Análise Arkade: Lost in Random e seu mundo regido pela aleatoriedade
O EA Originals, braço indie da EA que já nos entregou jogos incríveis, trouxe recentemente Lost in Random, novo jogo da Zoink Games (do cativante Fe) ambientado em um mundo regido pelo rolar dos dados. Confira agora o que achamos desta estilosa aventura.
Uma sociedade regida pela aleatoriedade
Lost in Random, descrito pelos produtores como “uma aventura de ação gótica inspirada em contos de fadas” se passa no reino de Random, que é regido por uma Rainha megera que só confia na aleatoriedade dos dados.
Tudo é regido pelos dados, o que dá origem a desigualdades sociais curiosas. Quem tira 1 no dado está fadado à pobreza e à miséria vivendo em um Onecroft, , enquanto os que tiram 6 vão uma comunidade de elite junto da Rainha — Sixtopia –, com todos os outros números e suas respectivas cidades entre uma ponta e outra.
No mundo do game, não há livre arbítrio: ninguém pode escolher o que quer ser. Quando completam 12 anos, todos devem rolar o dado e descobrir o que o destino lhes reservou. O resultado (aleatório) vai definir toda a vida da pessoa dali em diante.
Neste panorama social pra lá de estranho, somos apresentados a Even, uma garotinha que vive em uma sociedade de desfavorecidos “uns”… mas de repente vê sua irmã, Odd, tirar um 6 na cerimônia, e ser levada pela Rainha para além do pedacinho de mundo que elas conhecem. Indignada e preocupada com a irmã, Even decide sair pelo mundo para resgatá-la.
Felizmente, ela acaba conseguindo um aliado e tanto em sua jornada: Dicey, um pequeno dado que é descendente de uma raça ancestral que está quase extinta. Se tem um mundo em que fazer amizade com um dado vivo pode ser útil, é este. Mas isso também é perigoso, pois os dados mágicos estão proibidos no Reino. Assim, Even e Dicey vão encarar muitos desafios, enquanto passam pelas 6 cidades do Reino em busca de Odd.
O roteiro do jogo, assinado por Ryan North (que assina diversos roteiros da série animada Adventure Time) é uma viagem muito interessante e cheia de conceitos bacanas. Há muitos NPCs para conversarmos, com opções de diálogos (sem grande peso narrativo) que nos dizem mais sobre aquele mundo. O jogo acha um meio termo entre o mágico e o bizarro: ainda que tenha um tom melancólico, a história sempre traz junto uma centelha de otimismo e esperança.
Dados & Cartas
Na prática, Lost in Random é um jogo de aventura e exploração com environmental puzzles espalhados por ambientes cuja direção de arte é o que mais se destaca. Não há áreas muito abertas nem nada muito complexo, então só fica perdido quem não entende o que deveria fazer (infelizmente, o jogo não recebeu nenhum tipo de localização para o nosso idioma).
É nos combates, porém, que o jogo realmente inova, agregando mecânicas de deck building e fazendo um uso criativo do “fator aleatório” que o rolar de dados oferece. Se todo o mundo de Lost in Random é pautado pela imprevisibilidade dos dados, isso também se aplica ao combate.
Even é praticamente indefesa, tendo apenas um estilingue para se defender. Porém, o mundo do game é repleto de cards colecionáveis que, quando utilizados, concedem armas, habilidades ou buffs à personagem.
Só que não podemos simplesmente utilizar essas cartas: é nosso amigo Dicey quem tem acesso a elas. Em combate, devemos coletar cristais para encher um medidor que vai definir os cards que poderemos usar em combate. Cada carta demanda um número para ser usada: se você tirar um 3 no dado, poderá usar, por exemplo, uma carta 2 e outra 1, ou três cartas 1.
Quando usamos os poderes de Dicey, o tempo praticamente congela, permitindo que o jogador tenha tempo para pensar em quais cartas vai usar, de acordo com a situação enfrentada. É tipo usar as magias e poderes em Final Fantasy VII Remake, mas com um toque de card game.
