Análise Arkade – The Walking Dead: Survival Instinct (PC, PS3, X360, Wii U): um tiro pela culatra

6 de abril de 2013

Análise Arkade - The Walking Dead: Survival Instinct (PC, PS3, X360, Wii U): um tiro pela culatra

A HQ The Walking Dead, criada por Robert Kirkman, já rendeu um seriado que virou febre em todo o mundo e um ótimo game (o adventure The Walking Dead: The Game, da Telltale). Agora, o seriado serve de inspiração para um jogo; The Walking Dead: Survival Instinct, cuja análise completa você confere na sequência!

The Walking Dead: Survival Instinct

Plataformas: PC, Playstation 3, Xbox 360, Wii U

Produtora: Terminal Reality

Distribuidora: Activision

Todo gamer que se preza sabe que existe um temível tabu no mundo dos videogames: filmes baseados em games geralmente não dão certo, e games baseados em filmes também costumam decepcionar.

Embora não seja baseado em um filme, mas em um seriado de TV, The Walking Dead: Survival Instinct possui todas as características (para não dizer problemas) para se encaixar neste famigerado tabu que assola o mundo do entretenimento.

O tempo todo temos a impressão que o game foi feito às pressas, na correria, como os games que são assim produzidos para acompanhar a chegada dos filmes aos cinemas. Porém, aqui esta pressa é infundada, afinal a data de lançamento do game foi bem aleatória, pois o seriado estava apenas se encaminhando para o final de sua terceira temporada, e com certeza terá novas temporadas pela frente.

Análise Arkade - The Walking Dead: Survival Instinct (PC, PS3, X360, Wii U): um tiro pela culatra

Mas, ao contrário da produção do jogo, não vamos apressas as coisas, e vamos começar pelo começo. Sendo justo, devo ressaltar que a premissa do game até tem potencial, pois não se apoia na trama da série, mas serve como uma espécie de prelúdio para ela: se no início da série acompanhamos tudo do ponto de vista do policial Rick Grimes, neste game o protagonista é Daryl Dixon, personagem que vem ganhando cada vez mais destaque na série.

A trama acompanha a família Dixon durante o início do holocausto zumbi, muito antes de Daryl e Merle encontrarem Rick, Glenn e os demais personagens da série. O começo do jogo nos mostra a morte do pai dos irmãos Dixon por um ponto de vista muito interessante, e não demora para Daryl se dar conta que precisa abandonar seu lar e ir em busca do irmão.

Sua primeira missão é recolher um pouco de combustível para poder viajar na busca por seu irmão encrenqueiro. Acostume-se com isso, visto que esta será uma necessidade constante: a busca por gasolina, munição, alimentos e diversos outros suprimentos é o cerne do game.

Análise Arkade - The Walking Dead: Survival Instinct (PC, PS3, X360, Wii U): um tiro pela culatra

Se você é um fã do seriado, não se iluda achando que o game entrega algo fundamental para o entendimento da série, em termos de narrativa. Salvo a presença da dupla de protagonistas (que são recriações digitais dos atores Norman Reedus e Michael Rooker, que também emprestam suas vozes aos personagens), e o universo pós-apocalíptico, não temos nenhuma ligação mais profunda entre a trama destas duas mídias.

A jogabilidade segue a risca a cartilha de dezenas de outros FPS genéricos. Aqui, porém, a munição é relativamente escassa, e o barulho dos tiros acaba atraindo diversos zumbis. Felizmente, podemos contar com uma pequena variedade de armas brancas para matar zumbis de maneira mais rápida e menos barulhenta e, mais adiante na campanha, descolamos a icônica besta que Daryl empunha na série.

Análise Arkade - The Walking Dead: Survival Instinct (PC, PS3, X360, Wii U): um tiro pela culatra

Mesmo sem jamais ousar, mecânicas já testadas e aprovadas se enroscam nas diversas limitações do jogo. Por exemplo: a faca é sua arma mais básica, e lhe acompanha desde os primeiros minutos de jogo. Porém, não tarda para você encontrar armas melhores, como o martelo, que é bem mais eficiente na hora de destroçar os crânios apodrecidos dos desmortos.

Porém, mesmo depois que você arruma uma arma de contato melhor que a faca, não pode simplesmente jogá-la fora ou guardá-la fora de seu (escasso) inventário por um motivo simples (e tosco): absolutamente todas as animações de stealth kills – quando você se aproxima de um zumbi pelas costas, para dar cabo dele de maneira rápida e discreta – são feitas com a faca.

Ou seja, não importa se você está empunhando uma escopeta ou um martelo, sempre que for realizar um stealth kill, o personagem irá se dar ao trabalho de utilizar a faca, pois não houve tempo (ou empenho) para que animações com outras armas fossem feitas. Verdade seja dita, as finalizações com a faca até são bacanas, mas como só temos meia dúzia delas, não demora para que se tornem repetitivas e sem graça.

