Análise Arkade – Two Point Museum é bom demais para passar só uma noite por lá

Cuidar de um museu nunca pareceu algo particularmente empolgante ou divertido até que Ben Stiller passou por tremendas confusões no divertido e inofensivo Uma Noite no Museu, filme de quase 20 anos atrás. Afinal, se a arqueologia sempre nos despertou um certo fascínio desde Indiana Jones até Jurassic Park, a administração institucional dificilmente cativa tantos jovens assim.
Como uma geração que, infelizmente, tem pouco costume de visitar estes importantes pedaços da nossa história, é difícil compreender como um produto como Two Point Museum poderia se provar uma aposta interessante da SEGA e da própria Two Point Studios. Difícil, claro, se não fossem por esses dois pontinhos que conquistaram o respeito e atenção dos adeptos do gênero.

Com Two Point Hospital (que naquele momento pegava carona na premissa interessantíssima do saudoso Theme Hospital) e, mais tarde, com Two Point Campus e sua proposta insana de nos colocar na pele de quem se propõe e cuidar de uma instituição de ensino, os desenvolvedores criaram um modelo sustentável, divertido e muito cativante.
O desafio aqui — de transportar os princípios sedimentados nas produções anteriores para o cuidado com museus — certamente tinha o potencial de ser das experiências mais interessantes e, felizmente, se prova o maior e mais equilibrado acerto de toda a franquia, nos oferecendo um jogo refinado, viciante e muito bem equilibrado, que deixaria os chefes do Smithsonian orgulhosos.

Uma carreira emocionante
Logo de saída, Two Point Museum nos apresenta a um mundo que de tedioso não tem nada. Cuidar de artefatos antigos parece ser só um dia protocolar qualquer, e realmente o jogo precisa contemplar banalidades como limpar as atrações empoeiradas ou garantir acesso aos banheiros. O engajamento está exatamente nos detalhes de como isso tudo acontece, com um resultado final que se prova algo muito maior.
Isso porque, seguindo a tradição da série, o realismo do trabalho encontra elementos fantásticos e paródicos às centenas. A maior qualidade do jogo, tal como em seus antecessores, está em tornar divertido o que seria banal ao brincar com o exagero de possibilidades.

Ao mesmo tempo em que sim, precisamos cuidar do acesso, da cobrança de entradas e da disponibilização de água ou bancos para os nossos visitantes não se sentirem desconfortáveis, precisamos também acalmar fantasmas envergonhados e nos preparar para maldições do Egito Antigo. Tudo isso enquanto paparicamos uma celebridade que vai aumentar muito o prestígio do estabelecimento, ou organizamos visitas especiais que vão exigir muito de nossos especialistas de plantão.
A campanha central é composta basicamente por cinco museus diferentes, pelos quais passamos um a um para conhecermos todos os tipos de atrações e tarefas possíveis, onde a meta é, obviamente, conseguir cuidar de tudo sem falir o lugar, garantindo que ele continue funcionando de forma sustentável.

Nossos empreendimentos não funcionam como fases sequenciais, porém, e mais do que terminar um para avançar para o outro, a dinâmica de jogo exige que circulemos por todos eles em um movimento constante de progressão e ampliação do potencial de cada tema individualmente e em conjunto, sempre brincando com o alegórico e o absurdo.
Esta mescla entre o mundano e o fantástico funciona ao convergir para o humor escrachado e quase pueril, como em um episódio de Chapolin Colorado. Particularmente, eu sempre gostei de perder (ou ganhar) tempo em jogos de administração me aproximando dos NPCs para acompanhar um pouco de suas vidinhas naquele mundinho que eu criei.

Na série Two Point, esse voyeurismo é dos mais satisfatórios dentre todos porque os personagens, por mais simplórios que sejam, tem comportamentos hilários que pouco influenciam no todo, mas que ao mesmo tempo fazem toda a diferença.
É ótimo ver uma criança se divertindo no parque recém pesquisado pelo laboratório enquanto um sujeito passa correndo apertado porque os banheiros ficaram longe das atrações. Aí, do nada, vemos um sujeito fantasiado de múmia que esbarra em outro cansado procurando um banco para se sentar acompanhando uma criança entediada porque não tem atrações interativas o suficiente para ele.

