Análise Arkade – Stranger of Paradise: Final Fantasy Origin, um Souls-like acessível
No ano em que a franquia Final Fantasy completa 35 anos, a Square Enix decidiu comemorar de um jeito… diferente. A empresa lança nesta sexta, dia 18/03, Stranger of Paradise: Final Fantasy Origin, um RPG de ação com elementos de Souls-like que reimagina o primeiro jogo da saga de maneira bem “caótica”.
Stranger of Paradise começou com o pé esquerdo. Anunciado durante a E3 do ano passado com um trailer que rendeu diversos memes, o game produzido pela Team Ninja deixou os fãs céticos desde o primeiro momento, pois não deixou uma primeira impressão muito boa.
E não é para menos: com um protagonista musculoso e de poucas palavras, com pose de marrento e visual super genérico que parecia não querer nada além de “matar o Caos“, esta releitura do jogo que iniciou uma das maiores franquias de JRPGs do mundo dos games parecia, no mínimo, bizarra — além de visualmente feia.
Aí vieram as demos e períodos de teste que nos permitiram “sentir” o gameplay. E, embora eu não seja um fã de Souls-like, sou um grande fã de Final Fantasy, o que me colocou em uma sinuca de bico: será que eu deveria dar uma chance para Stranger of Paradise, mesmo que o risco de me decepcionar fosse grande?
Pois bem, nos últimos dias, fiquei internado no jogo, ajudando os quatro Guerreiros da Luz em sua missão para salvar o mundo. E, ainda que deixe a desejar em muitos aspectos, Final Fantasy Origin acabou se mostrando uma experiência divertida, desafiadora e acessível que tem lá suas qualidades.
Bora matar o Caos?
Embora não seja necessariamente um remake do primeiro Final Fantasy, Stranger of Paradise parte da mesma premissa: um grupo de quatro guerreiros — contando com seu líder, Jack — portam cristais elementais tornam-se os Warriors of Light, e tem a missão de salvar o Reino de Cornelia (e o mundo) do temível Chaos.
Antes de cumprirem esta missão, eles terão que “purificar” seus cristais, que estão escurecidos. Isso envolve viajar pelo mundo e enfrentar quatro monstros elementais. A viagem em si é bastante resumida: Stranger of Paradise não é um RPG de mundo aberto, mas se divide em missões: cada fase se passa em um cenário próprio, fechado, que é acessado diretamente por um mapa holográfico do mundo.
Não vou dar spoilers da trama aqui, mas é fato que parte do fator “cringe” do jogo parece ser proposital. A começar pelo protagonista, genérico até no nome — Jack. A posutra do personagem, suas frases de efeito e sua falta de paciência movem a história em um ritmo alucinante. Jack é praticamente um soldado: não está a fim de papo com ninguém, e vai inclusive mandar monsros gigantes calarem a boca. Menos discurso e mais ação parece ser o seu lema.
Seja ou não proposital, o tom do jogo deixa claro que este não é um Final Fantasy tradicional. É um jogo invocado, rebelde, transgressor, que parece querer mostrar que tem atitude… mas faz isso de forma um tanto infantil, meio que como um adolescente revoltado, que só quer descontar sua raiva em todo mundo.
Eu não sei dizer se o jogo realmente tenta tirar um sarro de si mesmo e das convenções que a própria série Final Fantasy ajudou a perpetrar nos videogames. Jack fala pouco e tem a profundidade emocional de uma colher de chá… mas sua falta de personalidade talvez seja quase metalinguística, meio que uma chacota a esse tipo de personagem valentão, de barba mal feita e cheio de marra que é tão comum nos videogames. Ou talvez ele represente os jogadores, que “tocam o f*da-se” para a história e só querem saber de sair na mão com monstros e inimigos. Ou talvez não seja nem um coisa nem outra!
Souls-like diferenciado
Mecanicamente, Stranger of Paradise se comporta como um Souls-like, mas não te deixa refém da barra de stamina. Aqui a movimentação é livre, mas utilizar a defesa ou o Soul Shield consome um medidor específico, o Break Gauge. Além disso, não há mana: magias e habilidades especiais estão atreladas a um medidor dividido em quadrantes. Podemos acumular até seis deles, aumentando o número de ataques mais poderosos que podemos usar.
Por ser do mesmo estúdio que criou a série Nioh, a estrutura aqui é bastante similar. Nada de mundo aberto: o game é dividido em missões, que são acessadas individualmente por um mapa holográfico. Os cenários são amplos e relativamente labirínticos, mas não tem muito segredo: em cada fase, nosso objetivo é chegar até o chefão e derrubá-lo.
