Análise Arkade: o incrível e desafiador parkour cyberpunk de Ghostrunner
Há dois games com temática cyberpunk vindo aí. O primeiro é aquele RPG de mundo aberto da CD Projekt Red que todo mundo já conhece, e chega em novembro. O segundo é Ghostrunner, um jogo de ação frenético, desafiador e visceral, que chega amanhã e merece a sua atenção! Leia agora nossa Análise Ghostrunner!
A gente falou de Ghostrunner aqui no site algumas vezes, mas eu tenho a impressão que ele simplesmente não está recebendo a atenção que deveria. Parte disso é culpa do marketing da 505 Games, que resolveu lançar o jogo 3 semanas antes de Cyberpunk 2077, jogo que está dominando o interesse do público quando o assunto é “cyberpunk”.
O que é uma pena, pois ele é um jogo muito legal — e com uma proposta totalmente diferente. Já tive a oportunidade experimentar o game e, ao longo desta análise, você vai descobrir o que faz dele algo tão incrível (e viciante).
Escalando a torre
Ghostrunner nos coloca papel do personagem que dá nome ao game, um cyber-ninja cheio de enxertos cibernéticos que é o espadachim mais habilidoso do mundo. Ou do que sobrou do mundo: estamos em um futuro cyberpunk pós-apocalíptico, onde o restante da humanidade se amontoa precariamente em uma imensa cidade vertical que é a Torre Dharma.
Esta torre/cidade é comandada por uma entidade muito poderosa chamada Mara The Keymaker. Ela governa com punho de ferro, e elimina todos que se opõem ao seu controle. Nosso protagonista é um dos últimos guerreiros de sua espécie, que depois de ser “consertado” por um grupo de rebeldes, decide que é hora de dar um basta na soberania da Keymaker.
Obviamente, esta atitude não é bem vista, e logo todas as medidas de defesa da torre estarão contra você, o que inclui soldados, drones, lasers, serras e uma infinidade de outros perigos. A seu favor, você tem uma espada super afiada, incríveis habilidades acrobáticas e a capacidade de viajar entre o mundo físico e o digital (o que é tipo como entrar na Matrix). Sua conexão única com a tecnologia e seus reflexos rápidos serão fundamentais nesta escalada suicida.
Rápido, frenético e visceral
Se eu tivesse que descrever Ghostrunner para alguém, eu diria que ele é uma mistura de Mirror’s Edge com Hotline Miami/Katana Zero e Dishonored — tudo isso dentro de uma “embalagem” que obviamente remete ao aguardado Cyberpunk 2077.
Explicando: como em Mirror’s Edge, o gameplay aqui é todo em primeira pessoa, e o personagem pode correr pelas paredes, deslizar pelo chão e fazer um monte de “piruetas” rápidas e estilosas. E, como em Dishonored, com o tempo ele vai ganhando acesso a novas habilidades que são quase “trapaças”, como um dash mortal que pode atravessar (literalmente) alguns inimigos enfileirados e um corte horizontal que projeta um raio de energia capaz de fatiar inimigos.
A questão é que, como em Hotline Miami, aqui é tudo “1 hit, 1 kill”: você mata qualquer inimigo com um único golpe, mas também morre com um só golpe. Então, não tem barra de vida, nem nada: tomou um tiro, já era. Você precisa ter reflexos muito rápidos e estudar muito bem o ambiente e o posicionamento dos inimigos para se dar bem.
Tenho consciência que este é um jogo que deve funcionar muito melhor no combo “teclado + mouse”, mas como péssimo PC gamer que sou, joguei (no PC) usando um controle de Xbox One. Adotando um esquema de controles diferenciado, aqui as principais funções (pulo, ataque, dash) estão mapeadas nos gatilhos LB, LT, RB e RT, algo que parece ter se tornado meio comum após o surgimento dos Souls-likes. Este tipo de controle particularmente não é o meu preferido, mas acabei me acostumando.
Ao optar por jogar com um gamepad, tive que dar uma ajustada na sensibilidade para minimizar qualquer possível mal estar (sofro de cinetose) — com a velocidade do mouse, acho que eu não teria passado da primeira fase. Sei que perdi um bocado de precisão e agilidade ao fazer essa escolha… mas, comprovei que é possível jogar no controle, então quem adquirir o jogo em um console vai conseguir se virar muito bem.
Tentativa & Erro
Ghostrunner é um jogo de fases lineares onde você geralmente deve ir do ponto A ao ponto B, eliminando inimigos e utilizando sua agilidade ímpar para evitar abismos, obstáculos e armadilhas. O jogo instrui que você “esteja sempre em movimento”, e este é realmente um bom conselho. Os inimigos são implacáveis, e ainda que seja possível defletir a maioria dos ataques (um ataque no momento certo vira um parry), isso exige agilidade nos dedos e reflexos rápidos.
