Análise Arkade: Sobreviva à alegre e macabra distopia de We Happy Few
Distopia é uma “ambientação” que fascina as pessoas há muitas décadas. Desde distopias clássicas, até as futuristas, cyberpunks, steampunks e inúmeras outras. Cada uma tem sua própria característica, seja uma sociedade oprimida por novos “senhores feudais”, mega corporações, inteligências artificiais e por trás de tudo, governos totalitários.
We Happy Few segue essa fórmula, mas entregando um novo mundo ao mesmo tempo fascinante e assustador. Um mundo em que a população é refém da felicidade, onde o sorriso é a lei e qualquer outro sentimento é considerado crime. Então vista-se bem, abra o seu sorriso de orelha a orelha e venha conosco conferir nossa análise completa do game!
A ditadura do sorriso
We Happy Few nos leva para um passado diferente daquele em que vivemos, de volta ao ano de 1964, no centro da Inglaterra, mais precisamente na cidade de Wellington Wells, uma cidade formada pela união de diversas ilhas em meio a um rio, um local de acesso difícil e saída quase impossível. Uma cidade transformada após a invasão dos alemães durante uma Segunda Guerra Mundial com um desfecho um pouco diferente da real (Apesar disso permanecer em aberto).
Nessa cidade existem dois tipos de cidadãos, os “Wellies”, a alta casta da sociedade, vivendo no conforto da Vila Hamlyn, em felicidade eterna e leis estritas. E do outro lado estão os Párias, os indesejados, aqueles que não estão felizes e foram expulsos para o Distrito do Jardim, formado pelas áreas abandonadas e destruídas das ilhas, em que não há recursos para todos, não há esperança, mas mesmo assim, possui leis opressoras.
Wellington Wells existe e é mantida graças a um tipo especial de droga, a Alegria. Essa droga suprime todos os sentimentos negativos de uma pessoa, deixando-os em estado de constante alegria, mas sofrendo sérios efeitos colaterais, em especial a perda de memória. A felicidade é a lei, assim todos tomam Alegria constantemente, esquecendo todas as seus memórias de infância e até de poucos anos atrás, além temerem os “Deprês” como a morte.
Os Deprês são aqueles que não tomam Alegria, e que, após serem escravos da droga por anos, ao se libertarem de seus efeitos (seja por vontade própria ou rejeição de seus corpos) enfrentam todos os seus sentimentos negativos, em especial a tristeza, de forma muito poderosa. Essas pessoas são indesejadas pela sociedade, sendo mortas pela cruel polícia, ou expulsos para o Distrito do Jardim, sendo abandonados para morrer.
A liberdade por trás de um sorriso falso
Nesse mundo distópico controlado por drogas e sorrisos falsos, o game conta a história de três personagens: Começamos a aventura controlando Arthur Hastings, um funcionário de um departamento de censuras, o mesmo emprego do personagem Winston Smith, do livro 1984 de George Orwell, a óbvia grande inspiração do game. Durante seu trabalho, Arthur se depara com uma antiga notícia de jornal sobre ele mesmo e seu irmão mais velho, Percy, O que causa uma forte explosão de memórias que o invadem violentamente.
A partir daí, o jogador tem duas opções, tomar uma Alegria e esquecer de tudo, ou não tomar uma Alegria, iniciando a jornada de Arthur para relembrar sua vida e escapar dos verdadeiros horrores ocultos aos olhos das pessoas pelos efeitos da droga. Sua missão então será encontrar uma forma de fugir de Wellington Wells e procurar por Percy.
O game ainda conta com duas outras campanhas, que são liberadas após terminar a história de Arthur, mostrando assim toda a desolação, horror e verdade por trás da felicidade industrializada que controla a população, por três pontos de vista diferente, mas para evitar spoilers, não irei falar os nomes desses outros dois personagens.
