Análise Arkade: Death’s Door tem o lado bom de Zelda e o lado ruim de Dark Souls
6 anos após o lançamento do elogiado Titan Souls, a desenvolvedora Acid Nerve e a publisehr da zoeira Devolver Digital unem forças novamente para trazer ao mundo Death’s Door, jogo que traz influências de Zelda e Dark Souls para oferecer uma jornada cheia de segredos e mistérios! Confira nossa análise!
A missão do corvo ceifador
Death’s Door se passa em um universo onde os corvos são os responsáveis por despachar as almas dos mortos para o descanso eterno. Passando através das portas da morte que dão nome ao game, eles viajam para o mundo dos vivos, tornando-se mortais e vulneráveis enquanto cumprem a missão de ceifar almas.
Nosso protagonista é um desses corvos, que não está tendo um dia muito bom: depois de coletar uma alma gigante, ele vê um vulto roubá-la e fugir com o fruto do seu trabalho. O ladrão é um outro corvo, bem mais velho, que até está disposto a devolver a alma que você coletou… desde que você colete outras três almas gigantes que ele precisa.
Assim, nosso amigo corvo fica em uma “sinuca de bico”: ele não pode retornar ao departamento sem a alma que foi designado para coletar, mas para recuperá-la, terá que viajar o mundo atrás de outras três almas, como um reles mortal. Essa é, basicamente, a nossa missão em Death’s Door.
Particularmente, gosto de como o universo do jogo é apresentado. A “base” dos corvos ceifadores tem um ar burocrático e sem graça que lembra um pouco o FBC de Control — ou a TVA de Loki, para darmos um exemplo mais recente. Este lugar é o hub do jogo: as portas da morte que podemos abrir sempre nos trazem de volta para ele. Death’s Door também é um jogo com boas pitadas de humor e sacadas criativas. O nome do coveiro ser Epitáfio é apenas um exemplo disso.
Exploração estilo Zelda
Cada uma das três almas que precisamos coletar está em uma área própria, que funciona como uma enorme dungeon: há portas trancadas para todos os lados, muitas passagens secretas e lugares que a gente olha e pensa “como diabos eu vou chegar lá?”.
Nesta três grandes áreas, o modus operandi e meio que o mesmo: o chefe está em um lugar inacessível, que vai nos obrigar a coletar outras quatro almas espalhadas pelas redondezas. Fazer isso abre uma porta, onde há um baú, que nos concede uma nova habilidade, que nos permitirá avançar.
Estes baús guardam coisas como um arco e flecha ou um feitiço explosivo, que nos permite quebrar certos tipos de paredes. Death’s Door não é realmente um MetroidVania, mas quem quiser fazer 100% no jogo vai querer revisitar todas as áreas depois de conseguir novas habilidades, pois diversos lugares só poderão ser acessados posteriormente. Isso, no entanto, é opcional — você pode simplesmente seguir em frente e cumprir sua missão, se quiser.
Death’s Door é um jogo cheio de environmental puzzles simples, mas engenhosos: precisamos descobrir como abrir portões e ativar mecanismos que nos permitam prosseguir. As quatro almas que precisamos em cada área geralmente são nossa recompensa após vencermos uma arena de inimigos, ou derrotarmos um sub-chefe.
O combate em si é bastante simples: podemos executar combos simples com nossa arma principal, e uma esquiva para rolar para longe. Nosso amigo corvo pode coletar diferentes armas ao longo do jogo, mas eu usei a espada inicial por quase toda a campanha, e ela me serviu muito bem. Os inimigos comuns são bem simples de lidar e não demandam muita estratégia.
Nos chefes, é aquele esquema: devemos manter distância, atacar quando pinta uma brecha, rolando para longe rapidamente para evitar a retaliação.
As (más) influências do Souls-like
Eu não gosto de Dark Souls. E isso pode ser um problema, uma vez que a série tornou-se uma das mais influentes do mundo dos games na última década. Mas, não sou injusto, e consigo apreciar certos jogos inspirados nessa fórmula — como o excelente Star Wars: Jedi Fallen Order, por exemplo.
O problema é que certos jogos não precisavam meter elementos de Souls-like na receita, mas metem só para não “ficar de fora” da moda. Death’s Door é um desses jogos. Ele seria um jogo de exploração e aventura delicioso, mas resolveu ser um pouco Souls-like também… e isso é um saco.
Por exemplo: em cada dungeon, há apenas um checkpoint, que é a porta que criamos logo no comecinho da área. Isso quer dizer que, se você está explorando aquele ambiente há 20 minutos e morrer de bobeira, vai voltar para esta porta, e todos os inimigos que matou pelo caminho estarão vivos de volta.
Sendo justo, o ótimo level design do jogo vai abrindo atalhos que tornam esse vai e vem menos cansativo… mas, Death’s Door não tem um mapa, exigindo que o jogador memorize os caminhos e para onde cada passagem leva. A gente acaba fazendo isso involuntariamente, mas se você largar o jogo por uns três dias e depois voltar (algo que precisei fazer) vai passar uns bons minutos perdido, reaprendendo todo o layout da dungeon.
