Análise Arkade: Trials of Mana, um remake fruto de decisões esquisitas
No mesmo mês em que lançava um dos remakes mais esperados da história dos games — Final Fantasy VII Remake –, a SquareEnix também lançou um outro remake: Trials of Mana.
As decisões da SquareEnix em relação ao remake de Trials of Mana não foram muito coerentes no sentido comercial: lançá-lo praticamente junto com Final Fantasy VII Remake não é muito bom para o número de vendas. Apesar dos ótimos trailers e uma demo excelente, não tinha como não se preocupar com uma possível falta de investimento que poderia comprometer a qualidade final do jogo. Bom, mas antes de falarmos disso, vamos tratar da história do jogo?
A história e seus personagens
A Mana Goddess usou a Sword of Mana pra aprisionar os benevodons, que estavam destruindo o mundo, em pedras elementais chamadas Mana Stones. Então ela reconstruiu o mundo, se tornou a Tree of Mana e dormiu por conta do cansaço de todo esse processo.
Agora, vilões apareceram querendo a Sword of Mana e liberar os benevodons pra alcançarem seus objetivos. Enquanto isso, existem os seis personagens do jogo, os quais podem ser escolhidos três para a campanha inteira e o primeiro escolhido se torna o protagonista. São eles Duran, um soldado do reino de Valsena que quer trocar de classe e obter poder pra salvar seu reino do vilão Crimson Wizard. Angela, uma maga que quase foi morta pela própria mãe quer é a rainha de Altena). Hawkeye, um ladrão que teve sua a namorada amaldiçoada pela vilã Isabella.
Há também Charlotte, uma clériga que está tentando descobrir o que aconteceu com o irmão que desapareceu. John Wick Kevin, um lobisomem pugilista que teve seu lobo morto por uma magia e quer achar um jeito de ressuscitá-lo e Riesz, a princesa amazona que teve o irmão mais novo sequestrado. Pode se dizer que a história começa muito bem, com conversas meio longas que não devem ser problema pra quem está acostumado com RPGs.
Depois que tudo o que foi pré-apresentado pela demo acaba, a história despenca… mas calma, não é que ela vai ladeira abaixo, ela literalmente despenca: os personagens são atirados de um penhasco por membros da raça do Kevin é a metáfora perfeita pra demonstrar o que acontece. A verdade é que a história fica bem rasa, e por muito tempo temos que ficar indo do ponto A ao ponto B, onde algo de meia linha de roteiro acontece, aconteceu ou acontecerá.
Um jogo ter uma história muito simples não é proibido, mas o fato de que o início era denso nesse aspecto e por serem longas as horas que ele permanece nesse ritmo, sente-se falta de uma narrativa com mais força pra empurrar o jogador. Às vésperas do clímax a coisa melhora um pouco, simplesmente porque o jogo não se proíbe de evoluir a história, mas não que fique boa, evolui do “raso” para o “razoável”. Até existe um elemento quase genial nela, mas que maioria não deve perceber e é só um detalhe, e pode inclusive ter sido feito sem querer pelos roteiristas.
Ação Tradicional e melhor do que hack n slash
Apesar de o multiplayer do jogo original — que permitia que o segundo jogador controlasse um aliado durante a batalha — não estar mais presente, o sistema de batalha de Trials of Mana é de longe o seu melhor aspecto, e provavelmente está entre os melhores já criados pela SquareEnix (junto com os de Chrono Trigger e do elogiadíssimo Kingdom Hearts 2). As batalhas começam confortáveis e fluidas contra os inimigos mais fracos, e se tornam realmente épicas contra os chefões a partir da metade do jogo.
É possível usar ataques fracos, ataques fortes, ataques fortes carregados, combos que variam entre mais simples e mais complexos e ataques de pulo. Além de itens, magias ou técnicas mágicas caso a classe do personagem permita. Por exemplo, ninjas fazem sinais de mão e falam coisas como “Katon!, Raiton!, Suiton!”, assim como acontece em Naruto.