We Happy Few conta uma história muito interessante, contando de forma bem envolvente as histórias dos três personagens, além de contar a história da cidade de forma bem detalhada, através das vidas de seus cidadãos, com cartas e anotações colecionáveis e também conversas entre si. Além de apresentar seu mundo de forma satisfatória, mostrando as razões pelo controle da população com a Alegria e os diversos problemas que afligem a sociedade, tando nas partes urbanas, como nas partes abandonadas, pedaço por pedaço.
Sobrevivendo em um mundo procedural
A maior característica de We Happy Few é o fato de seu mapa ser gerado proceduralmente. Assim, nunca uma partida será igual a anterior. O mapa do game é composto de um conjunto de ilhas, que se reorganizam a cada novo jogo, bem como o layout das cidades e a localização de missões, itens, objetivos e etc. A construção aleatória dos cenários não é por acaso, pois trata-se de um recurso narrativo.
Como já mencionado, um dos efeitos colaterais da Alegria é a perda de memória, e a Alegria será uma parte muito importante em sua jogatina. Se você estiver numa zona urbana, todos os NPCs a sua volta estarão sob efeito de Alegria, e eles perceberão quem não está. Se você se comportar de forma estranha perto das pessoas, pulando, correndo, se agachando, agredindo pessoas e principalmente se estiver mal vestido, as pessoas se tornarão hostis e vão te matar. Além disso, as cidades são patrulhadas por drones e sensores de Alegria, que atacam os Deprês com poderosas descargas elétricas.
Para evitar ser atacado, o seu personagem deve estar bem vestido e se comportar bem, fingindo estar sob efeito da Alegria, mas em certos casos, você não terá outra alternativa a não ser consumir a droga, seja para passar por sensores ou passar despercebido pelas pessoas. A Alegria afeta seu personagem de diferentes maneiras, a principal é transformando o ambiente a seu redor, deixando-o mais colorido e alegre, e a outra forma que a droga afeta é subindo um medidor de perda de memória.
Se o jogador consumir muita Alegria, seu personagem sofrerá o efeito de perda de memória. Nesse estado, seu personagem fica extremamente fraco e se esquece da geografia local, fazendo com que o mapa seja randomizado. Esse recurso no entanto só será ativo dependendo da dificuldade em que você jogar. E a perda de memória é um sintoma que não pode ser evitado, pois o medidor de usos não diminui com o tempo.
E para progredir nesse mundo, o jogador deverá sobreviver. We Happy Few é um game de sobrevivência, o que significa que você precisará coletar recursos pelo cenário, como água e comida, além de materiais para construir itens e armas, como bandagens, kits medicinais, remédios para diversas enfermidades, ferramentas para abrir fechaduras e caixas de madeira e muitas outras coisas.
No entanto, o fator sobrevivência não é “definitivo”, fome e sede não são status vitais, o que significa que seu personagem não morrerá de sede ou fome, mas ficará mais fraco se não estiver bem nutrido e bem descansado. Mas tome cuidado com o que você consome, comida estragada pode causar intoxicação alimentar e água de torneira está misturada com Alegria.
Para manejar tudo isso o game tem menus bem simples, com um menu geral que mostra o mapa, seu inventário, skill tree, objetivos e outros recursos. Além disso, há um pequeno menu direcional que serve como menu rápido para consumir itens ou equipar itens de arremesso. Mas algo bem incômodo é que todos os itens consumíveis são alocados nesse menu rápido, ou seja, se você tiver 20 tipos diferentes de comida e bebida, todos esses 20 itens estarão no menu, e se você quiser usar algum em específico, ou terá que ficar circulando esses itens até achar o que quer, ou terá que abrir o menu geral para consumi-lo, o que acaba matando seu propósito, que seria melhor aproveitado se permitisse que o jogador escolhesse quais itens colocar em atalhos.
Os personagens do game não são fortes, por isso você precisará ter muito cuidado se entrar numa briga, pois todo mundo ao redor vai se envolver e te atacar, nessas horas o melhor a se fazer é fugir e tentar se esconder. Você pode se esconder em latas de lixo, sentar em bancos e ler um jornal, ou se esconder em arbustos, especificamente arbustos de flores amarelas. Algo que torna o game um pouco fácil é que quando os NPCs desistem de te procurar, eles esquecem de você, e você pode passar na frente deles novamente sem problemas. A regra é: Não importa o que você faça, apenas não deixe que ninguém o veja fazendo.