Sem o medidor de stamina nem preocupações como o peso dos equipamentos, o gameplay fica muito mais ágil — o que muito me agrada. Os comandos são responsivos e os golpes têm muito impacto. Novidades como o Soul Shield — uma espécie de parry mágico que nos permite “pegar emprestado” certos ataques — e o Soul Burst — ataque devastador que podemos aplicar quando “quebramos a postura” dos inimigos — agregam frescor e estratégia aos combates.
Confira um breve vídeo de gameplay abaixo:
O sistema de combate como um todo é muito bem excutado, e é uma das melhores coisas do jogo. Stranger of Paradise oferece dezenas de opções para o jogador, e permite que ele “crie” seu próprio estilo de jogo ao combinar as habilidades de diferentes classes.
Luta de Classes
O que torna Stranger of Paradise muito único dentro do subgênero Souls-like é a enorme quantidade de classes/jobs que podemos assumir. No total, são quase 30 opções, divididas entre Basic, Advanced e Expert Jobs. Todos os jobs aqui presentes foram tirados da franquia principal de Final Fantasy: de Black Mage a Thief, passando por Lancer, Monk, Berserker, Ronin e Paladin, há muitas opções, e praticamente todas possuem uma arma única, bem como habilidades específicas.
Alguns jobs são desbloqueados naturalmente, enquanto outros dão um pouco mais de trabalho, pois exigem que você chegue ao level máximo (30) de outros jobs. Para poder se tornar um Paladin, por exemplo, você vai precisar evoluir as árovores de habilidades das classes Knight e White Mage.
O Knight, por sua vez, é liberado quando masterizamos a classe Swordfighter, enquanto o White Mage é uma das evoluções do job Mage. Percebe como tudo está interligado? Embora as classes mais básicas sejam liberadas automaticamente, os jobs mais complexos (e poderosos) demandam um bocado de empenho do jogador, pois exigem que dois ou mais jobs sejam evoluídos.
Parece demorado, mas o jogo dá uma colher de chá: Jack pode equipar dois jobs simultaneamente, e basta apertar um botão para alternar entre ambos. Isso concede muita versatilidade aos combates, pois permite que o jogador combine, por exemplo, a força bruta de um Marauder (que empunha um machado gigante) com o poder de fogo de um Red Mage. Você é livre para criar a sua build e pode evoluir dois jobs simultaneamente, o que é uma mão na roda e dá muito espaço para experimentação.
Além disso, equipamentos e armaduras podem ter mais afinidade com determinadas classes, o que dá um boost no ganho de experiência daquele job. Você pode nem estar utilizando o job Pugilist, mas se alguma parte da sua armadura tiver afinidade com esta classe, você vai estar sempre acumulando um pouquinho de XP para evoluí-la. Claro que isso demora, mas se você combinar a sua classe com equipamentos compatíveis, garante uma bela turbinada na evolução.
O curioso é que os personagens em si não sobem de nível. O que evoluímos de fato são os jobs. E como são 28 jobs, prepare-se para “upar” 28 árvores de habilidades diferentes ao longo da campanha.
Loot, muito loot!
Se tem uma coisa que pode limitar o seu progresso é o nível do seu equipamento. O sistema do jogo faz uma média da sua party para definir o nível de poder dos seus equipamentos. Se o seu nível médio estiver muito abaixo do nível de uma missão, prepare-se para apanhar um bocado.
O jogo sabe disso, e estimula um grinding leve: basicamente, após cumprir uma missão, você deve revisitar aquele mesmo cenário para cumprir uma missão secundária nele . `Por um lado, é chato que a missão secundária não possa ser feita em paralelo à missão principal. Por outro, é nesta segunda rodada que vamos encontrar equipamentos melhores para efetivamente subirmos o nível do grupo — e a maneira como exploramos a área sempre muda um pouco, podendo ser de trás para frente, ou por alguma rota secudária.
Final Fantasy Origin é MUITO generoso na distribuição do loot. Sem exagero, cada missão deve render pelo menos uma centena de equipamentos, entre armas, capacetes, luvas, botas, etc. O espaço de inventário é até que bom (podemos carregar 500 itens em missão, e guardar outros 4.500 “no baú” do grupo), mas também se enche bem rápido.
Embora este “excesso” de loot seja vantajoso para agilizar a progressão, ele também torna-se um problema porque acelera a obsolecência dos equipamentos. É normal você trocar de arma 3 ou 4 vezes em uma mesma missão simplesmente porque baús ou inimigos droparam equipamentos melhores. Como já é tradição, os equipamentos possuem diferentes graus de raridade, que são identificados por cores.