Análise Arkade - The Walking Dead: Survival Instinct (PC, PS3, X360, Wii U): um tiro pela culatra

Aliás, repetitivdade é a palavra que melhor define a campanha de The Walking Dead: Survival Instinct. O jogo resume-se a uma sucessão contínua de missões iguais: entre no carro, escolha seu destino, encontre um local passível de exploração, colete itens, ajude sobreviventes. Entre novamente no carro, escolha um novo destino, pare o carro em outro lugar, colete mais alguns itens, ajude mais alguns sobreviventes, e assim sucessivamente.

O game até conta com algumas boas ideias, mas elas são tão mal aproveitadas que acabam perdendo todo seu brilho. Por exemplo: sempre que você entra no carro, existem diferentes caminhos a sua escolha, geralmente levando para um mesmo lugar.

Viajar por rodovias asfaltadas consome menos combustível, mas as chances de encontrar uma boa região explorável é pequena, enquanto a probabilidade de uma infestação zumbi de grandes proporções aumenta. Já se você optar por estradas secundárias, o cálculo se inverte: você acabará gastando mais combustível, mas as chances de passar por lugares com bons itens aumenta, ao passo que estes locais terão menos zumbis.

Análise Arkade - The Walking Dead: Survival Instinct (PC, PS3, X360, Wii U): um tiro pela culatra

A escolha parece definir os rumos que seu jogo toma, mas na prática pouca coisa muda, pois você acabará passando pelos mesmos cenários genéricos, e caso fique sem gasolina no caminho, sempre haverá algum lugar nas proximidades – uma fazenda, um acampamento, uma cidadezinha qualquer – onde podemos encontrar galões de combustível dando sopa pelos cantos.

Vez ou outra o jogo tenta nos surpreender apresentando situações em que o carro quebra ou para de funcionar. Porém, tudo continua exatamente igual, com o diferencial que, ao invés de gasolina, agora teremos que entrar em um cenário genérico para buscar alguma peça qualquer para o veículo poder rodar novamente. Podemos trocar de carro durante a campanha, mas na prática, só o que muda é o número de pessoas que podem ser transportadas.

A exploração também não é tão divertida quanto poderia ser: o jogo encoraja-nos a adotar uma postura stealth – aplicando takedowns, criando distrações para os zumbis e se locomovendo sorrateiramente – mas eventos encriptados simplesmente destroem qualquer abordagem estratégica e calculada.

Análise Arkade - The Walking Dead: Survival Instinct (PC, PS3, X360, Wii U): um tiro pela culatra

Não importa se você passou os últimos 40 minutos se portando como um verdadeiro ninja, esgueirando-se pelas sombras e arremessando garrafas para atrair a atenção dos zumbis: na hora em que você estiver prestes a cumprir um objetivo especialmente importante, um alarme de carro vai disparar, tiros vão ecoar de algum canto ou algo vai explodir, atraindo dezenas de zumbis para o seu encalço.

Como estamos falando de um FPS, isto não deveria ser problema. Infelizmente, porém, nosso Daryl digital não é tão eficiente em combate como sua contraparte televisiva, de modo que enfrentar grupos de mais de três inimigos torna-se uma tarefa árdua, onde um quick time event chato dificulta a simples ação de acertar uma facada bem dada na cara do morto-vivo.

Na hora do desespero, podemos nos valer da inteligência praticamente nula dos zumbis, que ainda não ficou claro se é proposital (afinal, são zumbis) ou fruto de uma inteligência artificial mal feita: basta subir em um carro/caixote/balcão para que os zumbis não consigam te alcançar, para então dar cabo de um de cada vez. Não é a maneira mais rápida nem eficiente de proceder, mas geralmente funciona.

Análise Arkade - The Walking Dead: Survival Instinct (PC, PS3, X360, Wii U): um tiro pela culatra

E já que falamos em eficiência, devemos ressaltar que ela fica drasticamente comprometida por conta da escuridão: The Walking Dead: Survival Instinct conta com alguns dos ambientes mais escuros desde Doom 3.

E não estamos falando de um escuro atmosférico, feito para deixar o jogador apreensivo, como em Dead Space. O que temos aqui é uma escuridão exagerada, que em muitos momentos dificulta o progresso e impede que o jogador visualize itens, passagens, escadas e inimigos.

Outra ideia que funciona melhor na teoria do que na prática é a busca por sobreviventes. Existem diversas pessoas ilhadas no holocausto zumbi que podem ser ajudadas e recrutadas para seu grupo. Porém, elas não possuem qualquer relevância para o seguimento da história, e são NPCs no sentido mais literal da palavra.

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Eles até podem ser úteis pois, ao chegar em uma nova área, podemos equipar integrantes do grupo e designá-los para dividir as (mesmas) tarefas de buscar suprimentos. Uma barra diz o nível de periculosidade da missão, então você pode até ponderar suas decisões, mas esta é uma escolha sua, pois o jogo não faz o mínimo esforço para gerar empatia do jogador para com estes coadjuvantes.

