Análise Arkade – Tormenta: O Desafio dos Deuses e seu mundo de problemas
Após uma campanha bem-sucedida no Catarse, finalmente chegamos ao mundo de Arton digital com Tormenta: O Desafio dos Deuses. Mas será que essa nova empreitada vingou? Confira em nossa análise!
Tormenta, para aqueles que desconhecem, é um reconhecido cenário de RPG brasileiro, alcançando seu ápice ainda na época de circulação da Revista Dragão Brasil, em coexistência do conjunto de regras para o sistema 3D&T (muito popular na minha meninice).
O cenário já foi explorado em diversos espectros de entretenimento tais quais romances literários(Trilogia da Tormenta), quadrinhos (Holy Avenger e 20 Deuses) e uma mini rádio novela (para sempre lembraremos), agora, finalmente, iremos nos aventurar por Arton neste beat’n’up com tons de RPG.
Perdidos no espaço-tempo
O préludio começa na Batalha de Amarid — um relato que aparentemente é narrado por um (o único no mundo de Arton), gnomo(Lorde Niebling) — onde o Exército do Reinado se reúne sob o comando de Shivara Sharpblade para interpolar um assalto a um dos focos da Tormenta.
Conhecemos então Samson e Selena, que fazem parte desse exército. A primeira impressão é que são personagens rasos e genéricos (um guerreiro humano e uma arqueira elfa). Eles ajudam na invasão da Área de Tormenta, sendo a mesma a primeira fase do jogo, que é dividida em áreas curtas e maçantes onde o único objetivo é derrotar as hordas de inimigos, como em qualquer beat’n’up que se preze.
Ainda neste primeiro “mundo”, vemos um lampejo do que nos aguarda no resto do jogo: personagens icônicos de Arton fazem aparições breves num formato ilustrativo(como Talude e Vectorius) o que dá aquele gosto de importância de que nossos heróis farão alguma mudança significativa no mundo.
Finalmente, ao término da primeira fase, Samson e Selena encontram o líder dos Lefeu, Gatzvalith. Quando estes estão prestes a serem corrompidos pelo Lorde da Tormenta, são resgatados por Khalmyr (deus da ordem) e Wynna (deusa da magia) para cumprir uma missão, que só os mesmos seriam capazes de executar. Como ultrapassaram o núcleo da Tormenta, há uma explicação breve de que eles agora estão fora do espaço-tempo continuum usual, e que por isso conseguirão viajar no tempo, indo em momentos chaves na história do mundo de Arton para se fortalecer e combater Gatzvalith, num futuro próximo. Assim inicia o Desafio dos Deuses, que começa numa peleja para salvar Niala, uma sumo-sacerdotisa de Wynna, da corrupção do Lorde da Tormenta.
Briga de rua high fantasy
Em Tormenta: O Desafio dos Deuses, você pode escolher entre dois personagens com mecânicas diferentes entre si. Enquanto Samson é um guerreiro altivo, que encara a morte de frente, a nobre elfa Sellena utiliza suas flechas para enfrentar os perigos das fases que se seguem. No começo do jogo podemos escolher entre o modo cooperativo ou campanha solo, e as opções tanto gráficas quanto de controle foram carregadas antes do jogo começar.
Não há a seleção de dificuldade, fica subentendido que é um beat’n’up progressivo, onde a evolução dos personagens, através das fases e recompensas, decidirá a forma como o jogo irá responder à sua evolução, tal qual clássicos do gênero como Golden Axe e The King of Dragons.
Na tela após a seleção de personagem, você pode decidir como irá distribuir os pontos entre atributos primordiais do RPG: força, destreza, constituição, inteligência, sabedoria e carisma, e entre 6 habilidades (talentos), 3 delas passivas e 3 ativas, que variam dependendo do personagem escolhido. Cada um dos protagonistas possui vestimentas também pré-definidas na tela de seleção, tais skins que homenageiam personagens icônicos do mundo de Arton, como o Katabrok, o bárbaro, Niele a elfa de Holy Avenger, entre outros.
No percorrer do jogo cada inimigo derrotado gera uma determinada quantia de XP para os personagens, estes pontos serão usados para passar de nível, tal qual um RPG tradicional. A cada nível você receberá 3 pontos de atributo para aumentar seus poderes e os níveis ímpares rendem pontos de talentos que compram novos movimentos ou aprimoram os anteriores. Essa mecânica de evolução de novas habilidade acaba lembrando de jogos da franquia D&D, para arcade, como Tower of Doom e Shadow Over Mystara, onde cada novo nível gerava aprimorados movimentos para os personagens.
Um mundo (e jogo) de problemas
Sobre a jogabilidade: aqui é onde houve momentos em que a simples conclusão de uma área começou a se tornar sofrível. Começando por certos problemas de movimentação, que me incomodaram a ponto de imaginar que poderia ser algum tipo de falta de costume (joguei no teclado) até a total falta de cuidado no level design, com elementos colocados em primeiro plano (na frente dos personagens e do cenário), o que cria pontos cegos não propositais que dificultam a vida do jogador.