Isso quer dizer que é muito fácil acumlar “lixo”, o que demanda que você faça a necessária (e chata) “limpeza” do seu inventário esporadicamente. Desmontar equipamentos rende recursos que servem para melhorar os atributos de outros equipamentos… mas como tudo é muito “descartável”, sugiro que você só invista seu tempo nisso depois que já estiver com equipamentos de alto nível.
Como nem todo mundo gosta de ficar comparando estatísticas de cinco ou seis botas iguais, é possível atualizar automaticamente os equipamentos de todos os membros da party. Isso inviabiliza um “ajuste fino” ou qualquer preocupação com a estética dos trajes… mas também poupa um bocado de tempo.
Souls-like acessível
Entre os motivos que me fazem NÃO gostar de Souls-like, a falta de acessibilidade talvez seja o maior deles. Eu não sou da turma do “git gud”, então o ciclo de morte e repetição — que são frutos da dificuldade elevada destes jogos — é algo que me dá muita preguiça.
Não estou aqui para dizer o que é certo e o que é errado. O fato é que, para mim, como jogador, este tipo de experiência não funciona. Eu não tenho paciência para ficar morrendo e tentando de novo, e o sentimento de frustração que acompanha este tipo de experiência não é o que eu chamaria de “diversão” — que é o que eu busco quando jogo videogame.
Pois bem, em uma época onde os jogos parecem querer ser cada vez mais punitivos e respeitam cada vez menos o tempo do jogador, Stranger of Paradise vai no sentido oposto: ele possui, inicialmente, 3 níveis de dificuldade, e ainda permite que o jogador habilite um “modo casual” que deixa o desafio ainda mais amigável.
E o melhor é que não precisamos jogar o tempo todo no Story (que seria o equivalente ao modo Easy): podemos usar este recurso só para enfrentar um chefão mais cascudo, por exemplo. Embora não seja possível aumentar a dificuldade durante uma missão (apennas diminuir), uma vez que voltamos ao mapa/hub de missões, podemos ajustarmos a dificuldade para cima ou para baixo.
Eu consegui jogar cerca de 13 horas de Stranger of Paradise sem precisar mexer na dificuldade — o nível de desafio parecia sempre bem calibrado. Porém, aí vieram dois chefes elementais que me mataram 6, 7, 8 vezes. Não pensei duas vezes: reduzi a dificuldade, passei pelos bosses, depois voltei à dificuldade anterior.
Isso não é “nutellagem”, é acessibilidade. É dar ao jogador a chance de progredir sem se frustrar. É não limitar o acesso a um jogo apenas para os melhores jogadores, para os “git gud” — que, convenhamos, são uma comunidade um tanto tóxica com quem não é expert em Souls-like.
Ao longo da campanha, mexi na dificuldade mais umas 4 ou 5 vezes — sempre depois de passar mais tempo do que eu gostaria morrendo diante de um chefe. E não me envergonho disso: o jogo me permitiu, eu tirei proveito disso e fugi da frustração de ficar “empacado”, sem conseguir avançar.
Final Fantasy Origin ainda faz outras concessões em prol da acessibilidade: é possível, por exemplo, pausar o jogo a qualquer momento (quem diria que isso seria um diferencial!). Além disso, sempre há um checkpoint na antesala do chefe, o que diminui drasticamente o peso da repetição em caso de morte.
E o melhor é que nada disso “estraga o jogo” — muito pelo contrário, se converte em qualidade de vida para o jogador. Eu acho o cúmulo não podermos pausar um jogo simplesmente por um capricho dos produtores. Sou um adulto, dificilmente vou conseguir jogar por 4 ou 5 horas seguidas, sem interrrupções.
Sei que a influência da From Software ainda paira sobre este nicho– que, afinal, ela criou — mas sinto que Stranger of Paradise pode representar um “turning point” dentro do gênero Souls-like. Um jogo pode ser desafiador sem deixar de ser acessível: recursos básicos — como o PAUSE — não deveriam ficar de fora de tudo o que é jogo só porque o Miyazaki quis assim. É perfeitamente possível aproveitar o que há de melhor em um gênero, mas fazer ajustes e concessões em prol do jogador.
Audiovisual
Embora não seja um desastre, dificilmente alguém diria que Stranger of Paradise: Final Fantasy Origin é um jogo lindo. A verdade é que ele é meio feio — e, em muitos casos, traz um visual genérico que não faz jus aos 35 anos de uma saga que sempre nos entregou belas paisagens e criaturas incríveis.