Por mais afiados que sejam os seus reflexos você vai morrer — MUITO — em Ghostrunner. Para vencer o primeiro “chefão” do jogo, eu demorei 41 minutos, e morri exatas 188 vezes; se não fossem todas essas mortes, acho que a batalha não duraria mais que 5 minutos. Mas, quando você chega ali pela primeira vez, é simplesmente IMPOSSÍVEL não morrer, pois o chefão é nada menos que uma imensa torre que dispara centenas de lasers, e te obriga a cronometrar cada pulo, cada ação. Encostou em qualquer laser, adivinha: morreu. Superá-lo exige ações tão cronometradas e pulos tão milimetricamente precisos que eu quase desisti.
188 tentativas depois, derrubei o maldito. Morri até demais, mas eis aqui um fato: morrer faz parte da experiência que é Ghostrunner. Você precisa morrer (várias vezes) para aprender, evoluir. Não duvido que logo vão começar a pipocar vídeos de “pro players” zerando o jogo sem morrer, mas te garanto que isso vai demandar muitas horas de prática, memorização de padrões e incontáveis tentativas. É impossível não morrer nas primeiras partidas, e “a prática leva a perfeição” é uma máxima que se prova verdadeira aqui.
Se morrer é parte do jogo, felizmente ele é generoso em oferecer checkpoints — ainda que sempre te obrigue a “limpar” toda uma área antes de criar um novo ponto de respawn. Então, se você está, por exemplo, em uma “arena” com 6 inimigos, deu cabo de 5 deles mas o último te matou, sinto muito, mas você vai que ter que passar por todos eles novamente. E, como já dito, basta um golpe para te matar. Ou seja: morrer e tentar de novo é algo intrínseco de Ghostrunner.
Isso ocasionalmente deixa o jogo no limiar entre a diversão e a irritação… mas, vendo pelo lado positivo, nos dá a chance de melhorar, planejar, estudar melhor cada situação. Na próxima tentativa, você vai saber algo novo sobre o cenário e o posicionamento dos inimigos, podendo tentar “ser melhor”, ou quem sabe buscar uma abordagem diferente. Os cenários são bem amplos, há muita verticalidade e você sempre pode experimentar algo novo… ou simplesmente improvisar e ver no que dá.
Morrer é frustrante, claro, mas o jogo tem aquele imediatismo de Hotline Miami e Super Meat Boy: entre a morte e o respawn, não há tela de loading, então o loop de tentativa e erro é muito rápido — e torna a experiência como um todo muito viciante. Fazia tempo que um jogo não me deixava de mãos suadas, e acho que eu nunca morri tanto em um game quanto em Ghostrunner… mas a cada desafio superado, eu sentia que estava melhorando.
Infelizmente, tem horas que o jogo se torna mais frustrante do que deveria: há um punhado de desafios no “cybervácuo” que são simplesmente chatos, te colocam para resolver environmental puzzles ou coletar orbes brilhantes que quebram totalmente a dinâmica acelerada do jogo.
Em uma dessas partes (imagem abaixo), eu fiquei quase 40 minutos empacado, pois tinha que coletar 13 coisinhas brilhantes (espalhadas por um cenário que gira) e fiquei empacado na 12ª, sem saber como chegar até a última — e morrendo muito em tentativas que me obrigavam a coletar novamente as últimas 5 orbes. Foi, de longe, a pior parte do jogo.
Entendo a importância desses momentos (eles meio que servem como tutoriais e geralmente te dão novas habilidades), mas gostaria muito de poder pulá-los e continuar focado na escalada da Torre Dharma, que é onde o jogo realmente empolga. Não que o jogo “normal” seja fácil — muito longe disso, aliás — mas ele não é chato como alguns desses “puzzles”.
Audiovisual
O código antecipado que recebemos da 505 Games para esta análise é da versão PC, e confesso que achei que minha máquina não daria conta do recado. para garantir, baixei e rodei a demo (sim, tem demo gratuita disponível), e consegui uma jogatina ágil e fluida, rodando a 60fps. Eu não sei como é o desempenho do jogo em outras plataformas (vai ter versão até para Nintendo Switch), mas no PC posso afirmar que ele roda liso e foi muito bem otimizado.
Digo isso rodando em uma máquina que está longe de ser top de linha, e é equipada com uma placa de vídeo AMD Radeon RX 580, um processador Intel i5–4440 e apenas 8GB de memória. O visual de Ghostrunner me deixou de queixo caído, e ainda que meu hardware não seja super poderoso, pude rodar o jogo em DirectX 12, com ray tracing e outros recursos avançados que ajudaram a dar um gotinho de “next gen” à experiência.
