Análise Arkade: It Takes Two, uma incrível e criativa jornada para 2 jogadores

31 de março de 2021
Análise Arkade: It Takes Two, uma incrível e criativa jornada para 2 jogadores

Josef Fares sem dúvida é um sujeito fiel aos seus princípios. Desde que lançou seu primeiro jogo, Brothers: A Tale of Two Sons, ele demonstrou que se interessava por histórias cooperativas, com foco no trabalho em equipe.

Brothers, na verdade, era um jogo cooperativo para um jogador só, uma vez que controlávamos os dois irmãos separadamente, utilizando apenas um controle.

Depois que fundou o Hazelight Studios, Fares continuou focado nessa premissa: o primeiro jogo do estúdio, o ótimo A Way Out, contava a dramática história de dois sujeitos que fugiam da cadeia e partiam em uma caçada para se vingar do sujeito que os colocou lá.

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Si, tem easter egg de A Way Out em It Takes Two! 😀

Agora, com It Takes Two, o diretor dá mais um passo nessa sua busca pela “experiência cooperativa definitiva”. E olha, a boa notícia é que a equipe se superou: It Takes Two é uma experiência incrível, que você pode curtir tanto no multiplayer cooperativo “de sofá” quanto online — com direito a Passe de Amigo para jogar com quem não tem o game.

Salvando o casamento

It Takes Two gira em torno de um drama familiar relativamente comum: o divórcio. Rose é uma garotinha que está vendo o clima em sua casa piorar por conta dos desentendimentos constantes dos pais, Cody e May, que estão iniciando um processo de divórcio.

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Para tentar lidar com tudo isso, a criança fez um par de bonequinhos, que representavam os pais em suas brincadeiras. Aflita para ajudar os pais a se entenderem, ela também arruma um livro de autoajuda, na esperança que os ensinamento do autor pudessem fazer os pais se reconciliarem.

É quando Rose, desesperada, chora sobre os brinquedos que fez dos pais, que a magia acontece: a consciência dos adultos é transportada para os corpos de madeira, argila e lã dos bonequinhos. Assim, guiados (e atrapalhados) pelo livro de autoajuda mágico Dr. Hakim, Cody e May terão que passar por altas aventuras se quiserem voltar ao normal…e quem sabe, consertar seu relacionamento.

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A história do jogo não é particularmente incrível, mas ganha pontos por abordar um tema delicado (divórcio) com sensibilidade e bom humor. O livro, Dr. Hakim, está o tempo todo “trollando” os personagens, e a maneira como a relação do casal evolui ao longo da campanha é surpreendentemente bem construída, mesmo para um jogo que trata do assunto com uma leveza quase infantil.

Uma jornada para dois

Como A Way Out, It Takes Two, como seu nome sugere, não pode ser jogado sozinho: o jogo precisa de dois players para funcionar. Eu joguei com a minha namorada, em modo cooperativo local, mas também é possível curtir o game online, mesmo com um amigo que não tenha o jogo, graças ao Passe de Amigo, mais um recurso bacana que a Hazelight trouxe de seu jogo anterior para acessibilizar o jogo e facilitar a jogatina cooperativa.

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Um dos jogadores assume o comando de Cody, outro controla May. A tela fica dividida na maior parte do tempo, de modo que ambos os jogadores podem ver tanto a própria tela, como a do outro jogador.

Vou deixar um exemplo (bem literal) de como o trabalho em equipe é fundamental: no trecho abaixo, May usa botas antigravitacionais que lhe permitem caminhar pelas paredes. Ela deve, então, dar um jeito de criar uma escada, para que Cody também possa subir.

Clique no play e confira:

Sacou? E como esse é um jogo totalmente pensado para o trabalho em equipe, cada personagem vai receber acessórios e habilidades específicas, que precisam ser utilizados em conjunto com o acessório/habilidade do outro jogador para funcionar.