Confira uma batalha relativamente simples do primeiro mundo do jogo para entender como isso funciona na prática:
É legal, mas…
Esta abordagem tem pontos positivos e negativos. O lado bom é que, quanto mais avançamos no jogo, mais cards adquirimos, o que aumenta consideravelmente nosso leque de poderes. Podemos deixar decks com 15 cartas preparados, e elas serão randomizadas quando Dicey entra em ação.
O lado negativo é que, sendo bem honesto, por mais que esta seja uma abordagem muito interessante e criativa, ela logo torna-se cansativa. Mesmo batalhas que deveriam ser simples acabam arrastando-se por longos minutos, uma vez que precisamos ficar coletando cristais e rolando o dado várias vezes ao longo do combate.
Isso talvez não ficasse tão evidente se o jogo fosse mais curto — ou tivesse menos confrontos. Mas, Lost in Random passa das 12 horas, e há muitas batalhas ao longo do jogo, inclusive confrontos contra chefes. É mais ou menos o mesmo problema de Dodgeball Academia: uma abordagem nova aos combates tradicionais, mas que é tão repetida ao longo do jogo que acaba ficando enfadonha.
E isso é realmente uma pena, pois o mundo do jogo é muito interessante e a história, por mais simples que seja, mantém o jogador engajado. Porém, se certos jogos nos deixam empolgados para as lutas, aqui eu só esperava que tudo acabasse logo para eu poder seguir em frente.
Não que o restante do gameplay seja especialmente inspirado: a exploração é simples, sem grandes desafios ou possibilidades. E, como já dito, há muita conversa com os NPCs do Reino — o que quebra um pouco o ritmo da jogatina, especialmente nos hubs de cada cidade.
Audiovisual
Aqui é onde o jogo mais aceta do que erra. Sua estética é simplesmente incrível, remetendo a filmes de animação como Coraline e O Estranho Mundo de Jack. Se não é particularmente inovador, o visual concede muito estilo e personalidade à obra, e o character design é simplesmente maravilhoso.
A trilha sonora combina com a vibe do game, sendo um pouco melancólica e atmosférica na maior parte do tempo, mas evoluindo para algo mais “épico” e animado conforme as situações que se desenrolam na tela.
Um detalhe pitoresco — que não parece ser bug, mas uma escolha questionável — é que, nos diálogos, não ouvimos a voz da protagonista. Selecionamos uma frase, mas ouvimos direto a resposta do personagem com quem conversamos. Even não é uma “protagonista muda”, estilo Link, vemos ela falando e conversando nas cutscenes, o que torna este detalhe ainda mais estranho.
A versão Playstation 5 do jogo roda muito bem, com pouquíssimos loadings e resolução no talo. Mas, considerando seu visual cartunesco e estilizado, acredito que nenhuma plataforma deve sofrer para oferecer uma experiência decente.
A falta de localização é sentida especialmente pelos frequentes diálogos que vamos ter com outros personagens. Não há nada extremamente complexo sendo dito, mas entender o pormenores da trama e conhecer os detalhes daquele mundo é algo que demanda um conhecimento pelo menos intermediário de inglês.
Conclusão
Lost in Random é um caso curioso e inconstante. É aquele tipo de jogo que, particularmente, gosto mais da premissa e da temática do que do ato de jogar.
Acho que eu gostaria mais de ver esta história em outra mídia, tipo um livro ambientado neste universo, sabe? Algo menos “interativo”, simplesmente porque jogar Lost in Random não é tão agradável quanto poderia ser.
Lost in Random parte de uma premissa boa, e cria um mundo muito autêntico, mas explorá-lo não é realmente prazeroso. Mecanicamente, nada foi particularmente bem executado, e mesmo a inventividade do sistema de combate perde seu brilho e torna-se chata após as primeiras horas.
Há três verbos principais guiando a ação do game — explorar, conversar, lutar –, mas, infelizmente, nenhum deles entrega uma experiência satisfatória. É uma bela jornada, sem dúvida, mas o caminho é marcado por muitas pedras e buracos difíceis de relevar.
Lost in Random está disponível para PC, Playstation 4, Playstation 5 (versão analisada), Xbox One, Xbox Series X|S e Nintendo Switch.