Esta falta de emoção chega a um nível completamente absurdo: se seu grupo ficar grande demais, não caberá no carro, ou seja, você terá que deixar alguém para trás. E não há peso nenhum nesta decisão, o NPC é simplesmente chutado do grupo e ponto.

Já na primeira fase podemos ajudar dois sobreviventes, mas só um deles poderá ser levado no carro. Isso é especialmente bizarro se considerarmos que viajamos em uma picape, onde os coadjuvantes poderiam tranquilamente ocupar a carroceria. Ao lado das difíceis decisões que tomamos no adventure game da Telltale, o descaso com outros sobreviventes deste jogo beira o ridículo, indo contra os preceitos de união e sobrevivência tão disseminados no seriado televisivo.

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Por falar em união, devemos lembrar que boa parte da (mirrada) campanha de marketing do game destacou a relação dos irmãos Dixon. Se você esperava um modo cooperativo, ou algo assim, esqueça: o jogo é totalmente single player, e não conta com nada além de sua campanha, que dura no máximo 6 horas. O próprio relacionamento de Daryl e Merle – que no seriado foi muito bem construído – não possui nem de longe a mesma profundidade.

Bom, mas se nenhum aspecto deste jogo supera a barreira do medíocre, podemos contar pelo menos com uma parte técnica decente? Infelizmente não. Salvo o departamento sonoro – que bebe muito na fonte do seriado e, como já dito, conta com dublagens competentes dos atores Norman Reedus e Michael Rooker – todo o resto é simplório e mal acabado.

Os gráficos são totalmente simples, e parecem saídos diretamente de um jogo de 5 anos atrás. As (poucas) texturas são pobres, e a maioria dos cenários é extremamente genérica. Os poucos modelos de zumbis disponíveis são reaproveitados ao máximo, chegando ao cúmulo de vermos dois ou três desmortos idênticos em um mesmo grupo. Repare: só nesta nossa pequena galeria de imagens, temos um zumbi de macacão azul que aparece em umas 3 fotos diferentes.

Análise Arkade - The Walking Dead: Survival Instinct (PC, PS3, X360, Wii U): um tiro pela culatra

Para piorar, The Walking Dead: Survival Instinct ainda conta com diversas limitações técnicas da geração passada: temos paredes invisíveis impedindo nosso avanço e, ao derrubarmos um zumbi, ele simplesmente desaparece na nossa cara! A maioria dos games atuais tem a elegância de sumir com os corpos quando nos afastamos ou mudamos de ambiente, mas aqui não: o corpo sem vida dos zumbis derrotados simplesmente desaparece diante de nossos olhos.

As animações, tanto do protagonista quanto dos zumbis e outros personagens também decepcionam, pois são limitadas e nem um pouco naturais, assim como as expressões faciais, vazias e sem emoção. O próprio menu inicial parece feito “nas coxas”, e quando a gente acha que nada pode piorar, eis que percebemos que um cursor de mouse pode ser visto na abertura do game!

Duvida? Então confira a abertura do jogo abaixo, e bote um reparo especial no canto superior direito da tela: em dois momentos (aos 25 e 34 segundos), podemos ver nitidamente o cursor de um mouse, independente da plataforma em que você está jogando:

http://youtu.be/xgvIgrCUw1g

Fala sério, nem o mais amador dos jogos independentes comete este tipo de gafe! Por conta disso, fica a dúvida: será que isto foi pressa, falta de dinheiro ou mero descaso da produtora Terminal Reality? E mais: até que ponto é financeiramente vantajoso para uma distribuidora – no caso, a Activion – colocar um jogo tão mal executado no mercado, correndo o risco de receber péssimas críticas e acabar desacreditada pelo público?

O fato é que agora já é tarde, The Walking Dead: Survival Instinct já está nas prateleiras e muitos fãs do seriado já devem ter gasto seu suado dinheirinho em um jogo extremamente mal feito, onde ideias com algum potencial naufragam em um mar de relaxo e problemas técnicos.

No final das contas, o veredicto é: The Walking Dead: Survival Instinct não é uma boa pedida para ninguém: fãs do seriado, fãs de zumbis ou fãs de FPS; todos vão se decepcionar de alguma forma com este jogo tosco, feito simplesmente para aproveitar o hype do seriado.

Embora sejam de gêneros bem diferentes, em se tratando de The Walking Dead, o melhor mesmo é ficarmos com o adventure game da Telltale, que traduz com maestria os dramas pessoais de sobrevivência de um holocausto zumbi. Se o que você quer é dar tiros em zumbis com visão em primeira pessoa, até em Call of Duty pode fazer isso melhor.

Rodrigo Pscheidt

Jornalista, baterista, gamer, trilheiro e fotógrafo digital (não necessariamente nesta ordem). Apaixonado por videogames desde os tempos do Atari 2600.

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