Análise Arkade: altos papos ao volante e boa música em Wheels of Aurelia
Hora de cair na estrada! Wheels of Aurelia é um jogo indie italiano, que te coloca para debater assuntos polêmicos enquanto você dirige por uma famosa estrada romana em busca de liberdade!
Um pouquinho de história
Wheels of Aurelia é um jogo que se passa todo na Via Aurelia. Ela é uma famosa estrada romana, que começou a ser construída no século III a.C. pelo imperador Aureliano. A estrada teve uma grande importância bélica no decorrer dos séculos, pois era uma rota rápida para o transporte de tropas e suprimentos entre a Itália e a França.
Por cortar boa parte da costa italiana (a parte da frente da “bota”), a Via Aurelia também tem muita importância mercadológica, pois liga diversas cidades portuárias, facilitando o comércio de toda aquela área do continente europeu.
Ainda que estes fatos não tenham real importância no game em si, a produtora — Santa Ragione — é italiana, e o jogo se passa nos anos 70, um período deveras conturbado em termos socioculturais e políticos para a Itália. Não reclame, pois aqui na Arkade você ganha o review e ainda leva de brinde um pouquinho de conhecimentos gerais aleatórios. 😉
Agora sim, vamos ao game em si
Em Wheels of Aurelia, assumimos o controle de Lella, uma garota que está cansada da vida que leva e só quer entrar no seu carro e dirigir para fora da cidade, fugir de seus problemas e de seu passado. Em sua última noite em Roma, ela decide parar em uma danceteria e lá conhece Olga, que será sua principal companheira nesta viagem.
Como duas ilustres desconhecidas que embarcam em uma viagem juntas, as garotas batem altos papos enquanto trafegam pela famosa Via Aurelia. O destino final é a França, mas ocasionalmente podem rolar alguns desvios, pois você pode dar caronas para outras pessoas e interagir com outros personagens além de Olga.
Altos papos ao volante
Wheels of Aurelia se passa todo dentro do carro de Lella, mas isso não faz dele necessariamente um game de corrida. A produtora o descreve como um “narrative road trip game”, e essa é de fato uma ótima definição: mais importante do que o carro em si são os papos que rolam lá dentro, e você participa ativamente das conversas, sempre escolhendo o que Lella vai dizer.
Como já dito ali em cima, estamos nos anos 70, época em que a Itália está passando por turbulências políticas e terrorismo. Ao mesmo tempo, o feminismo ganhava força, e por estarmos do ladinho do Vaticano, há também uma tensão religiosa pungente. Todo esse cenário sociocultural é abordado nos papos que Lella tem com Olga e com os outros caroneiros que ela encontra pelo caminho, e você precisa “tomar um partido” sobre tudo, mesmo que não esteja familiarizado com os temas. Papos sobre religião, aborto, música, ovnis, tudo isso (e muito mais) rola durante a viagem, e ainda que ficar calado seja um opção, ela não necessariamente é a melhor escolha para desenvolver a narrativa do game.
Confira abaixo um gameplay completo de Wheels of Aurelia, para entender melhor como funciona essa curiosa mistura de direção com bate-papo:
Na prática, o jogo se importa muito mais com as conversas do que com a direção em si, de modo que você pode deixar o carro seguir no “piloto automático” na maior parte do tempo, se quiser. Porém, não recomendo que faça isso, pois você invariavelmente vai precisar fazer ultrapassagens e rolam até perseguições e corridas, de modo que é bom você estar preparado para pisar fundo, sem perder o fio da meada dos papos que vão rolando!
Muitos finais diferentes
A campanha de Wheels of Aurelia é super curtinha; é possível ir do começo ao fim do jogo em menos de 30 minutos. Porém, ele possui nada menos que 16 finais diferentes, e, pelo que entendi, eles são baseados tanto no “estado de espírito” das meninas durante as conversas quanto nos acontecimentos que rolam enquanto você está na estrada.
Por exemplo: se você der carona para os 2 caronistas que estão indo para Bracciano, quando chegar lá vai ser desafiada para uma corrida por um outro cara, que vai ficar com o seu carro caso você perca. Se acontece isso, aí aparece uma hippie maluca que vai te oferecer a Kombi dela para você seguir viagem.
