca também brilhando, significa que ele está irritado, e aí o jogador deve tomar bastante cuidado.
A cooperação entre o menino e Trico
A jogabilidade de The Last Guardian envolve a interação entre o menino e Trico. No game nós controlamos apenas o menino, que é pequeno e pode passar por lugares apertados e interagir com alavancas para abrir portões e abrir caminho para Trico. O menino ainda pode usar um misterioso espelho que encontra logo no início do game, esse espelho solta uma luz forte que cria um desenho em paredes, quando Trico vê esse símbolo, ele mostra um de seus grandes poderes, com a ponta de seu rabo ele pode soltar poderosos raios, e com isso usamos o espelho para apontar para coisas que precisamos destruir com a ajuda de Trico.
The Last Guardian é muito parecido com ICO em seu progresso, passamos por vários cenários diferentes, por muitas ruínas de um lugar realmente inacreditável, mas não totalmente vazio. O game possui alguns inimigos que encontramos vez ou outra, armaduras vivas que tentam capturar o menino. Ao ser capturado, vários símbolos diferentes aparecem na tela e as tatuagens do menino começam a brilhar, para fugir, devemos literalmente apertar freneticamente todos os botões do controle até os símbolos sumirem e nos libertarmos.
Trico é gigante e extremamente forte, e pode destruir as armaduras com facilidade, porém ele pode ser atingido por lanças atiradas pelas armaduras, e o jogador deverá remover elas para ajudar Trico. Ele também pode destruir coisas, e montado nele o jogador acessa novos lugares, pois Trico pode pular absurdamente alto e longe, e é uma verdadeira aventura enquanto ele pula entre colunas e estruturas a beira de colapsarem, dá uma sensação de adrenalina ver ele pulando e escalando em alturas absurdas, vendo toda aquela distância incalculável do chão lá embaixo.
E é claro, Trico é um animal extremamente fofo, e nós podemos fazer carinho nele! O carinho estreita o laço entre os dois, e serve para acalmar Trico. Quando ele ataca armaduras, ele fica muito agitado após o fim das batalhas, e o jogador precisa fazer carinho no ponto certo do corpo dele para ele se acalmar, seja no pescoço, no lombo ou perto de suas asas, o jogador deve achar esse ponto para acalmá-lo. E Trico ainda pede carinho de vez em quando! Ele abaixa a cabeça e nos deixa fazer carinho nele, fechando os olhos e se esfregando no menino. Ele é realmente muito fofo e não tem como não se afeiçoar e se preocupar com ele ao longo de todo o game. De minha parte, eu queria que o Trico existisse na vida real.
Há porém uma dificuldade na jogabilidade. A movimentação do menino é praticamente a mesma de ICO e Shadow of the Colossus, isso significa que a movimentação do menino é um pouco falha. Ele tropeça muito, tem um pouco de dificuldade para subir e descer de obstáculos e as vezes sua movimentação atrapalha um pouco as coisas. Isso não chega a atrapalhar de forma muito frustrante, por exemplo, não há o risco de o menino se mover errado, cair de uma grande altura e morrer, pois sempre que ele se aproximar de uma beirada ele interromperá o seu movimento para evitar queda, isso ajuda a não cair, mas ao andar em beiradas, por exemplo, dificulta a movimentação, bem como em momentos que o menino corre demais quando não deveria. É uma jogabilidade que para alguns parecerá estranha, mas é possível dominá-la após algum tempo jogando.
Audiovisual
Um dos maiores tópicos de discussão sobre o game é justamente seus gráficos. Afinal, o game foi anunciado quando o PS3 ainda era novidade, e só chegou 7 anos depois ao PS4. Com isso, muitos passaram a ver o game como algo “fora do tempo”, e que já não impressona mais como impressionava no passado. Então afinal, o game ainda “tem cara de PS3”?
Sinceramente, ainda mais hoje em dia, isso é uma pergunta especialmente difícil de responder. Temos muitos games novos saindo quase todos os dias, com gráficos dos mais simples aos mais realistas e belos. Temos games novos de Playstation 4 com gráficos pixelados até mesmo os que parecem imagens da vida real. Existe obviamente games que possuem gráficos visualmente datados e feios, mas esse não é o caso aqui, mas algo diferente. Como então dizer se o game tem “cara de PS3”?
