Análise Arkade: Tokyo Dark, um envolvente thriller policial com elementos sobrenaturais
O selo Square Enix Collective (criado para dar suporte aos desenvolvedores independentes) vem apoiando jogos que estão tendo seu valor reconhecido, tais quais Black the Fall e Children of Zodiarcs que já analisamos aqui na Arkade. Tokyo Dark é o mais novo produto proveniente dessa iniciativa que ao misturar elementos de muitos gêneros consegue entregar um produto final surpreendentemente acima da média, confira nossa análise!
A surpresa se faz presente porque apesar do estúdio Cherrymochi (fortemente inspirado por cultura pop japonesa, estética de anime e aventuras ocidentais) não criar nenhum conceito realmente novo, ele consegue unir organicamente elementos normalmente usados em outras produções de uma forma coesa e gradual. É um brinde à boa narrativa. O projeto foi financiado pelo Kickstarter e arrecadou quase seis vezes o valor da meta inicial gerando assim uma expectativa interessante sobre o produto. Mas afinal, do que se trata Tokyo Dark?
Uma complexa visual novel situada em Tóquio
Em Tokyo Dark, acompanhamos a detetive Ayami Itõ, que está em busca de seu parceiro, Kazuki Tanaka, desaparecido há alguns dias. O que inicialmente parecia uma busca padrão acaba escalonando e se tornando um sinistro pesadelo, que a faz confrontar seu passado e questionar sua sanidade.
Essa é a sinopse oficial, mas creio que esse breve resumo necessite de um aprofundamento porque a história é muito mais complexa. É claro que os desenvolvedores não vão entregar os grandes momentos da narrativa na sinopse, mas o enredo me agradou de tal forma que acho válido dar leves spoilers da primeira hora do jogo para que você possa se sentir mais instigado, ok?
Caso essa descrição já seja o suficiente para você (é muito válido começar sabendo apenas a sinopse) sugiro que pule para o próximo tópico da análise, mas saiba que Tokyo Dark é muito mais que um game de investigação. Quem gosta de uma pitada de elementos sobrenaturais vai curtir muito! 😉
Tudo começa nessa jornada de Itõ em busca de Tanaka. O celular do detetive desaparecido começa a tocar em determinado local e assim o departamento de polícia pode rastreá-lo. Itõ, sendo informada da localização, se encaminha para lá e chega em um antro noturno de bares e locais para entretenimento adulto. Ela encontra o celular de Tanaka na lixeira e é instigada a ir até o esgoto do local.
Chegando lá, encontra seu parceiro de joelhos, com um saco na cabeça. Atrás dele, uma garota empunha uma faca e pressiona-a contra sua garganta. Há muita dualidade na cena, pois Itõ aparentemente conhece a garota de outrora, mas no momento tende a não se preocupar com isso e sim com a situação de seu parceiro. Depois de uma longa conversa e algumas escolhas a garota corta a garganta de Tanaka.
Depois disso jogamos dentro de um flashback, seis meses antes, época em que Tanaka está seguindo o rastro de um assassino e Itõ o ajuda na caçada em determinado momento. Tanaka pede ajuda e quando Itõ chega ao local vê uma garota subjugando outra, ameaçando-a com uma faca em seu pescoço. Itõ, em um momento de descontrole, atira e mata a suspeita e aparentemente tudo fica bem apesar do ato impensado.
O louco é que a garota que irá matar Tanaka no esgoto seis meses depois é a mesma garota que foi morta por Itõ naquele momento, em uma cena quase parecida. A partir daí a detetive parte em uma longa jornada para saber o que realmente está acontecendo, se algo fora do comum realmente está pairando sobre Tóquio ou se tudo isso é fruto de sua sanidade abalada pelos acontecimentos.
Muita conversa e pouco gameplay?
Tokyo Dark é classificado como um point and click de aventura com elementos de puzzle e foco nas escolhas (que assim como nos games da Telltale, têm consequências), estética de anime e uma característica robusta de visual novel. É inegável que todos esses elementos estão lá, mas a proporção que cada um tem faz muita diferença na experiência.
A exploração dos cenários é relativamente simples, pois os mesmos não são complexos em sua estrutura. Normalmente são áreas compostas de três a cinco locais que podemos explorar, resolver puzzles extremamente simples e o foco é mais evidente nas escolhas que fazemos.