Ou você pode ganhar a corrida do cara e seguir viagem com o carro dele. Ou ainda: se você simplesmente não der carona para os 2 caroneiros — ou mesmo não deixá-los em Bracciano (sim, é possível trollar os caras) –, sequer vai encontrar o cara que te desafia pra corrida, as meninas não vão conversar sobre “a emoção de uma corrida ilegal”, e assim, novas possibilidades se desdobram.
Sendo bem honesto, achei que as variantes que alteram o fim da história são muito superficiais. Eu terminei o jogo umas 7 vezes, mas só consegui ver 3 finais diferentes. Coisas diferentes aconteceram em cada uma das partidas, mas ali para o final parece que rola um gargalo, que vai afunilando as possibilidades (e aumentando a chance de você acabar vendo um final repetido).
Achei isso meio frustrante especialmente porque não ficou claro para mim o que aconteceu para os finais terem se repetido. Ok, um desses finais foi até bem legal, mas os outros 2 foram bem ruins (um deles é o que está no vídeo ali em cima). Não há exatamente como ter certeza do que fazer para ver um final diferente, de modo que a repetição se torna inevitável.
Audiovisual
Vamos começar falando da trilha sonora, que é simplesmente espetacular. Toda composta sob medida para o jogo, ela conta com algumas músicas realmente incríveis, assinadas por bandas de indie rock italiano que eu nunca tinha ouvido falar (tipo Banco del Mutuo Soccorso e Premiata Forneria Marconi), mas que são realmente competentes.
Sem exagero, a faixa principal do game — intitulada Wheels of Aurelia, que você pode ouvir aqui — é uma das melhores músicas que eu ouvi ultimamente, e estou falando de música em geral, não só de trilhas de games.
Fora isso, o game não tem vozes — todos os diálogos rolam apenas em texto –, e as personagens ocasionalmente mudam a estação do rádio, de modo que você vai ouvir de músicas bacanas até noticiários (em italiano).
O visual é simples, mas simpático e bem colorido. Os personagens em si são basicamente desenhos 2D (só vemos eles do peito para cima), mas até que são expressivos. De resto, o estilo não é bem low poly, mas lembra um pouco os games isométricos dos anos 90. Como estamos em uma estrada real, você verá muitos lugares reais da costa italiana, bem como distritos industriais, residenciais, etc. Você vai estar na estrada o tempo todo, mas a paisagem ao redor muda consideravelmente.
Vale ressaltar que, como estamos falando de um jogo todo pautado por diálogos, conhecimento do idioma inglês é fundamental, pois os diálogos estão todos em inglês, de modo que você precisa ler bastante (e entender o que está lendo, claro) para não boiar na história.
Conclusão
No cinema existe um gênero conhecido como “road movie”, que consiste naqueles filmes onde tudo acontece durante uma viagem. Podem ser filmes de gêneros variados, mas eles têm a estrada e a viagem em si como parte importante da narrativa. Filmes famosos do gênero são Diários de Motocicleta, Pequena Miss Sunshine e Thelma & Louise. No mundo dos games, acho que Wheels of Aurelia seria um equivalente dos “road movies”. Se pararmos para pensar, até games como o clássico Driver ou The Crew têm um pouco dessa vibe, com histórias que são contadas atrás de um volante.
Wheels of Aurelia se encaixa neste pseudo-gênero, mas não é um jogo para todos. Ele oferece uma experiência diferenciada que sem dúvida é interessante, mas que certamente deve agradar a um nicho específico de jogadores. Eu curti a experiência no geral, mas a falta de clareza no que efetivamente altera o final do jogo me deixou um pouco desapontado.
Mas, se você quer relaxar curtindo boa música (italiana) enquanto dirige e bate altos papos sobre temas prosaicos, polêmicos e reveladores, sem dúvida o game pode te agradar. E o melhor é que a trilha sonora digital vem “de brinde” quando você compra o jogo tanto no Steam quanto no PS4. Sem exagero, só pela trilha já vale a pena.
Wheels of Aurelia foi lançado no dia 20 de setembro para PC e Playstation 4. No futuro, ele deve chegar também ao Xbox One.