Análise Arkade: Kaze and the Wild Masks, uma obra-prima 2D feita no Brasil

20 de março de 2021
Análise Arkade: Kaze and the Wild Masks, uma obra-prima 2D feita no Brasil

Quem acompanha nosso trabalho aqui na Arkade sabe que sempre abrimos espaço para falar de jogos brasileiros. A qualidade das produções nacionais vem aumentando consideravelmente nos últimos, anos, e hoje, tenho orgulho de falar sobre este que é um dos melhores e mais polidos games brasileiros que já joguei na vida: Kaze and the Wild Masks.

Essa não é a primeira vez que tive a chance de jogar Kaze and the Wild Masks. Lá em 2018, os camaradas responsáveis pela produção do game nos deram acesso a uma early build do jogo, e já naquela época a impressão que o jogo deixou foi muito positiva. Agora, porém, falo do jogo completo, que será lançado na próxima sexta para diversas plataformas.

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Vale ressaltar que, de 2018 para cá, o jogofoi apadrinhado por uma publisher de alcance internacional: a produção é brasileira, mas quem cuida da distribuição do jogo é a holandesa Soedesco — mesma que lançou jogos como Owlboy e Omen of Sorrow. Isso sem dúvida ajuda na visibilidade e no marketing global do game.

Pois bem, o fato é que no dia 26 de março, Kaze and the Wild Masks finalmente será lançado para diversas plataformas. Então, hoje estou aqui para falar do jogo completo, e reafirmo o que falei ali em cima: esse é um dos melhores games brasileiros que já joguei, e não deve absolutamente nada para títulos maiores feitos por estúdios gringos.

A coelha mascarada

A história de Kaze and the Wild Masks acompanha a coelhinha Kaze em uma missão para salvar o arquipélago em que vive. Depois que um meteoro cai na região, desencadeia uma maldição que transforma todos os vegetais em monstros. Para piorar, seu amigo Hogo foi sugado para dentro de uma joia mágica.

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Se quiser salvar tanto seu amigo quanto seu lar, Kaze precisará apelar para os poderes das Wild Masks, máscaras que lhe permitem “invocar o poder dos lendários guardiões” — e de quebra, lhe concedem novas habilidades. São quatro máscaras, cada uma representando um animal diferente: águia, tigre, tubarão e lagarto.

Este é um game de plataforma 2D no sentido mais puro da palavra: nosso objetivo geralmente é seguir para a direita batendo em inimigos, coletando cristais e evitando armadilhas. Apesar dessa linearidade, o jogo esconde muito bem alguns segredos que sem dúvida vão te fazer rejogar algumas fases se não quiser deixar nada para trás e te fazer sentir esperto sempre que conseguir achá-los.

Nostalgia & Capricho

Kaze and the Wild Masks não esconde suas referências: ele é fortemente inspirado por Donkey Kong Country, um dos maiores clássicos do gênero. Mas eu também pude ver um pouquinho de Sonic nele, e até mesmo uma pitada de Rayman Legends (que, embora seja mais recente, para mim ainda é um dos melhores jogos de plataforma 2D já produzidos).

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Se em Donkey Kong há as letras K, O, N, G escondidas, aqui temos as letras K, A, Z, E para caçar. Saem os barris que arremessam o personagem, entram balestras, impulsionadas pelas orelhas da personagem. Orelhas, aliás, que ela também usa para voos curtos (como a Dixie fazia) e também para bater em inimigos, carregar objetos e se dependurar em cordas.

Talvez isso faça o jogo parecer derivativo demais, mas ele tem estilo, personalidade. Sem contar que, sejamos sinceros: há um monte de cópias de Dark Souls por aí. A indústria dos games é cíclica, tende a repetir o que dá certo. Se Kaze and the Wild Masks usa jogos do calibre de Donkey Kong Country e Rayman Legends como referência, eu aplaudo de pé a coragem e a ousadia dos produtores, afinal o patamar estabelecido por esses jogos é bem alto.