São coisas assim que dão substância e propósito para o jogador realmente se importar se faz um banheiro com dois assentos ou se investe em mais uma planta de enfeite, ou se aumenta os corredores para adicionar uma máquina de comida ao invés de abarrotar tudo com mais ativações ligadas ao mesmo dispositivo de informação.
Gerenciar um espaço qualquer, seja a cidade de SimCity, um país em Tropico, ou um singelo museu aqui é muito mais do que ver os lucros crescendo com contas equilibradas. A verdadeira imersão está em criar condições, com as ferramentas que se tem em mãos, para que aquilo funcione para um bando de personagens virtuais sem importância nenhuma com os quais nos importamos muito.

Tudo ao toque de alguns botões
Outro grande enigma em jogos de estratégia e gerenciamento em tempo real, principalmente em consoles — para esta análise, utilizamos a versão de Playstation 5 — é a interface de criação, gestão e acompanhamento das inúmeras unidades. Se nos jogos anteriores, esse problema se provava superado, aqui ele está ainda mais potencializado. Em Two Point Museum, temos a melhor jogabilidade do gênero em muito tempo.
Os menus são bastante conhecidos e trazem elementos já esperados por todo mundo que já jogou algo parecido em tempos recentes. Há uma opção para criação de salas e novas instalações, que definem basicamente o espaço físico; outra para a inserção de mobiliário e objetos cênicos, e outro para os recursos humanos, na contratação de pessoal de staff.

No primeiro, criar salas em formato de quadrantes é exatamente como já vimos antes, com cada ambiente servindo para propósitos específicos, como sanitários, sala de descanso, laboratórios de pesquisa, etc. Dependendo do avanço na campanha, do tema do museu ou do uso da opção sandbox, novas salas e atribuições são liberadas.
Por sua vez, o menu com objetos é mais complexo e, dependendo do ponto da campanha, saturado. É o mais difícil de se cuidar pelo volume de conteúdo, que mesmo organizados por categoria ainda não conseguem escapar das listas enormes que demandam um bom olho para identificar e encontrar aquilo que se deseja.

O terceiro deles traz suas listas de especialistas, assistentes e zeladores, categorias profissionais com atribuições direcionadas às demandas do museu, mas todos com algumas características em comum, como os custos de salário e atribuições específicas.
Cada elemento novo vai para além da aparência ou de valores exatos, e demandam um aprofundamento bastante acessível ao toque de alguns botões, mas que carecem de cuidado e planejamento. Precisar de um atendente porque o atual foi descansar é mais do que contratar automaticamente o primeiro nome da lista. Há que saber se é necessário, o quanto isso impacta no orçamento, o que um novo funcionário traz de benefícios únicos e muito mais.

São esses meandros de micro gestão que fazem de Two Point Museum, tal como seus antecessores, um destaque diante outros jogos do gênero. Sem banalizar níveis de complexidade e variáveis importantes, é um jogo que nunca deixa de se preocupar com o equilíbrio entre dar opções e possibilidades que de fato impactam no conjunto da obra. O tempo todo você sabe o que deve ser feito e quais os impactos de cada ação.
Expedições e explorações
Um dos maiores diferenciais na comparação com Hospital e Campus é a necessidade de se promover explorações para o aprimoramento do museu. Afinal, não há como se expor artefatos históricos sem obtê-los, e como itens únicos não são adquiríveis em qualquer loja, é necessário encontrá-los em campo, tal qual Nathan Drake nos ensinou.

A função dos especialistas, portanto, é também buscar por esses itens em vários sítios arqueológicos espalhados pelo mundo do game. Escolhemos um ponto no mapa, o detalhamento da escavação (que tem um custo financeiro, de tempo e de perigos) e enviamos nossa equipe para lá.
O resultado, que chega de helicóptero, se aproveita de uma mecânica interessante com elementos de aleatoriedade. Você pode descobrir itens com níveis diferentes de qualidade e raridade, que expostos, impactam na atratividade da instituição. Quanto melhor conservados, mais visitantes, e melhor o humor deles não só de voltar, mas também de doar mais dinheiro para equilibrar as contas do museu.