Primeiramente, o personagem, na área das fases, possui uma movimentação que acompanha alavancas analógicas, mas, infelizmente, como em jogos do formato, só age num plano linear, atacando apenas ou para a direita, ou para a esquerda. Isto não é problema, admito, no entanto, a questão de perspectiva que você deve estar na mesma linha do inimigo para acertar um golpe me enganou diversas vezes. Em alguns momentos tinha a certeza de que acertaria os meus inimigos, e errava, em outros o contrário acontecia; calhava de achar que não iria acertar e acabava acertando, por vezes o inimigo me alvejava e eu, na mesma linha, não conseguia fazer o mesmo contra ele.
Não parecia uma estratégia do jogo, e sim uma falha constante, uma experiência que para mim foi só bastante frustrante, mesmo quando venci o primeiro chefão aproveitando-me disso: fiquei num ponto estratégico na parte superior do cenário, de modo que conseguia acertá-lo enquanto o mesmo permanecia totalmente parado, numa IA confusa, pois provavelmente não me reconhecia como inimigo ou simplesmente não alcançava aquele ponto. Foi fácil até ele sair correndo da tela para mostrar outra clássica forma de combate em beat’n’up de chefão, aquele tipo que sai da tela e volta atacando em investida.
O pior momento que vivenciei em Tormenta: O Desafio dos Deuses, porém, foi na floresta de Myrvallar. Numa das pontes através do cenário, algo aconteceu que me fez cair dela e não morrer. Em outras palavras o jogo quebrou, e permaneci embaixo da ponte (conseguindo me mover no buraco) até resetar o jogo, tendo que começar toda a fase novamente. Foi decepcionante.
Um outro problema frequente é a falta de polimento nos gráficos. Nos saltos do meu personagem eu conseguia observar, através de sua cintura, a paisagem ao fundo, como se ele fosse um boneco mal costurado e defeituoso, e isso quando eu testava se conseguia saltar e atacar ao mesmo tempo, e não, não conseguia pois não é possível este feito no jogo.
Quebrar itens do cenário — assim como nos clássicos que possuíam barris, caixas e latas de lixo — muitas vezes é impossível se você permanecer de maneira perpendicular ao item em questão, o que, novamente, gera um desconforto de que estamos fazendo os movimentos certos, todavia, não estamos sendo recompensados corretamente.
Elementos do cenário, ao fundo, muitas vezes desapareciam e reapareciam, e acredito que não era nenhum tipo de efeito, mas só algum glitch estranho mesmo, o que foi piorando a jogatina de maneira vertiginosa.
Por fim houve momentos em que Tormenta: O Desafio dos Deuses me ajudou. Na loja, por exemplo, é muito simples já mostrar os itens que você tem equipado atualmente, não precisando comparar diretamente com os demais. Comprando um equipamento melhor do que o seu, o jogo o equipa automaticamente, o que pode parecer uma besteira para uns, mas faz, sim, uma grande diferença se o ato for repetido diversas vezes ao longo do jogo.
Graphic Novel ou Visual Novel
A arte de Eduardo Müller é muito bem encaixada nos momentos certos do jogo, seja numa conversa com os maiores magos do mundo, num momento desesperador em que seus olhos choram sangue ou numa loja que continua em funcionamento mesmo dentro de um castelo(dentro da área da Tormenta) em chamas.
O traço é bem característico dos próprios manuais que deram origem ao cenário Tormenta, numa mistura de mangá com coloração vibrante de comic book ocidental. Por diversas vezes me imaginei lendo a história, quando ocorria a mudança de narrativa para ilustrações, num formato de graphic novel, o que me agradava bastante por ter um texto bem escrito(mesmo com protagonistas não tão bem desenvolvidos). Depois de algum tempo, as partes da jogabilidade começaram a servir apenas como uma compensação, e empecilho, para avançar e assistir a história, onde eu me forçava a terminar determinada fase simplesmente para poder continuar lendo o que aconteceria a seguir.
Toca no meu alaúde
A trilha-sonora é envolvente. Há momentos em que a diegese se mistura com a música ao fundo, formando um ambiente interessante de high fantasy no qual se baseia o próprio jogo em questão. Um exemplo na floresta de Myrvallar seriam os pássaros e barulho da fauna local, que por muitas vezes, pareciam dançar no ritmo da trilha, o que achei um aspecto relevante e simpático.
Que Nimb role bons dados
Se você não é um grande conhecedor de Arton, ou nunca sequer combateu uma horda de goblins pelos calabouços do Reinado, este dificilmente será um jogo divertido para você. Tal qual uma piada interna, infelizmente, só aqueles que se interessam pelo mundo já reconhecido, ou quem já jogou no cenário e ainda o lembra de forma nostálgica, como eu, irá realmente se sentir cativado a terminar o jogo, seja pelos grandes heróis famosos e suas pequenas participações, ou pela história envolvente e bem executada. Tormenta é, genuinamente, um mundo fantástico e cheio de aventuras.
Fico assim no aguardo que seja novamente explorado num formato digital fazendo jus ao seu nome e que seja melhor polido, sem tantos bugs e falhas. Não sei vocês mas vou ali tirar a poeira dos meus dados.
Tormenta: O Desafio dos Deuses foi lançado no dia 31 de março, com versões para PC e MAC, na data desta publicação.