Que escolhas são essas? Por exemplo: temos que extrair uma informação de um NPC, podemos ser diplomáticos ou incisivos como um legítimo “bad cop”. Basicamente o gameplay resume-se a isso no âmbito micro, ou seja, isso representa algo em 30% da experiência. No resto do tempo o lado visual novel — com linhas aparentemente infinitas de diálogo — é o que compõe a maior parte do jogo.
Então é bom saber em que tipo de experiência se está entrando. O elemento de point and click é ínfimo se compararmos com outros adventures como The Walking Dead ou Life is Strange (que já não tem lá muito gameplay, diga-se de passagem). Quem não tem um bom conhecimento de inglês e/ou não gosta de ficar lendo longos diálogos é bom passar longe desse título. Em cada conversa trivial os NPCs tem linhas de diálogo com mais de trinta frases tranquilamente. Pode-se dizer que por ter esse estilo acaba se tornando um produto de nicho, que no Japão é apreciado, mas que no ocidente não é tão cultuado.
Ainda que o ritmo de visual novel possa terminar a experiência um tanto cansativa, a qualidade do roteiro faz tudo valer a pena. Gostei muito de Tokyo Dark porque apesar de contar com diálogos exageradamente grandes, todos são muito bem construídos. É impressionante como todas as conversas tem um teor adulto, verossímil e sempre com uma reflexão implícita.
Mas apesar do gameplay em si não ser o foco, há um sistema muito interessante chamado S.P.I.N. Podemos dizer que são os atributos da personagem que aumentam ou diminuem de acordo com nossas decisões durante a campanha. Temos 4 medidores (imagem acima) que mostram como estão os níveis de sanidade, profissionalismo, habilidade de investigação e neurose de Itõ. Por exemplo: quando você toma uma decisão eticamente questionável (tipo arrancar uma informação de alguém à força), seu nível de profissionalismo cai, mas o de investigação aumenta. E a barra de sanidade está sempre instável, o que é um perigo para a personagem.
Manter as estatísticas do S.P.I.N. minimamente ajustadas é um exercício extremamente complexo, dado o alto nível de imprevisibilidade das situações. E como o jogo está dando auto-save o tempo todo, não tem essa de “não gostei, vou refazer essa parte”. Tome suas decisões e conviva com as consequências delas… como na vida real, oras!
E o audiovisual?
Para os cenários do game, foram usados locais reais de Tóquio como inspiração para a construção da arte 3D dos ambientes. O resultado é muito bonito, e possui forte a identidade de uma metrópole que consegue moderna e um tanto obscura, sem deixar de lado suas raízes.
O design dos personagens principais é muito interessante, pois parecem oriundos de animes. Acho que a única crítica que tenho ao jogo é o design de personagens terciários. Na medida em que Itõ tem olhos grandes como é comum no traço japonês, alguns NPCs tem o design muito ocidental, o que fica meio destoante, e dá a impressão que são personagens de mundos diferentes. Mas é algo pequeno, no geral o visual do game é satisfatório.
A trilha sonora é original e foi composta por Matthew Steed e casa muito bem com a proposta do game, misturando temas misteriosos com faixas de suspense e terror que não devem nada para as que ouvimos nas melhores obras do gênero. O game possui poucas vozes, de modo que os diálogos se desenrolam mesmo é na leitura de textos. A falta de legendas em português — e o volume de diálogos — torna indispensável um bom nível de inglês para quem não quer ficar boiando.
Conclusão
Tokyo Dark é uma grata surpresa de 2017 e possivelmente estará na lista dos melhores indies do ano. O trabalho da Cherrymochi foi impecável em praticamente todos os aspectos: os diálogos são muito bons, a história é muito rica em sua mitologia, os personagens são profundos e têm emoções muito humanas. Enfim, é uma bela obra, e mais um ótimo game a integrar o já excelente catálogo do selo Square Enix Collectives.
Ah, e vale lembrar que o jogo possui nada menos que 11 finais diferentes! Considerando que cada jogatina pode levar entre 6 e 8 horas, se você quiser ver todos os possíveis desfechos da aventura sobrenatural de Itõ, o fator replay desse game é enorme.
Tokyo Dark está sendo lançado hoje, 7 de setembro, na Steam para PC e Mac.