Análise Arkade – Just Dance 2022 inova pouco mas diverte muito
Já é certeiro dizer que Just Dance se tornou uma verdadeira tradição no mundo dos jogos eletrônicos. Uma franquia anual que se notabilizou por oferecer uma experiência que não necessariamente busca o público tradicional dos videogames, ou mesmo da própria Ubisoft, cuja grande alcunha é a de produzir jogos de ação de mundo aberto com pitadas (ou doses cavalares) de RPG para um jogador mais dedicado.
Em tempos onde jogos de ritmo — como eram Guitar Hero e Rock Band, por exemplo — parecem não mais pleitear as glórias de um passado recente; e jogos casuais para a família toda parecem cada vez mais relegados aos consoles Nintendo desde a mudança de paradigma que foi o Nintendo Wii, este é o ponto fora da curva, talvez a exceção que confirme a regra.
Diversidade e momento
Não é de hoje que encontramos em Just Dance aquilo que era bastante comum em coletâneas dos anos 1990, como As Melhores da Pan ou Furacão 2000, uma seleção dos hits que mais tocaram nos últimos meses, quase sempre as de maior apelo para a dança. Talvez a grande diferença não seja bem as que tocam nas rádios ou nos programas dominicais da TV aberta, mas sim nas plataformas dedicadas e nas redes sociais. Nesta edição 2022 não é diferente, e várias canções dentre as mais influentes estão bem representadas no set list do jogo, somadas a algumas pérolas de um passado recente.
Para não me estender demais nessa lista – são 40 novas faixas, algumas com duas versões em níveis de dificuldade diferentes – deixo abaixo o vídeo oficial com todas as músicas disponíveis:
Os destaques, claro, vão depender muito da expectativa e até do gosto musical de cada um. Pessoalmente, até pela minha (ridícula) capacidade de executar movimentos sincronizados ou de alguma beleza estética, canções como Chacarron, de El Chombo; Mr. Blue Sky, de The Sunlight Shakers; Jerusalema, colaboração entre Master KG e Nomcebo Zikode; e good 4 u, de Olivia Rodrigo caem bem, enquanto Believer, do Imagine Dragons; Human, de Sevdaliza; e Last Friday Night, de Katy Perry exigem um pouco mais plasticidade e, claro, preparo físico.
A estranheza da Build A B*tch, de Bella Poarch (obviamente censurada para garantir a classificação livre do título) também diverte e Dua Lipa (velha conhecida dos games pela participação na trilha de FIFA 21) traz a conhecida Levitating em duas versões, a segunda delas de tirar o fôlego dos menos preparados. Justin Timberlake, Shakira, Beyoncé, Lady Gaga, Snoop Dog e outros grandes nomes mainstream, como não poderia deixar de ser, acompanham outros artistas de destaque recente no meio, com boa representação de intérpretes fora do eixo EUA-Reino Unido.
Como já se tornou frequente, o Brasil tem suas representações, com duas participações bastante intensas de Pablo Vittar, uma ao lado de Charli XCX em Flash Pose e outra de Anitta em Sua Cara, além da versão gringa, de Bakermat, remixada de Baianá (cuja versão original é dos Barbatuques). Sem pachequismo, não deixa de ser bacana ver material brasileiro chegando à franquia, como já se tornou tradição em edições anteriores, ao lado de conteúdos de vários cantos do mundo que até 10 anos atrás seriam muito mais difíceis de chegar até nós. Este é, obviamente, um reflexo da expansão de plataformas on-demand que conseguem fugir, pelo menos um pouquinho, da lógica broadcast da cultura pop.
A tal World Music, tal como o World Cinema (expressões cunhadas para denominar tudo o que não é estadunidense ou falado em idioma inglês, como se fossem conteúdos periféricos e excêntricos) cada vez faz menos sentido, e Just Dance tem abraçado essa diversidade de modo muito divertido muito mais como uma resposta dessa multiplicidade cultural, ao contrário da maioria das premiações mais pomposas que continuam dividindo o mundo entre eles e o resto. E aí podemos, todos nós, dançarmos (ou ao menos nos esforçar muito) para engatar coreografias originais da Coréia do Sul, do Brasil, do Irã e até dos Estados Unidos, caso seu fôlego esteja em dia.