Também existe um sistema de passagem de tempo entre dia e noite e dias da semana baseados nos nomes dos espíritos elementais (ambos existiam no original), e cada dia dá um bônus no espírito elemental respectivo. Por exemplo, no dia do Gnome, espírito da terra, magias de terra receberão bônus. Esse elemento é pouco aproveitado, o que não é necessariamente ruim; significa que o jogo não exige esperar até certo dia só pra ganhar o benefício.
Inclusive, dependendo das classes usadas durante a campanha, pode-se acabar nem cruzando com magias elementais, ou seja, o benefício acaba sendo recebido pelos inimigos. O único bônus bom do tipo ocorre ao usarmos Kevin durante a noite: ele se torna um lobisomem, recebendo um grande aumento de força.
O jogo tem um grande foco nos Class Strikes, ataques especiais liberados ao se conseguir uma determinada quantidade de cristais que podem ser achados em jarros durante a exploração e atacando os inimigos. Combos, ataques fortes e staggers dão uma maior quantidade de cristais, além de que a cada troca de classes se consegue um novo e mais poderoso Class Strike.
É possível também associar itens e magias a teclas de atalho, um recurso dispensável, mas que agrada quem gosta de ter essa opção — o mesmo pode ser dito da trava de mira. Claro que nem sempre os aliados controlados pela IA tomam as melhores decisões, mas até aí, todo RPG similar sofre disso. No entanto, é possível configurar isso e diminuir a quantidade de besteiras que eles fazem. Essa configuração se baseia na agressividade dos aliados e no uso de itens, MP e pontos de Class Strike.
O fato do sistema de batalhas ser tão bom não quer dizer que não existam problemas indiretos relacionados a ele. Por exemplo, a cada level se ganham training points, que são usados para abrir novas habilidades para os personagens, porém nem todas as descrições dessas habilidades são bem explicadas. Pode acontecer de uma habilidade lhe conceder benefício contra inimigos, mas não fica claro se vale contra chefes ou não. Acontece com a minoria, mas logo fica mais viável salvar o jogo antes de melhorar os stats.
Um dos carros-chefe do jogo é a troca de classes de cada personagem, assim como no jogo original, é um sistema muito bem trabalhado. A escolha da nova classe realmente depende muito da estratégia do jogador, e mesmo assim você pode ficar alguns minutos pensando em qual classe te satisfaz mais. É preciso dizer que é possível tanto resetar a classe como resetar os training points, mas no caso da classe envolve mais cansaço.
Explorando o mundo
A exploração também é um aspecto muito bem feito no jogo, diferente do original, agora podemos pular e dar cambalhotas como em The Legend of Zelda. Existem vários itens representados por baús e brilhos dourados espalhados pelo cenário, e é divertido ir alegre e saltitante atrás deles. Existe também o Lil’ Cactus, um cacto ambulante pequenino que está escondido pelos cenários do jogo.
A cada cinco vezes que for encontrado, este cacto dá prêmios como descontos em lojas ou aumentos de ganho de experiência. Claro que esse aspecto tem falhas, como personagens se trancando em pedaços do cenário, mas o jogo oferece compensações e no geral atrapalha o mínimo.
O fator replay também é um elemento importante: como se pode escolher três personagens de seis, se pode testar várias combinações diferentes que usarão classes também diferentes. Como se não bastasse, o chefe final varia de acordo com o protagonista escolhido, por exemplo, um deles é apenas o vilão se o protagonista for o Duran ou a Angela e assim por diante. Muitos reclamaram da falta de dificuldade da demo: para escrever este review, jogamos no Hard e algumas batalhas deram trabalho, então sugerimos jogar nessa dificuldade.
Audiovisual
O visual é simples, bonito e colorido, como se tivessem contratado um bom desenhista e lhe dito: “você pode usar essa caixa de 18 lápis de cor, não a de 36 ou 74”, ou seja, o jogo é bonito, mas tem uma paleta de cores um tanto limitada. Não existem muitos efeitos de fluídos ou partículas, cloth simulation ou etc. É preciso dizer que algumas pessoas se incomodaram com a câmera, mas talvez este seja um problema nos consoles, porque jogamos a versão PC e não tivemos problemas com isso.