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E, olha, eles sem dúvida fizeram um bom trabalho: o gameplay é muito bem calibrado, fluido, preciso e responsivo. E também é super simplificado (no bom sentido): usamos basicamente o direcional e dois botões do controle (pulo e ataque). Um controle de Nintendinho daria conta do recado, especialmente porque a simplicidade das mecânicas não ofusca sua qualidade.

Jogar Kaze and the Wild Masks é delicioso e bastante desafiador, como eram os jogos de plataforma de antigamente. Há dois modos de dificuldade: o Modo Casual, com mais checkpoints e vida, e o Modo Original que é o recomendado para “jogadores dedicados que adoram um desafio de verdade”.

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Eu fui no último e não me arrependo. Passei alguma raiva ali pela terceira ilha, mas no geral achei o nível de desafio excelente. O jogo não é frustrante nem punitivo demais, você só depende das suas habilidades, não há sorte envolvida. No quesito “desafio”, acredito que quem cresceu jogando Mega Drive e Super Nintendo não vai ter do que reclamar.

O level design do jogo é simplesmente incrível. Em muitos trechos, cada plataforma, cada inimigo e cada projétil é posicionado com precisão cirúrgica para que Kaze possa avançar. Vou deixar abaixo um pequeno que exemplifica bem isso. Repare como o timing das espigas é estrategicamente calculado para que possamos “quicar” nelas e usá-las como uma ponte:

Eu sou muito crítico com a moda de cenários procedurais que existe hoje em dia. Entendo que a geração procedural aumenta o fator replay… mas também tira todo o brilho, a genialidade do design “feito à mão”. Kaze and the Wild Masks traz essa genialidade o tempo todo: o jogo é uma aula de level design old school, com tudo feito sob medida para o jogador passar correndo, pulando e planando.

Aliás, eu mal posso esperar para ver os speedruns de Kaze and the Wild Masks. Ele sem dúvida vai ser um prato cheio para quem curte a modalidade. Há inclusive um troféu por zerar o game menos de 2 horas. Confesso que levei mais que o triplo disso, mas rejoguei certas fases algumas vezes em busca de segredos… e também morri um bocado. 😛

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Algumas dessas mortes foram nas boss battles, que seguem aquele jeitão Nintendo: devemos evitar os ataques do chefe e esperar uma brecha para revidar. Ao longo da batalha, o chefe pode apresentar novas técnicas, o que exige que o jogador memorize seus padrões de ataque para aproveitar o melhor momento de agir.

Em resumo: a mistura de gameplay super bem calibrado do jogo + seu level design primoroso rende um jogo de plataforma 2D praticamente impecável. Um produto com essa qualidade, esse nível de polimento, feito no Brasil, sem dúvida é motivo de orgulho para todos nós, gamers tupiniquins.

As Wild Masks

Presentes já no título do jogo, as Wild Masks são uma parte importante da jornada de Kaze, e acrescentam novas camadas de gameplay — todas igualmente bem calibradas, o que enriquece ainda mais o resultado final.

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Como já dito, são quatro máscaras, que podem ser coletadas e utilizadas somente nos momentos oportunos. A da águia nos permite voar e disparar projéteis, a do tubarão, nadar e aplicar um ataque giratório na água. A do tigre troca as habilidades da orelha por um dash/ataque horizontal, e também permite que Kaze escale certas paredes. Por fim, a máscara de lagarto libera saltos bem maiores e pulos duplos, além de uma “barrigada” inclinada que pode ser feita no ar. Ao colocar a máscara de lagarto, Kaze passa a correr automaticamente, e o que a gente faz é coordenar seus pulos para evitar os obstáculos.