Eu sei que o apelo estético do gênero cyberpunk é forte — com suas cidades sujas e letreiros de neon –, mas Ghostrunner realmente me surpreendeu e é, sem dúvida, um dos jogos mais impressionantes visualmente que joguei este ano. Conseguir rodá-lo em 4K com um hardware intermediário foi um feito e tanto, e desde já estou cogitando a hipótese de adquirir o jogo no PS4 para garantir o upgrade gratuito para o PS5 no ano que vem.
Para ser sincero, o visual de Ghostrunner só não é melhor porque boa parte de sua duração é em áreas internas, que funcionam como andares de uma fábrica gigantesca — e tendem a se tornar repetitivos. A Torre Dharma é uma verdadeira cidade, então passamos por áreas abertas, subúrbios, trens… mas, na maior parte do tempo, estaremos em ambientes com uma cara de “fábrica cyberpunk” um tanto genérica.
No departamento sonoro o jogo realmente acerta a mão. A trilha sonora original do game, assinada por Daniel Deluxe, é um mistura de synthwave com retrowave grudento (e uma pitadinha de rock) que cai como uma luva na temática do game, e realmente te coloca no clima certo. Se você quer curtir uma playlist bem “cyberpunk” para trabalhar ou entrar no clima do jogo, recomendo demais o trabalho do Daniel Deluxe, o cara manda muito.
Ah, e ainda falando do departamento, as dublagens também são muito boas, futuristas e cheias de atitude. Os sons de combate, tiros e golpes também são ótimos. Ah, e o jogo tem menus e legendas em português brasileiro!
Conclusão
É possível amar e odiar um jogo ao mesmo tempo? Ao longo dos últimos dias, desenvolvi este tipo de relação com Ghostrunner: eu amo seu gameplay, sua temática e seu audiovisual, mas odeio o quanto ele exigiu de mim e todas as vezes que eu pensei em desistir simplesmente porque ele se mostrou quase difícil demais para mim.
Com isso, quero dizer que o ato de jogar Ghostrunner — fluindo pelo cenário em alta velocidade, correndo pelas paredes e fatiando inimigos — é delicioso. Porém, basta um deslize para te fazer morrer e tentar de novo (e de novo, e de novo). Ele é um jogo que exige um desempenho simplesmente perfeito, e nem todo mundo é “pro-player” para conseguir isso. As chances deste jogo se tornar mais frustrante do que divertido são grandes, especialmente para gamers menos resilientes.
Eu sofri (muito) e pensei em desistir algumas vezes, mas respirei fundo, continuei, e no geral, achei o jogo incrível. E o mais legal: eu percebi que evoluí nos controles, internalizei certas mecânicas que me permitiram jogar melhor. Só para dar um exemplo: na minha primeira partida, demorei 27 minutos para concluir a primeira fase, e morri mais de 40 vezes. Em uma segunda passada por ela, fiz tudo em 9 minutos, com “apenas” 7 mortes e jogando muito mais “bonito” depois que estava familiarizado com o gameplay.
Ghostrunner é um jogo que merece ser “jogado bonito”, mas como ele ainda não foi lançado, teremos que esperar alguns dias até que jogadas incríveis comecem a aparecer no Youtube. Fico bem curioso para ver como jogadores acima da média vão conseguir criar momentos únicos dentro do jogo, e como o cenário de speedrunners vai recebê-lo, pois ele parece perfeito para competições do tipo “quem termina tal fase mais rápido”.
Longe de mim querer ser polêmico, mas tenho um pouco de preguiça de RPGs de mundo aberto, e já expliquei neste artigo a dificuldade que tenho em terminar esse tipo de jogo. Então, estou consciente que talvez o tão aguardado Cyberpunk 2077 não seja o “meu” jogo. Mas tudo bem: 2020 já me entregou um game com temática cyberpunk incrível, e esse jogo é Ghostrunner.
Um jogo rápido, estiloso e visceral que faz a gente chorar sangue por ser exigente (até demais), mas também faz a gente se sentir muito f*dão depois que consegue superar um momento particularmente difícil de maneira perfeita.
Talvez o hype por Cyberpunk 20777 esteja ofuscando Ghostrunner e tirando o jogo do radar de muita gente, o que é uma pena. Os jogos nem são do mesmo gênero, apenas dividem a mesta temática/estética. Então, se você está lendo isso, coloque Ghostrunner na sua wish list. Tenho certeza que você não vai se arrepender.
Ghostrunner será lançado amanhã (27/10), com versões para PC, Playstation 4, Xbox One e Nintendo Switch. Esta análise foi feita com base na versão PC do game, com um código de acesso antecipado que recebemos da 505 Games.