Felizmente, a impressão passada pelas demos não se aplica ao jogo como um todo. Ele não é sempre escuro e sombrio. Pelo contrário, há belos bosques e paisagens ensolaradas. Uma das vantagens do menu de missões: um ambiente não precisa conectar-se com outro, então cada missão acaba tendo sua própria “cara”. E, claro, há elementos de muitos jogos da franquia Final Fantasy presentes aqui.
Os modelos de personagens têm seus altos e baixos. Jack, como já dito, parece genérico ao extremo, mas há NPCs e coadjuvantes muito mais expressivos. O bestiário é incrível, simplesmente porque “empresta” muitas criaturas icônicas de Final Fantasy que, se não sofreram grandes alterações em seu design, sem dúvida estão mais letais do que nunca.
A trilha sonora é fantástica e não deve nada aos títulos principais da franquia. Soa épica, com coros e orquestrações, mas também arruma tempo para ser reflexiva ou “pauleira”, o que ajuda o jogador a ficar no estado de espírito adequado para a jornada.
O jogo traz algumas músicas licenciadas… e faz um uso um tanto quanto pitoresco delas — você já deve ter visto aquele vídeo do Jack ouvindo Limp Bizkit com seus fones Bluetooth, né? Pois bem, aquilo não é meme, está no jogo de verdade!
Falando nisso, vamos às dublagens… que não são ruins, mas parecem propositalmente “cringe” simplesmente para o jogo sustentar esta pose de rebelde malvadão que não sei dizer se é proposital. Parece um retrocesso quando falamos de Final Fantasy, mas se a ideia era ser bizarro de propósito, a Team Ninja sem dúvida fez um bom trabalho!
Infelizmente, Stranger of Paradise não recebeu nenhum cuidado especial no que diz respeito ao idioma: o jogo não inclui português brasileiro para nada (nem menus ou legendas), e demanda um bom nível de inglês para ser apreciado. Uma pena que a Square Enix continue tão inconstante no que diz respeito à localização de seus títulos por aqui.
Quem for curtir o game na nova geração vai poder decidir se quer priorizar resolução ou taxa de quadros. Eu optei pelo framerate, e o jogo rodou liso no PS5, sem engasgos ou quedas perceptíveis. Há loadings curtos entre as missões (coisa de 5 segundos, nem isso) que não comprometem a experiência. Chato que não houve um grande aproveitamento dos recursos do DualSense — embora o touchpad seja muito utilizado, pois é o “botão de ação” para abrir baús, portas e interagir com o ambiente em geral.
Conclusão
Apesar de suas notáveis escorregadas, sabe que eu acabei gostando mais do que esperava de Stranger of Paradise? Ele não tem gás para ser um grande Final Fantasy nem um ótimo Souls-like, mas ao misturar estes dois universos, consegue criar algo muito único e original, ainda que familiar em termos de mecânicas e construção de mundo.
Mais importante, ele consegue provar que é possível fazer um Souls-like que seja mais amigável para jogadores de diferente níveis de habilidade. E faz isso sem que haja detrimento da proposta: quem quer um desafio hardcore vai ter, mas quem precisar de “uma mãozinha” poderá dar um jeito de contornar algum chefe particularmente apelão sem ficar travado (e frustrado).
Confesso que o tom do jogo me deixa um tanto confuso (é proposital ou não?) e acho Jack um protagonista medíocre. Mas, Final Fantasy Origin me cativou mesmo por seu gameplay, especialmente seu sistema de combate, que é denso, cheio de possibilidades e altamente customizável.
Como um spin off de uma das maiores franquias do mundo dos games, Stranger of Paradise é ousado: erra em algumas coisas, mas acerta em outras. Não é um jogo para todos, mas talvez seja um bom Souls-like(lite) para quem não gosta de Souls-likes — como eu. Pena que seu timing de lançamento foi péssimo: às sombras de nada menos que Elden Ring.
No mais, acho justo dizer que o saldo é positivo. Não saio amando o jogo, mas também não o odeio, e fica claro que há boas ideias ali no meio. Depois desta jornada, fico curioso para ver se a Square vai continuar dando liberdade para outros estúdios “brincarem” com a marca Final Fantasy, reinventando e reimaginando clássicos da saga em novos formatos. Ouso dizer que realmente gosto dessa ideia.
Stranger of Paradise: Final Fantasy Origin será lançado amanhã (18/03), com versões para PC, Playstation 4, Playstation 5, Xbox One e Xbox Series X|S. Esta análise foi feita com base na versão PS5 do game, que recebemos antecipadamente da Square Enix.