Um problema do jogo são as cidades, que não tem muita diferença entre elas. A maioria das cidades são compostas por casas de NPCs, lojas, uma construção particular e é isso. O que mais faz elas variarem é o clima do lugar, mas de resto elas devem muito para outros jogos de jornadas que têm cidades realmente variadas. Outra questão que incomoda um pouco é o enorme reaproveitamento de modelos de NPCs e inimigos: o mesmo modelo é usado diversas vezes, seja o corpo inteiro de um desses NPCs ou apenas uma parte dele, como o cabelo, roupa e etc.
Os monstros também se repetem bastante. Se você é daqueles que não se importa com monstros recoloridos, saiba que nesse jogo isso é um luxo. O jogo tem um sistema de level para os monstros que permite que o mesmo monstro de level 5 do início seja reusado no level 10, 16, 21, 27 e assim por diante.
A trilha sonora sofre do mesmo problema de reaproveitamento: as músicas são muito boas, uma evolução notável se comparadas às originais por conta da tecnologia atual e à excelente ideia de realçar os acordes principais de cada uma. No entanto, por melhores que sejam, elas repetem muito. Muitos lugares são revisitados, então acaba-se ouvindo as músicas repetidamente por serem os temas desses lugares, mas além disso, o tema de uma floresta, por exemplo, é usado para todas as outras florestas do jogo.
A dublagem também merece destaque: não é que a dublagem japonesa seja particularmente boa, mas a americana é pavorosa. As vozes não combinam com os personagens, o sincronismo com os movimentos labiais são ruins e abusam no gerundismo. A japonesa é boa, o único problema é que as mulheres jovens têm vozes de adolescentes colegiais, mas toda dublagem japonesa é assim. Ah, e só para avisar, não estão disponíveis nem legendas e nem dublagem em português brasileiro.
Conclusão
Todos esses reaproveitamentos — junto do fato do lançamento do jogo ter sido junto com o do Final Fantasy VII Remake — sugere que este é um jogo “menor”, de orçamento foi baixo, mas não é. O jogo tem inclusive uma quest extra, que não existia no jogo original. Essa quest abre uma nova classe para cada personagem e um chefão mais difícil do que o final, que pode ser enfrentado diversas vezes para evoluir mais os personagens.
Essa quest é interessante: se separarmos ela entre história e jogabilidade, na questão de história parece que pensaram assim: “Aqui está uma lista do que não se pode se fazer em uma história: furos de roteiro, falta de sentido e clichês” e alguém responde: “Beleza, vamos fazer essas três coisas”. Na jogabilidade a parte de Angela foi interessante, pois o desafio dela envolve uma batalha bem difícil que acontece de uma forma diferente do normal.
A quest é decente nesse aspecto; a dungeon final é realmente longa, não que isso seja bom ou ruim. Obviamente que se não tivessem feito essa quest, nem tivessem destinado tempo e dinheiro nela, mas tivesses usado estes recursos para lapidar melhor o jogo, e evitar as tantas repetições de NPCs, monstros e músicas, a experiência como um todo melhoraria muito.
No geral, Trials of Mana é um remake apenas decente: não é ótimo, mas também não é ruim. Se por um lado a SquareEnix perdeu a oportunidade de fazer justiça à grande obra que é o original do Super Nintendo, também deve se considerar que este é um grande passo desde o remake ruim de Secret of Mana. Pelo andar da carruagem, podemos esperar que o provável remake de Legend of Mana seja bom de fato. O lado bom de torcer para que remakes sejam bons é que, independente se forem ou não, sempre podemos jogar as versões originais.
Trials of Mana foi lançado em 24 de abril, com versões para PC (versão analisada), Playstation 4 e Nintendo Switch.