Tudo isso acrescenta uma camada extra de dificuldade (e frustração) que não precisava estar aqui. Este é o tipo de jogo que poderia tranquilamente salvar o progresso do jogador assim que ele entra em uma sala, e isso não faria dele um jogo pior. Mas não, mesmo que você salve manualmente o progresso para sair do jogo, quando voltar, ele vai te jogar de volta na última porta que você usou.
E já que falamos em dificuldade, devo ressaltar aqui que os chefes representam um salto considerável no nível de desafio do jogo. Eles seguem aquele esquema de memorizar padrões de ataque, mas demoram MUITO para cair. Os inimigos em Death’s Door não tem barra de vida; eles vão “rachando” conforme tomam dano, e quanto mais “rachados” estiverem, mais perto da morte estão.
E já que falamos em vida, aí vai uma referência (desnecessária) de Souls-like. O item que recupera nossa vida é um consumível, uma semente. Porém, não podemos usá-la a qualquer momento: a semente deve ser plantada em um vaso que serve especificamente para isso. Há um número relativamente generoso desses vasos espalhados pelas dungeons, mas é claro que nas arenas dos chefes não há nenhum, ou seja: você vai ter que vencer cada boss de uma tacada só, sem chance de recuperar a vida ao longo da batalha. O que nos leva ao próximo ponto…
Upgrades embaçados
Essas batalhas contra chefes podem se tornar especialmente frustrantes por um outro motivo: aumentar a nossa própria barra de vida é muito difícil (e demorado). Eu passei 90% do jogo com apenas quatro quadradinhos de vida (ou seja, tomar dano 4x é morte), que é o tamanho inicial de nosso medidor de vida. Só fui conseguir o primeiro upgrade já na borda do último chefe, com mais de 8 horas de jogatina.
Isso acontece porque, para conseguir os upgrades, precisamos encontrar templos escondidos, onde ganhamos um fragmento para aumentar a vida ou o número de flechas/feitiços que podemos usar. Precisamos de 4 fragmentos para aumentar um quadrante de vida. Ou seja, no meu caso, eu encontrei 3 destes templos, e só fui achar o quarto na reta final do jogo.
Entendo que isso foi pensado para estimular a exploração, mas passar o jogo todo com a mesma barra de vida do início só deixou a coisa toda ainda mais cansativa. É mais um elemento dificultador que não precisava estar aqui — até porque, como eu já disse, a cura envolve ter sementes e um lugar adequado onde plantá-las.
Os atributos do corvo (velocidade, força, etc.) são um pouco mais fáceis de melhorar: basta retornarmos ao “escritório”/hub do jogo e trocarmos as almas de inimigos comuns por upgrades em uma lojinha específica para isso.
Audiovisual
Death’s Door é um jogo muito bonito. Seu visual isométrico tem aquele ar de diorama que eu particularmente adoro, e o character design — especialmente dos chefes — é muito interessante. A iluminação concede um charme extra ao jogo, projetando longas sombras fantasmagóricas pelo chão.
E já que falamos em chão, não posso deixar de mencionar o excelente uso de reflexos que esse jogo faz. No castelo da Bruxa das Urnas, o piso encerado reflete os ambientes, e é muito bem utilizado até em alguns puzzles. No banheiro, por exemplo, se você “refletir” um pouco, vai conseguir acessar uma área secreta.
A trilha sonora também é boa, tendo aquele tom de aventura épica que tem tudo a ver com esse tipo de jornada — as vezes, música e elementos do cenário ficam sincronizados, o que cria um efeito muito legal, que até poderia ser mais utilizado: na área inferior do castelo da Bruxa, há pistões subindo e descendo cujo som se encaixa perfeitamente no timing da música. É muito legal, mas só vi isso acontecer nessa área.
Os efeitos sonoros cumprem seu papel e, ainda que o jogo não tenha vozes, seus diálogos, menus e legendas estão todos localizados para o português brasileiro — o que é ótimo, pois o game tem boas piadas e comentários espirituosos.
Conclusão
Death’s Door é um jogo bom, que poderia ser ainda melhor se não quisesse seguir certas tendências que não acrescentam nada à experiência. Eu sei que a galera do “git gud” não vai concordar comigo, mas certas características dos Souls-like são simplesmente pentelhas demais, e não precisavam estar em um jogo como esse.
Apesar disso, no geral, o saldo ainda é positivo. Death’s Door bebe muito mais na fonte de Zelda do que na de Dark Souls, o que é ótimo, pois é no seu “lado Zelda” que estão suas melhores características: dungeons, puzzles, exploração e muitos segredos para serem descobertos.
Se essa ideia de um “Zelda-Souls-like” te agrada, pode vir sem medo — mas tenha em mente que a jornada pode se tornar um pouco frustrante de vez em quando.
Death’s Door foi lançado em 20 de julho, com versões para PC, Xbox One e Xbox Series X|S (versão analisada).