Análise Arkade: Little Nightmares II segue fazendo um terror diferenciado com (muita) qualidade
Não parece, mas Little Nightmares já foi lançado há quase 4 anos, e foi um dos melhores jogos de 2017. Esta semana, chega Little Nightmares II, que agrega algumas novidades, mas segue apostando em uma experiência que mistura inocência e terror de maneira incrível.
Uma jornada sinistra
Little Nightmares II já começa diferente ao apresentar um personagem: se no primeiro jogo controlamos Six, a garotinha de capa de chuva amarela, agora temos como protagonista Mono, um garotinho com um saco de papel na cabeça. Não sabemos exatamente quem são essas crianças, mas acho que esse mistério faz parte do charme dessa série.
Digo isso porque, novamente, vivemos uma jornada intensa, sem que nenhuma palavra seja dita. Mono parece ter alguma relação macabra com televisores — em um clima meio Poltergeist, aquele filme de terror dos anos 80 –, e estará o tempo todo fugindo, sendo perseguido, acuado.
Esse tipo de jogo, que é uma jornada quase ininterrupta (e meio sombria), meio que surgiu com Limbo, foi aprimorado em Inside, e Little Nightmares empresta alguns elementos, mas acrescenta seu próprio lore à receita. E o lore aqui não é necessariamente narrativo, mas conceitual: ele se faz presente no mundo, na atmosfera, nas criaturas.
Little Nightmares II é um jogo cooperativo para um jogador: Mono invariavelmente vai encontrar a garotinha do primeiro jogo (e a capa de chuva amarela), e os dois terão que se ajudar para superar os obstáculos e perigos da campanha.
Sendo bem honesto, eu não saberia te dizer, objetivamente, qual é a história de Little Nightmares II, mas posso te dizer que a jornada que ele entrega é intensa e aterrorizante, com direito a um baita plot twist no final!
Sempre em frente
Little Nightmares II é um jogo que não te dá muito espaço para respirar. Embora ele seja dividido em capítulos, e haja uma clara diferenciação temática entre eles (tipo “a escola”, “o hospital”), a forma como avançamos entre cada área é praticamente ininterrupta, e isso é “saudavelmente” influenciado pelas monstruosidades que estarão sempre em nosso encalço. Exemplo:
Como estamos o tempo todo em situações de perigo — sendo perseguidos, ou andando devagarinho para não ser visto por criaturas hediondas — aqui não tem muito espaço para ficar “moscando”. Você precisa estar sempre avançando, e quando se deparar com uma porta trancada, precisa dar um jeito de passar por ela.
Aí entram os puzzles: Little Nightmares II insere com maestria seus enigmas no próprio cenário — os chamados environmental puzzles –, e você precisa se virar com o que tem. Arredar móveis, escalar gavetas, se espremer por dutos de ventilação… o jogo não dá muitas dicas, então é importante estar sempre ligado nos arredores e no que pode ser útil.
Confira abaixo um momento bem típico desses: tive que dar um jeito de chegar até uma chave em um lugar alto… em um necrotério, claro, afinal, esse jogo é sempre horripilante:
Tudo isso era só para abrir uma porta. O jogo repete essa fórmula algumas vezes, mas sempre trazendo novos elementos: em alguns pontos, vamos ter que dar um jeito de ativar elevadores ou portas automáticas. Em outros, precisamos lidar com pisos eletrificados. A fórmula básica pode até ser a mesma, mas ela nunca se prende à mesma receita.
O jogo é bem-sucedido também em nivelar quão desafiadores são seus puzzles: eles nunca são fáceis demais, mas também podem te deixar uns minutos indo para lá e para cá, pensando “como chegar até ali?” ou “como ativar aquela alavanca?”. Você invariavelmente conseguirá, e vai se sentir esperto por fazer isso sem ter que apelar para um guia.
Novidades
Para não dizer que ele só “reaproveita” as ideias do jogo original, Little Nightmares II traz boas novidades. O trabalho cooperativo que rola entre personagens é uma dessas boas novas. Não dá para jogar Little Nightmares II com outra pessoa (infelizmente), mas a IA faz um ótimo trabalho controlando a Six e nos ajudando sempre que é necessário — tipo empurrar coisas ou dar impulso para alcançarmos lugares mais altos.
A outra novidade que considero bem relevante é o combate: se no primeiro jogo só podíamos fugir e se esconder, aqui temos momentos pontuais em que o combate se faz necessário. Nessas horas, sempre vamos encontrar um cano ou um martelo para utilizar, e é incrível notar o peso, o esforço que Mono faz para manejar a “arma”. Ele é, afinal, uma criaturinha pequena em um mundo gigante, desproporcional, assustador.