Audiovisual
We Happy Few tem um visual bem interessante, que usa de forma bem inteligente as cores como um recurso. Os cenários do game são todos decrépitos e melancólicos, aquela típica imagem da Inglaterra da Revolução Industrial, cheia de pobreza, lixo, ratos e doenças. Mas a Alegria transforma esses cenários.
Se você estiver sob efeito da Alegria, tudo a seu redor será bem mais colorido, parecendo mais vivo e feliz. Quando o efeito da Alegria passa, você entra em abstinência, tudo fica escuro, cheio de moscas e soturno, até que você fica limpo dos efeitos da droga e enxerga o mundo como ele é, cinza, opaco, frio e sem nenhuma beleza. Sem contar ainda com o visual dos personagens, todos utilizando máscaras brancas com sorrisos fixos e olhos vidrados e ameaçadores, uma versão muito macabra da máscara de Guy Fawkes de V de Vingança.
Nós jogamos a versão de Playstation 4 do game, e infelizmente há muitos problemas de desempenho, como texturas que demoram a carregar, leves engasgos em transições de cenários ou de cenas, ou as vezes aleatórios. Uma infeliz queda de frames que ocorre normalmente quando há muita coisa acontecendo ao mesmo tempo, permanecendo sob lag até algum load aconteça.
O loading é outro problema, o game entra na tela de loading muitas vezes durante o jogo, atrapalhando o ritmo da aventura. Esses loads são curtos, mas parecem ser aleatórios, por exemplo enquanto você anda numa rua, quando vira uma esquina e etc. Mas o mais grave são crashes que forçam o game a ser encerrado. Esses crashes aconteciam aleatoriamente, sempre após alguma ação importante, como interagir com algo para dar prosseguimento numa missão e etc. Os crashes não aconteciam com ações específicas, e há momentos em que não ocorre em nenhum momento por longas horas de jogo, e outras em que ocorrem com muita frequência. Vamos torcer para que esse problema seja corrigido em futuras atualizações.
O departamento sonoro do game é excelente, o game possui várias músicas bem ao estilo “elevador” e show de auditório de programas de TV da década de 60. Além disso, há a voz onipresente do Tio Jack, um apresentador de TV que serve como a figura do Grande Irmão de Orwell, ele é a figura mais famosa de toda a cidade, com seu jeito carismático e seus programas sendo exibidos em TVs no meio das ruas e em torres com alto falantes em lugares mais desolados.
O game é inteiramente traduzido para português brasileiro em seus menus e legendas, e o trabalho de tradução é simplesmente perfeito! A equipe de tradução conseguiu traduzir as falas e expressões do game de forma impecável em antigos jargões brasileiros, como chamar um perfume que camufla seu cheio para parecer que você está sob efeito de Alegria de “Borogodó”, além de rolar vários “supimpas” aqui e ali. A tradução do game deixa tudo muito mais divertido e envolvente!
Conclusão
We Happy Few é um game que ficou por 2 anos em Early Access até enfim ser oficialmente lançado, chegando também aos consoles. Esse é um game bem envolvente que entrega histórias bem interessantes e sombrias, sobre um mundo controlado em plena vista e ainda assim escondido aos olhos da população. É um game bem satisfatório e divertido, exceto em certas missões secundárias, que exigem que você viaje muito longe parar algo que muitas vezes não vale o esforço.
Ainda assim esse é um game muito bom e que respondeu as expectativas dos jogadores entregando uma aventura que usa recursos procedurais sem parecer simplesmente que tudo é exatamente a mesma coisa mas com uma cor diferente, e isso acontece pela forma com a qual o game trabalha esse mundo a seu redor e consegue encaixar suas missões de forma bem feita.
We Happy Few foi lançado oficialmente no dia 10 de agosto. O game está disponível para PC, Playsattion 4 e Xbox One.