Criatividade sem limites

O pessoal da Hazelight realmente foi criativo na hora de elaborar não apenas os puzzles, mas todo o design do jogo, para funcionar com base no trabalho em equipe. Um ajudar o outro não é uma uma opção, mas uma necessidade. E o jogo vai incluindo novos elementos a cada fase que acrescentam novos temperos à essa receita colaborativa.

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May é o martelo, Cody, os pregos (repara nas garrafas, que coisa linda)

Já no começo do jogo temos um ótimo exemplo: May acopla um martelo em suas costas, enquanto Cody cuida dos pregos. Cody, então, vai ter que lançar seus pregos em lugares específicos, para que May possa utilizá-los. Colaboração é a chave do sucesso, como o Dr. Hakim vai te relembrar o tempo todo.

Em outro momento da campanha, vamos adentrar um imenso e perigoso vespeiro. May ganha uma arma que dispara palitos de fósforo… mas sozinha, a arma é inútil. Felizmente, Cody fica encarregado de carregar um dispositivo que dispara uma gosma inflamável, para ser usada em conjunto com os fósforos.

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A gosma também serve como peso, o que é útil para acionar mecanismos

Não vou dar mais exemplos aqui para não estragar a surpresa de quem for jogar, pois entender como as mecânicas funcionam e se complementam é parte da brincadeira. Mas é realmente impressionante a quantidade de gadgets e mecânicas únicas que vão sendo incorporadas ao longo da jornada.

Mais impressionante ainda é o fato de que o jogo não fica se repetindo: cada capítulo da jornada apresenta uma mecânica própria, com navegação e puzzles pensados para aquela combinação de equipamentos. Quando passar daquele trecho, os personagens vão abandonar suas “ferramentas”, e aquela mecânica não será mais vista no jogo.

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Ligar os pontos com 2 pessoas segurando o lápis pode ser meio caótico

Isso certamente demanda um trabalho de criação e desenvolvimento absurdos (afinal, mecânicas inteiras são apresentadas e abandonadas ao longo do jogo), mas contribui para tornar a experiência muito mais rica, variada e divertida. Nem todas as partes são super legais — há um trecho dentro de um caleidoscópio que achei particularmente chato — mas, na esmagadora maioria dos casos, It Takes Two manda muito bem em sua proposta.

A alegria da cooperação

Sei que muita gente vai preferir curtir o jogo com um amigo online — o Passe de Amigo inclusive incentiva isso –, mas devo relatar que minha experiência jogando com a namorada foi mágica. Minha namorada não é “gamer”. A gente até joga algumas coisas juntos, ocasionalmente, mas tirando a série Just Dance — que ela ama e inclusive analisa aqui para o site –, no geral ela não se liga muito em videogames.

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Isso me faz valorizar ainda mais esse esforço de Josef Fares em contar histórias puramente cooperativas. Nós assistimos a filmes e séries juntos, fazemos um monte de coisas “de casal” juntos, mas a interatividade lúdica dos videogames propicia algo que quase nenhuma outra mídia é capaz de replicar.

Me refiro às trocas de ideias, à experimentação para solucionar um puzzle, às risadas que vêm quando algo dá errado, e à satisfação quando, juntos, passamos por um trecho particularmente desafiador. Pequenas conquistas inerentes aos videogames que são legais quando feitas sozinho, mas que tornam-se ainda mais especiais quando compartilhadas. Numa indústria pautada por jogos violentos, competição e comportamentos tóxicos, Josef Fares entende como poucos que videogames não precisam ser sempre sobre matança e competitividade.

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Aqui, um jogador controla o equilíbrio vertical, outro o horizontal. Haja coordenação!

Mesmo quando envolve “matança”, o jogo faz isso com criatividade, sempre exigindo que os jogadores pensem e trabalhem. It takes Two tem algumas das batalhas contra chefes mais legais dos últimos tempos, e a maneira como eles demandam coordenação e colaboração para serem vencidos é genial.