Este aspecto de imprevisibilidade nos garante a necessidade de planejamento e adaptação em tempo real das estratégias. Afinal, sem dinheiro infinito, cada expedição precisa ser bem calculada, e o resultado pode ser distinto do que o previsto, algo que impacta no que deve ser feito ou não a seguir.
Você pode, por exemplo, encontrar três partes de um grande dinossauro e investir pesado para achar a última delas e, de repente, receber a primeira parte de outro animal extinto. Pode tentar mais um poltergeist pra preencher a sala e receber uma estátua sinistra épica, ou pode simplesmente receber mais um pedaço de pedra e um especialista machucado que fica fora de ação por alguns dias.

Por mais repetitivo que isso possa se tornar ao longo das dezenas de horas da campanha ou das centenas no modo sandbox, o formato jamais cansa exatamente porque se apropria de uma série de possibilidades para que cada viagem seja realmente única.
Será que mando cinco ou seis funcionários para tentar este item estrondoso ou mantenho as viagens com pouco investimento e mais atrações comuns? Melhor continuar esgotando esse local de onde já tirei quase tudo ou abrir um novo sítio arqueológico e ver o que sai de lá? Cada escolha muda o perfil do museu, e cada nova campanha pode ser totalmente diferente daquilo que parecia seguro na anterior.

A minha maior dificuldade em jogos do tipo é me segurar nos investimentos, e aqui, sobretudo nos estágios mais avançados da campanha, é fundamental investir cirurgicamente naquilo que realmente é necessário, porque quando a sangria começa, é difícil reverter. Ganhar dinheiro é realmente muito mais difícil do que poderia ser.
Não mexe no que está bonito
No quesito audiovisual, Two Point Museum não se arrisca demais e mantém tudo o que lhe é característico, a começar pelos personagens cartunescos que parecem ter saído de uma mistura entre a obra de Dr. Seuss e as animações da Aardman, analogia que eu já havia feito antes na análise dos jogos anteriores. Espalhafatosos, expressivos e cheios de personalidade, são a alma do jogo e estão sempre surpreendendo em suas ações mais triviais.

Já os ambientes e a cenografia são bem detalhados, com um cuidado especial em minúcias, com direito a incontáveis easter eggs e referências a universos conhecidos. As ambientações são especialmente bem trabalhadas para manter uma identidade sem, contudo, corromper suas especificidades, então você pode cuidar de um museu sobrenatural e outro centrado no mundo aquático e, em cada um, encontrar desafios e surpresas diferentes.
Há alguns probleminhas ocasionais de renderização e pequenos bugs de colisão mais aparentes, mas no geral, há uma boa composição entre cores e formas, com um belo desempenho mesmo quando há literalmente centenas de pequenos eventos em tela.

Por sua vez, o aspecto sonoro é equilibrado, que por vezes se permite a bagunça dos sons saindo de todas as direções e fontes possíveis, mas que na maioria do tempo é agradável, delicado e muito bem mixado. Muito mais do que ruídos disformes, há uma composição harmoniosa, mesmo no caos.
Destaque também para a (mais uma vez) ótima localização de textos, menus e legendas para o nosso idioma, com algumas belas sacadas que conseguem se adaptar bem às nossas gírias, com direito a bons trocadilhos e piadocas com sentido que vão além de uma tradução protocolar.

Conclusão
Magneticamente viciante, Two Point Museum é mais um acerto incontestável da linha que já tem ótimos representantes. Ao somar as burocracias da vida real a elementos alegóricos que se esbaldam nas metáforas visuais e em um humor deliciosamente bobo, o jogo traz o equilíbrio que poucos do gênero conseguem alcançar.
É verdade que ousa pouco em mecânicas de construção e administração, bem como no seu caráter estético, mas o mais-do-mesmo aqui se justifica ao refinar o que já era ótimo, sem reinventar uma roda que já gira perfeitamente bem.

Considerando a estrutura de expedições como a maior adição em termos de dinâmica, assim como o refinamento de tudo o que já estava bem desenvolvido em seus antecessores, é difícil não considerar que o jogo é sim o melhor da franquia e um dos melhores de todo o segmento, tornando-se uma recomendação obrigatória para fãs de jogos de gerenciamento. Garanto que serão noites e mais noites de diversão no museu.
Two Point Museum está disponível desde o dia 04 de março de 2025 para PC, Playstation 5 e Xbox Series X|S, com som original em inglês e localizado para o português brasileiro em legendas e menus.