Sem mudar, melhorou
Outro ponto de grande destaque está no capricho da grande maioria das coreografias, que conseguem extrair alguns passos originais bem característicos e encaixar em um modelo Just Dance de se fazer as coisas. Se em algumas edições passadas houve problemas em descaracterizar uma dança em sua totalidade (e não é todo dia que alguém me verá criticando a falta de fidelidade para com Back Street Boys e Frozen), a edição 2022 é muito mais justa ao adaptar aquilo que já vimos antes para pessoas comuns se sentirem verdadeiros bailarinos.
Esse respeito também transparece para a qualidade artística de cenários, os modelos dos dançarinos, figurinos e a montagem. Há verdadeiros videoclips sofisticados, e fiquei particularmente impressionado com a nova leitura de Rock Your Body, de Justin Timberlake e Chandelier, de Sia e confesso que estas e algumas outras músicas foram repetidas aqui em casa algumas vezes sem nenhuma intenção de acompanhar a dança, só para assistir com mais atenção aos detalhes. Ainda que o modo Quick Dance crie uma sequência aleatória quase ininterrupta, senti falta de ter uma forma de criar sua playlist automática e deixar tocando em um modo livre. Seria um grande sucesso no churrascão até o primeiro sujeito alcoolizado tomar coragem para levar a brincadeira a sério.
Ainda assim, mesmo com 40 canções e algo em torno de duas horas de material, confesso que o jogo, sozinho, se insinua muito mais uma degustação do potencial verdadeiro da plataforma Just Dance Unlimited, que já conta com 600 opções no catálogo, algumas das quais bastante conhecidas das edições anteriores do game. Cada novo Just Dance parece, na comparação, um pacote de expansão a preço cheio do verdadeiro jogo, algo que enquanto modelo de negócios parece mais interessante que, por exemplo, os jogos anuais de esportes que só atualizam um conteúdo que já existia, mas que sempre nos deixa com a sensação de que, se invertido, seria menos agressivo ao consumidor fiel.
Independente disso, sem considerar o conteúdo expandido, Just Dance 2022 traz algumas boas melhorias técnicas, sem mexer naquilo que já está bem estabelecido. Eu esperava que em algum momento, o sistema giroscópico dos controles da nova geração – em especial o DualSense, já que esta avaliação tem por base a versão de Playstation 5 – fosse substituir, ou quem sabe complementar o padrão que se apropria de um smartphone com o aplicativo complementar. Não tenho dados técnicos sobre a precisão de um na comparação com o outro, mas eu tinha a impressão que daria para fazer dos dois jeitos.
Já que toquei no assunto da precisão de movimentos, cabe ao jogador comprar a ideia de que este é um jogo absolutamente de envolvimento pessoal cujo objetivo primordial não é a vitória, a perfeição ou a máxima pontuação, ainda que obviamente estes elementos sejam intrínsecos ao sistema competitivo (e também colaborativo) das classificações, sejam locais, sejam mundiais. Porém, se esse fosse o verdadeiro mote da experiência, certamente se sairiam melhor aquelas pessoas que se concentram em fazer os movimentos, com a mão direita, que tenham melhor chance de serem bem reconhecidos pelo jogo, já que é o único parâmetro para avaliação.
É como no videokê: há quem saiba algum truque para tirar as pontuações mais altas no aparelho que nada tenha a ver com cantar, performar ou algo assim, e ao mesmo tempo que sejam trapaças que funcionam, são as mais idiotas formas de se vivenciar aquilo que está proposto. Só tem um jeito de se aproveitar Just Dance do jeito certo, e para ser sincero, esse jeito está muito longe da chancela entre o ok e o perfect. Ou a pessoa se joga e cabeça e curte de forma desembaraçada aquela coreografia na tela, ou provavelmente vai desdenhar do jogo, independente da pontuação.
Isso tudo significa que o jogo é basicamente o mesmo de 5, 10, 13 anos atrás, com algumas melhorias artísticas e um set list renovado com o que há de mais famoso na música pop do mundo. Se você nunca foi adepto do modelo, não é esta edição, e provavelmente não será nenhuma outra no futuro da franquia, que mudará sua opinião, mas se mesmo conhecendo pouco do que já foi feito antes houver o desejo de ver qual é o motivo da série ser uma das mais viciantes da atualidade, que detém um dos públicos mais fiéis, é uma ótima porta de entrada, principalmente se o jogador se envolver a ponto de aceitar desembolsar o valor complementar para assinar o complemento Unlimited.