Para completar, há um punhado de chapéus colecionáveis que podem ser encontrados, bem como alguns “fantasmas” com os quais podemos interagir. Os chapéus não trazem novas habilidades, nem nada do tipo, mas é legal poder variar o visual “saco de papel na cabeça” ao longo do jogo.
Perigo constante
Uma coisa que eu adorei no primeiro Little Nightmares, e que continua presente neste novo jogo, é a sensação constante de terror. O jogo tem uma clima muito opressivo, e a gente nunca se sente realmente seguro. Sabe o safe room com a máquina de escrever da série Resident Evil? Aqui não tem isso: cada corredor, cada sala, parece mais sinistra e menos segura do que a anterior.
Também acho incrível a forma como o Tarsier Studios consegue injetar horror em lugares e situações absolutamente banais. Aqui há uma aura de tensão sempre que vemos uma TV ligada, e atravessar uma sala de aula — com uma professora sinistra — é algo que demanda muita coragem. Não é todo mundo que consegue criar terror com coisas tão prosaicas.
Vou deixar mais um breve vídeo aqui que mostra um pouquinho do que quero dizer: há um punhado de manequins desmembrados pelo cenário, mas só alguns deles se mexem. Precisamos, então, usar a lanterna para evitar que eles se movam. É algo que vimos o filme de Silent Hill fazer com as enfermeiras, e que aqui funciona muito bem e rende momentos de pura tensão! Peguei só o comecinho para evitar spoilers, se liga:
Outro ponto do terror deles que eu acho muito bom, é que nunca conseguimos ver direito o que está nos perseguindo: as criaturas aparecem no escuro, ou em segundo plano, levemente desfocadas. Isso envolve-as em uma aura de mistério que consegue deixá-las ainda mais aterrorizantes, afinal, pior que saber o que está te perseguindo é NÃO SABER o que está te perseguindo!
O terror é amplamente explorado no mundo dos games em diversos gêneros — FPS, adventure, ação em terceira pessoa, e até walking simulators — mas acho que poucos jogos brincam com o terror neste formato de puzzle/plataforma 2.5D. E isso só torna a franquia Little Nightmares ainda mais especial.
Audiovisual
Esta semana, Little Nightmares II está chegando aos PCs e consoles da geração passada — um upgrade para os novos consoles deve sair ainda este ano. A versão para PS4 que recebemos roda muito bem, com gameplay fluido e visual caprichado. A atmosfera desse jogo é incrível, um trabalho notável de direção de arte que esbanja estilo com seus cenários mundanos e suas criaturas distorcidas e bizarras.
Tão impressionante quanto o visual, é o som. Little Nightmares II é o tipo de jogo que merece ser jogado com um bom par de fones de ouvido. O som da chuva em um telhado, o rangido de uma porta se abrindo, o som de algo pesado e terrível rastejando pelo chão… tudo soa claro e cristalino, e te deixa ainda mais apreensivo.
A trilha sonora também é incrível, partindo da inocência de uma caixinha de música para e passando por temas mais retumbantes e intensos, que combinam perfeitamente com as perseguições. O que o departamento sonoro desse jogo faz em termos de potencializar a imersão da experiência é impressionante, então repito: use fones de ouvido e isole-se do mundo para ser absorvido.
Conclusão
Little Nightmares II talvez não seja muito inovador se colocado ao lado do ótimo jogo de 2017, mas cumpre seu papel no que diz respeito a expandir aquele universo, agregar novos conceitos e ideias que trazem frescor ao gameplay.
O fato é que nem toda sequência precisa ser revolucionária. “Em time que está ganhando não se mexe”, e o que temos aqui é uma nova história, uma nova jornada, ambientada em uma nova parte daquele universo. É um mundo imediatamente familiar, mas também é novo, não é apenas “mais do mesmo”.
Então, se você gostou do primeiro Little Nightmares, pode vir em Little Nightmares II sem medo, pois ele é tão incrível, intenso e tenebroso quanto o jogo original. E, quando for jogar, por favor, faça do jeito certo: de noite, com a luz apagada e um bom par de fones de ouvido. 😉
Little Nightmares II será lançado na próxima quinta, 11 de fevereiro, para PC, Playstation 4, Xbox One e Nintendo Switch. O jogo possui menus e legendas em português brasileiro. Agradecemos a Bandai Namco pelo código antecipado do jogo, que recebemos para produzir esta análise.