Analise Arkade: The Red Strings Club é uma poderosa experiência narrativa e filosófica
Desenvolvido pelo estúdio Deconstructeam (do cult Gods Will be Watching) e distribuído pela Devolver Digital, The Red Strings Club é um indie valioso que debate uma série de questões existenciais e nos faz questionar nossa própria moralidade e visão de mundo.
Mesmo o jogo não sendo necessariamente contemporâneo a narrativa escrita por Jordi de Paco (game designer da Deconstructeam) levanta questões relevantes que podem facilmente ser debatidas em nosso cotidiano.
Tais indagações condizem com a proposta do estúdio de criar novas experiências focadas na narrativa e, assim como em seu game anterior, proporcionar uma série de subversões de expectativas.
Pergunta: “Como quebrar as regras é fazer um mundo melhor?”
Resposta: “A questão é: quem definiu as regras?”
História – O que nos torna humanos?
O enredo de The Red Strings Club se passa em um futuro cyberpunk onde a tecnologia atingiu tal nível de excelência que otimiza uma série de aspectos físicos e emocionais dos seres humanos.
Mas como em qualquer estado utópico ou distópico, há os que não pensam como a maioria e enxergam essas modificações realizadas nas pessoas como algo extremamente frágil, que facilmente pode privar-nos de um dos elementos fundamentais de nossa existência: o livre arbítrio.
Uma empresa chamada Super Continente Ltd criou uma espécie de implante chamado Módulo que é colocado nas pessoas para suprimir sentimentos negativos que possam afetá-las. Elas agem normalmente com a ressalva de não possuírem mais status como tristeza, depressão, infelicidade, entre outros.
Na outra ponta da história temos o grupo de hackers intitulado como Proxyma, que vê esses implantes como malefícios que descaracterizam as individualidades das pessoas, afinal, sentimentos negativos naturalmente fazem parte de nossa vida e de certa forma ajudam a construir quem somos.
As coisas começam a tomar outras proporções quando a Proxyma infiltra na Super Continente Ltd Ariadne (um de seus membros) com a intenção de sabotar o projeto substituindo os implantes normais por outros totalmente disruptivos. O processo era realizado por um novo e secreto protótipo de androide chamado Akara, com tamanho grau de consciência que os permite aconselhar humanos tendo nossa felicidade como objetivo final.
Em meio a essa infiltração acontecem alguns fatos que fazem com que a androide Akara acabe chegando no The Red Strings Club, bar local gerenciado por Donavan. Além de ser um barman conhecido por fazer drinks capazes de gerar diversos status (euforia, felicidade, culpa, etc) em seus clientes, Donovan também é uma espécie de negociador de informações sendo conhecido igualmente pelas duas habilidades.
O namorado de Donavan se chama Brandeis e ele não é um membro oficial da Proxyma, mas atua no grupo em algumas missões por concordar com sua ideologia contra as grandes corporações. Quando Akara chega no bar avariada e Brandeis acessa seu banco de dados para ver o que aconteceu se depara com fatos que fazem com que os protagonistas entrem em uma trama cercada de mistérios corporativos que podem mudar o destino de todo o mundo. Sem dar spoilers, esse é o panorama geral do game.
Através de seu texto, o jogo nos diz que temos uma série de necessidades como indivíduos únicos, mas nem todos os nossos anseios são tão relevantes ou necessários como pensamos. Os Módulos podem nos tornar mais atrativos nas redes sociais e por consequência teremos mais seguidores, mas será que maior relevância digital é o que realmente nos fará mais feliz? Um questionamento “muito Black Mirror” que sem dúvida é válido nos dias atuais.
Será que o aumento de nossas capacidades de persuasão vai nos impulsionar em termos profissionais de forma ética? Ou será que anular totalmente nossa ambição e sede de poder é algo totalmente positivo? Eliminar nossa necessidade de aceitação social não é só um escapismo disfarçado de solução?
Enfim, o game aborda todas essas questões com uma dualidade muito interessante e vai nos bombardeando com diálogos e mais diálogos que no fim nos deixam em dúvida sobre nossa própria posição acerca do assunto.
Gameplay – Aceita um drink?
O game é um point and click focado na narrativa, então as ações realizadas pelo jogador em termos de gameplay são bem limitadas. A maios parte do tempo vamos passar lendo os diálogos e absorvendo a história. Felizmente o jogo está legendado em português do Brasil o que torna a experiência totalmente inclusiva, e salvo um dois errinhos, no geral as concordâncias estão perfeitas e a tradução é excelente.
Em se tratando de gameplay, existem basicamente quatro mini-games que compõem a jornada: inicialmente, com Akara, podemos esculpir os Módulos que vão ser colocados nas pessoas. Existe um material que deve ser modelado e temos três tipos de ferramentas com pontas distintas; triangular, quadrada e redonda. Há um botão para corrigir possíveis erros durante o processo e outro que toca uma música.
Basicamente movemos o mouse esculpindo o material baseado em um modelo que está em segundo plano. Não é tão intuitivo inicialmente, mas depois de entender a dinâmica se torna uma ação bem fácil.
Com Donavan temos o mini-game do barman, que consiste em servir bebidas específicas para nossos clientes com a intenção de extrair uma informação. Temos um leque de quatro bebidas, copo e gelo e a perspectiva que temos é a de Donavan atrás do balcão. Na silhueta do cliente tem uma série de círculos e cada um representa um status, como por exemplo descontração, medo, etc.
Ao encher o copo com determinada bebida o círculo principal que fica centralizado se desloca para uma direção e nosso objetivo é combinar os drinks para atingir o status que acharmos mais conveniente. Ao alinhar ambos os círculos podemos servir a bebida e consequentemente gerar uma reação e extrair a informação. Posteriormente o mini-game tem algumas adições, mas depois que se aprende a mecânica tudo se torna natural.
Com Brandeis há um mini-game de hackear. Essa mecânica não aparece com tanta frequência e é usada em uma parte específica do jogo. Nessa hora é mais uma questão de tentativa e erro do que qualquer outra coisa. Além disso há uma necessidade de dedução das coisas que estão acontecendo, então não é uma parte complicada e só requer uma certa atenção e entendimento lógico dos eventos.
E por fim temos a consequência das bebidas de Donavan que são as perguntas que podem ser feitas aos clientes do bar. Não há nada de complexo aqui, existem muitas opções de perguntas e direcionamentos que devem ser conduzidos de acordo com o que acharmos melhor. É importante saber o que explorar para obter o máximo possível de informações para a resolução dos mistérios.
São diversas possibilidades e não é possível explorar todos os diálogos em apenas uma campanha, então é altamente recomendável que o game seja revisitado para que você veja outros possíveis desdobramentos da trama.
Conclusão
The Red Strings Club é uma aventura narrativa magnífica que toca em questões profundas do sentimento humano e de fato subverte muitas de nossas expectativas em relação à quando começamos a aventura.
O fato de me questionar se eu realmente estava fazendo a coisa certa é um sentimento poderoso que só poderia advir de uma obra que certamente é especial. Você também irá questionar suas decisões e a foma como elas podem (ou não) reverberar no nosso mundo real é algo tão interessante quanto preocupante.
A música é uma experiência a parte, dê play no trailer oficial do game e aprecie a melodia melancólica, bonita e humana tocada pelo próprio Brandeis.
The Red Strings Club está sendo lançado hoje (22/01) e você pode adquiri-lo na Steam.