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Aqui entra novamente a questão do level design: como não podemos escolher ou trocar de máscara a qualquer momento, o layout das fases foi pensado para aproveitar ao máximo as novas possibilidades de gameplay que cada uma delas oferece. As fases com o tigre, por exemplo, têm mais verticalidade, para você escalar paredes e desafios que demandam o uso do dash, enquanto os trechos do lagarto funcionam quase como jogos de ritmo: é uma questão de acertar o timing de seus saltos para evitar abismos, inimigos e armadilhas.

Abaixo, um trechinho de gameplay com a máscara de tigre, que mostra como o dash é fundamental:

O jogo também acerta a mão ao não abusar das máscaras, distribuindo bem a utilização delas ao longo da campanha. Há diversas fases em que nem temos máscara para usar, o que não é um problema, uma vez que Kaze, por si só, já é perfeitamente capaz… desde que você saiba o que está fazendo nos controles, claro.

Audiovisual

Mais um ponto em que a PixelHive acertou na mosca: o visual de Kaze and the Wild Masks é belíssimo, conseguindo ser nostálgico e moderno ao mesmo tempo. O jogo se apresenta em uma pixel art super detalhada, colorida, e tem uma direção de arte fascinante. Ele não se prende a limitações técnicas para tentar ser um jogo da geração 16-bits — é muito mais bonito do que isso –, mas possui a mesma vibe, sem parecer datado.

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As animações são igualmente caprichadas e nostálgicas: a fluidez impressiona, e ver Kaze impaciente por ficar parada ou se equilibrando na beira de uma plataforma é algo que vai trazer um sorriso ao rosto de quem jogou Sonic. Os inimigos, embora possuam seus padrões de movimentação, também são muito bem animados e possuem um ar meio “fofinho”, algo que também era bem comum nos clássicos do gênero.

Os cenários também impressionam: há uma grande variedade de ambientes, todos com suas próprias características. Seguindo a cartilha do gênero, temos bosques verdejantes, cavernas cheias de lava, desertos com redemoinhos de areia, ruínas repletas de plataformas instáveis e florestas escuras, onde devemos acender certas flores para assustar os inimigos.

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“Acender” a floresta deixa o visual ainda mais bonito

A trilha sonora combina perfeitamente com a proposta do jogo: cada fase possui sua própria música, que pode ser alegre e grudenta, ou mais soturna e atmosférica. Não é chiptune, mas, novamente, emula com perfeição o estilo das músicas cíclicas que embalaram os grandes jogos do gênero.

Como estamos falando de um jogo brasileiro, Kaze and the Wild Masks está totalmente localizado para o nosso idioma. Isso na verdade se aplica basicamente aos menus, uma vez que o jogo não tem diálogos, nem nada do tipo.

Conclusão

Kaze and the Wild Masks é uma verdadeira joia da indústria brasileira de games. Produzido com extremo capricho, ele presta uma bela homenagem aos clássicos de plataforma 2D sem usá-los de muletas: o jogo tem carisma, estilo, e impressiona pelas suas próprias qualidades, por quão polido ele é.

Análise Arkade: Kaze and the Wild Masks, uma obra-prima 2D feita no Brasil

Com gameplay extremamente agradável, visual incrível e level design primoroso, Kaze and the Wild Masks não é só um excelente jogo brasileiro; é um excelente jogo e ponto, com predicados de sobra para fazer bonito aqui e no mundo.

Definitivamente merece ser jogado tanto por quem cresceu jogando Donkey Kong Country, Mario e Sonic quanto por jovens gamers que curtem desafios e não se ligam tanto na nostalgia envolvida. Ambos os públicos vão achar um motivo para curtir o game.

Kaze and the Wild Masks será lançado no dia 26 de março, com versões para PC, Plastation 4, Xbox One, Nintendinho Switch e Google Stadia. Está análise foi feita com base na versão PS4 do game (rodando no PS5), que recebemos antecipadamente da Soedesco.

Rodrigo Pscheidt

Jornalista, baterista, gamer, trilheiro e fotógrafo digital (não necessariamente nesta ordem). Apaixonado por videogames desde os tempos do Atari 2600.

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