Análise Arkade: HAVEN peca no gameplay, mas tem uma história apaixonante
Você já parou para reparar em como casais são raros no mundo dos games? Quer dizer, a “donzela em perigo” está sempre lá, esperando para ser resgatada em outro castelo, e alguns jogos — como o excelente Uncharted 4, ou o fofo Chariot — até colocam o casal para trabalhar junto… mas no geral, videogames são uma mídia onde só há espaço para um protagonista, seja ele homem ou mulher.
HAVEN — dos mesmos produtores do sucesso indie Furi — chega para mudar isso. O tempo todo temos dois personagens principais, o jovem casal apaixonado Yu e Kay. E, depois de passar mais de 10 horas acompanhando as aventuras deles, ouso dizer que nenhum deles é protagonista em HAVEN. O principal personagem aqui é justamente a relação dos dois.
Um casal em fuga
HAVEN é mais um daqueles jogos que tem mais lore do que história: a gente vai descobrindo mais sobre o universo do jogo aos poucos, muito graças aos diálogos que rolam entre o casal. Ressumidamente, eles viviam em uma colônia humana chamada Apiário, mas lá existe um sistema de controle social chamado Combinador, que escolhe de forma arbitrária o “par perfeito” para cada pessoa.
A questão é que Yu e Kay se apaixonaram, independente da escolha do Combinador. Para poderem viver esse amor, eles fogem usando a nave de Yu, e vão parar em uma região conhecida como Origem — em um planeta que, aparentemente, despedaçou-se em diversas ilhotas. Há um fonte de energia chamada Fluxo neste mundo, bem como uma “corrupção” que é apelidada de Ferrugem. Devemos coletar o Fluxo e purificar a Ferrugem.
Conforme exploram a Origem, Yu e Kay vão aprendendo mais sobre aquele lugar, e nós vamos aprendendo junto com eles. O andamento da narrativa em si tem uma cadência quase de graphic novel: é pelos diálogos que o jogador entende quem eles são, de onde eles vieram, e qual é a situação atual da dupla.
Isso quer dizer que não há uma “grande história” se desenrolando, vamos pegando um pouquinho de história aqui, outro ali, nas conversas que rolam entre os personagens. Há uns bons plot twists na história, mas eles demoram a acontecer, pois o jogo simplesmente não tem pressa de estabelecer a relação do casal.
Um relacionamento genuíno
Esta forma de HAVEN apresentar sua história não me incomodou especialmente pelo fato de os diálogos do jogo serem muito bem escritos. Sem exagero, eu nunca vi uma relação amorosa retratada de maneira tão autêntica, genuína e delicada em um game quanto a que presenciei aqui.
Quando conversam, Yu e Kay não parecem personagens, mas pessoas reais. Eles batem-papo sobre coisas sérias — a situação deles como fugitivos, por exemplo –, mas também conversam sobre trivialidades, como tufos de cabelo no ralo do banheiro, ou quem vai estender as roupas no varal. Há conversas de caráter sexual (de fato, eles são um casal muito “fogoso”), piadinhas internas, comentários de duplo sentido que evidenciam a intimidade e cumplicidade que existe ali. Isso tudo faz a relação deles ser muito humana — eles falam sobre coisas que casais “de verdade” também falam.
Aqui vai um bom exemplo de diálogo, quando Kay tem uma reação alérgica. Repare que tem boas doses de humor e fofura, tudo em pouco mais de um minuto:
Sendo bem honesto com você, o que realmente me fisgou em HAVEN foi justamente a relação entre Yu e Kay. Em termos de gameplay, o jogo é repetitivo e formulaico (já falo mais sobre isso), mas saber que depois de uma missão chata eu teria um pouco mais de interação entre o casal foi o que me motivou a prosseguir. Podemos escolher o que dizer em diversos diálogos — sem priorizar Yu ou Kay, falamos em nome de ambos, conforme o jogo permite — e aumentar a conexão entre eles melhora sua efetividade em combate.