Comparado com os trailers de anúncio, o game está definitivamente muito mais bonito. Muito mais cheio de detalhes, cor e brilho. Basicamente o visual é o mesmo dos trailers antigos, nisso não houve alteração. Mas isso não significa nem de longe que o game é feio ou que possui um visual datado. Existem sim algumas texturas que quando vistas de perto parecem estranhas, mas o conjunto geral da obra é muito belo. As ruínas onipresentes no game são desoladas e belas, com a natureza reivindicando seu espaço com gramados e muitas árvores com uma movimentação fluída de suas folhagens. Todas as penas de Trico se movem individualmente com o vento, e a paisagem é simplesmente exuberante.
Há porém o problema de framerate. Mesmo com todos esses anos em desenvolvimento, e com a mudança de plataforma, o game acabou sofrendo deste erro. Tanto no PS4 como no PS4 Pro o game tem um pouco de dificuldade de se manter a 30 fps. Em vários trechos do game a queda de frames é muito grande, inclusive em cenas de bastante adrenalidade de Trico, como pulos de causar calafrios em plataformas minúsculas suspensas por centenas de metros do chão, e tiram um pouco da magia desses momentos. A câmera também pode atrapalhar as vezes. Seu movimento é um pouco lento e em certos lugares, como corredores apertados ou perto de Trico ela pode acabar travando. Se a câmera ultrapassar um limite impossível, por exemplo se o jogador forçar a câmera contra uma parede, ela “resetará”, a tela ficará preta por uma fração de segundo e voltara para uma posição onde o menino pode ser visto.
Dessa forma, voltando a pergunta: Não, o game não tem cara de jogo de PS3. No sentido de um game com gráficos “duros”, movimentação mecânica e pouco polimento em seu visual. O game é belo, e tem ótimos gráficos apesar de tudo.
Já no departamento sonoro o game é magnífico. ICO e Shadow of the Colossus compartilhavam de uma trilha sonora belíssima, e The Last Guardian também faz jus a excelente trilha desses dois games. As músicas pontuam os momentos certos, e se você já conhece os dois jogos citados, já terá uma ideia de como são as músicas, elas são aquelas que muitas vezes dá vontade de parar, e só deixar o som rolar.
Fora as músicas, o game mantém o silêncio. O som mais presente no game é o do vento. Nas misteriosas ruínas onde o menino se encontra o vento sopra incessantemente em áreas abertas, e podemos ouvir o farfalhar de folhas e da vegetação, o som dos muitos pássaros que vivem no lugar, e o som de desolação e abandono das estruturas anciãs ruindo, pedras rachando, madeira rangendo e objetos de metal arranhando em seus movimentos preguiçosos causados pelo vento.
Conclusão
Depois de sete anos de torturante espera, The Last Guardian é um game que vale a pena para todos os que o esperaram todos esses anos? Definitivamente sim! A espera foi longa, mas por fim ela compensou, e entregou exatamente a mesma experiência prometida lá em 2009, uma história envolvente e misteriosa, uma bela aventura, e uma experiência muito sentimental. E que fique a dica aqui, a história só termina quando acaba, então acompanhe o game até que a palavra FIM apareça na sua frente!
The Last Guardian é real, mais real do que nunca, e seu lançamento literalmente marcou a história do Playstation, o game que ninguém mais tinha esperanças de ver sendo lançado chegou e é uma experiência emocionante que vale toda a pena. Ele entrega aquilo que os fãs que a muito o esperam desejavam, e entrega de uma forma totalmente satisfatória, e melhor ainda para os jogadores brasileiros, totalmente traduzido em nosso português.
E por fim, The Last Guardian se tornou um game obrigatório. Todos os fãs de ICO e Shadow of the Colossus que possuem um PS4 tem por obrigação jogar esse game, e aqueles que não conheciam esses games tem em suas mãos a chance de testar uma experiência totalmente diferente do que se joga por aí, um tipo de experiência quase única, que existe graças ao Team ICO, uma experiencia mais sentimental, exploratória e literalmente colossal num game que depois de se esconder por anos, chega até nós não de peito estufado, nariz empinado ou mesmo de cabeça baixa, mas no lindo e inocente rosto de Trico, uma criatura viva e real, vivendo em um mundo que só existe nos video-games.
The Last Guardian finalmente foi lançado no dia 6 de dezembro de 2016, uma data realmente histórica. O game é exclusivo para o Playstation 4.