Aliás, minha única crítica ao jogo está nos mini-games competitivos: tudo aqui é pensado para favorecer a cooperação, o trabalho em equipe. A própria história do jogo corrobora com isso: é um casal em crise querendo se reconciliar, afinal.

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Os mini-games competitivos meio que quebram o clima…

Porém, espalhados por todo o jogo, temos mini-games competitivos, que colocam Cody e May em uma disputa por pontos. São atividades pontuais, tipo cabo de guerra ou tiro ao alvo, que não acrescentam muito ao jogo em si. Entendo que essas atividades estão ali basicamente para tirar proveito da experiência de 2 jogadores, mas, no geral, por mais que sejam divertidas como passatempos, acho que elas tiram o foco do que o jogo tem de melhor: a colaboração.

Audiovisual

It Takes Two tem um visual estilizado muito bonito e cheio de carisma. Testei a versão Playstation 5 que roda muito bem, tem load times extremamente rápidos e uma riqueza de detalhes que enche os olhos: texturas de diferentes materiais, partículas, fumaça… até a lã presente no visual dos personagens é super detalhada.

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Olha esse visual, que incrível

Como os personagens são brinquedos, o jogo brinca com a perspectiva de formas muito divertidas. Até lembra o clássico “Querida, Encolhi as Crianças“: quando você é bem pequeno, ambientes como um galpão de ferramentas ou o quarto de uma criança podem ser bem imponentes e assustadores!

No departamento sonoro, o jogo também acerta a mão: as dublagens em inglês estão ótimas, e concedem muita personalidade a todos os personagens. O destaque vai para o irreverente Dr. Hakim, o livro de autoajuda zoeiro (com um sotaque meio árabe) que rouba a cena sempre que aparece. Ah, e os menus e legendas em português brasileiro foram muito bem traduzidos.

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Jogando no PS5, só senti falta de um uso mais pronunciado dos recursos do DualSense: o jogo praticamente não usa os gatilhos adaptáveis, nem o feedack háptico do controle. Entendo que isso são recursos específicos de uma plataforma, mas sem dúvida tornariam a experiência como um todo ainda mais bacana e imersiva.

Conclusão

It takes Two é uma experiência realmente única no mundo dos games. Sua abordagem lúdica sobre um tema dramático como o divórcio funciona muito bem, e olha que a narrativa nem é a melhor parte do jogo: seu ponto forte é a criatividade.

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O que o jogo faz de maneira brilhante é entregar uma deliciosa aventura compartilhada, totalmente pensada para ser apreciada por duas pessoas. No meu caso, dividi a experiência com “a patroa”, mas você pode jogar com seu amigo(a), seu primo(a), seu irmão (ou irmã)… quem estiver disponível.

Não importa quem vai ser o seu player 2. Só não deixe de dar uma chance para It Takes Two: o jogo é, desde já, uma das melhores surpresas de 2021. Uma experiência cooperativa imperdível, que com certeza vai render boas horas de diversão e trabalho em equipe.

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Ocasionalmente, a divisão da tela muda de posição

Espero de coração que outras empresas passem a investir nesse tipo de jogo — apenas a Hazelight está produzindo esse tipo de game atualmente. Não é só um “jogo multiplayer”, é uma experiência colaborativa feita sob medida para duas pessoas. Desde já, estou ansioso e animado para ver onde Josef Fares vai levar sua criatividade na próxima.

https://youtu.be/BeZMv2dHqQU

It Takes Two foi lançado em 26 de março, pelo selo EA Originals. O jogo está disponível para PC, PS5 (versão analisada), PS4, XOne e Series X|S.

Rodrigo Pscheidt

Jornalista, baterista, gamer, trilheiro e fotógrafo digital (não necessariamente nesta ordem). Apaixonado por videogames desde os tempos do Atari 2600.

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