Exploração e combate
Como eu falei lá em cima, estamos desbravando um planeta despedaçado que dividiu-se em várias ilhas. Há Ferrugem espalhada por essa ilhas, e nosso trabalho é basicamente livrar os ambientes e criaturas dessa corrupção misteriosa.
para limpar o cenário, devemos basicamente passar sobre a “gosma” da Ferrugem com novas botas anti-gravitacionais. Para purificar os inimigos, porém, devemos entrar em combate com eles, para só então podermos pacificá-los.
O sistema de batalha é mais ou menos por turnos: cada personagem é controlado por “um lado do controle” — direcional para Kay, botões para Yu. Ambos têm as mesmas habilidades, que podem ser combinadas para um ataque mais forte, ou utilizadas alternadamente, com alguma estratégia, para máxima efetividade.
Vou deixar um breve vídeo de combate aqui embaixo:
Entre explorações e batalhas, podemos coletar plantas — que podem virar alimentos — e partes da nossa nave, bem como vasculhar ruínas e construções. Conforme avançamos na campanha, o Ninho (nossa nave) ganha uma horta e muitos outros upgrades que tornam a vida do casal mais fácil. Eles até adotam uma criatura da fauna local como pet — e sim, é possível fazer carinho em quase todos os bichos do jogo (depois de pacificados, claro).
Sendo bem honesto, em termos de gameplay, o principal problema de HAVEN está na repetitividade: há dezenas de ilhotas, e em todas elas a gente faz basicamente a mesma coisa: limpa a ferrugem e pacifica os inimigos. O loop de gameplay logo fica chato, especialmente porque nem a exploração, nem os combates, são realmente divertidos. Como eu disse, continuei jogando mais pela história do que pelas mecânicas.
Audiovisual
HAVEN tem um visual estilizado que é bem charmoso. Não é um jogo lindo de morrer, mas é estiloso, ainda que merecesse tons mais vivos e cores mais fortes. A paleta segue aqueles tons pastel de Breath of the Wild que estão na moda, mas eu não ligaria se o jogo fosse mais vibrante e colorido.
A trilha sonora combina com a vibe pacífica do jogo, trazendo faixas eletrônicas suaves, naquele estilo “lo fi beat” que o povo gosta. Combina com a proposta do jogo, e também harmoniza com sua temática, que é um sci fi leve, muito mais preocupado em ser a história de um casal apaixonado do que uma aventura espacial épica.
É na dublagem, porém, são onde o jogo realmente brilha. Como você viu no vídeo lá de cima, ela é simplesmente incrível, e injeta muita personalidade na dupla — que afinal, é responsável pela esmagadora maioria dos diálogos.
O trabalho de localização também foi muito bem feito: a qualidade da tradução PT-BR é ótima, especialmente porque o jogo tem seus próprios palavrões (tipo “josba“) e a garota está o tempo todo inventando nomes bobos para as plantas e animais que encontra.
Conclusão
HAVEN tem personagens realmente apaixonantes, e uma história contada de um jeito diferente, instigante. A força do jogo está na relação de sues protagonistas, pois o ato de “jogar” HAVEN não é tão divertido assim, e depois de umas horas a gente fica de saco cheio de visitar uma nova ilha tomada pela Ferrugem e saber que vamos ter que limpar tudo (de novo).
Por mais que eu não seja um grande fã de visual novels, acho que este jogo merecia ter sua história contada de outra maneira. É bizarro dizer isso, eu sei, mas eu me diverti mais com o jogo quando não estava, de fato, jogando-o, mas simplesmente acompanhando a rotina de Yu e Kay, e tomando partido em suas discussões.
Apesar disso, eu gostei de HAVEN, e o fato dele estar disponível no Game Pass talvez seja uma chance do jogo encontrar seu público. Venha de mente aberta, e tenha a certeza de que vai sair com o coração mais quentinho.
HAVEN está disponível para PC, Playstation 5 (versão analisada), Xbox One, Series S|X e Nintendo Switch.