Velhos costumes, velhos desejos
A manutenção das principais características do jogo traz de volta alguns desejos antigos – possivelmente só meus, quem sabe de mais alguém – como a vontade de que as músicas não sejam classificadas pela dificuldade a priori, o que já assusta logo de cara, nem que só uma ou outra tenha uma versão alternativa mais desafiadora. Eu sempre quis ver o mesmo modelo de Guitar Hero (sim, é a segunda vez que cito a referência sem vergonha de ser viúvo da marca) onde há gradações de dificuldade para todas as músicas da lista, não necessariamente com diferentes formas e coreografias, mas talvez em termos de quantidade de movimentos exigidos e de precisão de comandos.
A possibilidade de jogar cooperativamente – com ambas as pessoas somando esforços e cobrindo os deslizes uma da outra – e competitivamente funcionam incrivelmente bem, mas de forma mais efetiva quando ambas as pessoas tem algumas variações nos passos. As músicas caracteristicamente solo dependem dos movimentos serem iguais e funcionam menos quando se joga o multiplayer. Seria incrível que todas as 40 coreografias tivessem ali uma versão com mais de uma pessoa com passos complementares.
São dois pontos menores, claro, e quase que irrelevantes perto dos acertos da edição. As premiações que resultam do bom desempenho estão lá, sem atrapalhar a jogatina, e que bom que aqui não há qualquer sintoma de loot boxes, mesmo sendo premiações aleatórias, visto que são coisas puramente estéticas e sem qualquer influência no geral. Bom também é ter a chance de desbloquear algumas versões da lista realmente por mérito, jogando.
O modo on-line – o já tradicional World Dance Floor – e os desafios diários, bem como o destaque para o melhor da semana em cada música (incluindo todas as do pacote Unlimited), continuam como eram já nos últimos anos. Só não entendo porque as estatísticas de pontuação locais e mundiais não aparecem também quando se está acessando a música pela playlist pré-definida (nem pela que montamos por nós mesmos), tal quando vistas no menu principal. Esses rankings são legais e fomentam a competitividade local e também incentivam aqueles mais afoitos por fazer mais e melhor. Sinto falta de estatísticas mais precisas e detalhadas. Sim, eu disse que essa parte da pontuação é o que menos importa no final das contas, mas ainda importa.
Conclusão
Just Dance 2022 é definitivamente um mais do mesmo, e neste caso essa é uma ótima notícia para os fãs de longa data. Não há mudanças significativas em modos de jogo ou no gameplay em si, a não ser pelo fato de a versão original de nova geração já não ter suporte ao PS Move como eram as edições anteriores de PS4, por exemplo. Está tudo quase intocado para quem já viu algo da série nos últimos quatro ou cinco anos.
A nova coleção de músicas é equilibrada, trazendo grandes nomes da música pop somados a alguns fenômenos mais recentes. Também resgata alguns ótimos sucessos dos anos 1990 e 2000, mas foca principalmente naquilo que tem se destacado nos últimos dois anos nas plataformas mais populares. Dizer se é uma boa lista ou não, porém, é algo absolutamente pessoal. É provável que todas as canções que eu tenha destacado nesta análise não importem nem um pouco para você, e todas as demais podem ser suficientes para valer o investimento. Veja novamente a lista final de conteúdo e decida por si mesmo, por si mesma.
Há, porém, melhorias significativas em alguns aspectos técnicos, e algumas faixas estão especialmente muito bem resolvidas no que tange o quesito estético. Na comparação, algumas mais antigas parecem produções baratas em choma key caseiro. O mesmo vale para alguns figurinos que fogem daquela moda street ou das fantasias no melhor estilo Carreta Furacão de outrora. Não é nada, claro, disruptivo ou algo assim, mas é evidente que a Ubisoft tem mexido naquilo que não inviabiliza o que veio antes, aproveitando das melhorias gráficas possíveis pela nova geração com mais cores, formas e qualidade audiovisual.
Disponível para praticamente tudo – Xbox Series X|S, PlayStation 5, Xbox One, Playstation 4, Nintendo Switch, PC e Google Stadia – Just Dance 2022 foi lançado em 04 de novembro de 2021 com direito à localização em menus e textos também para o nosso português brasileiro.