Análise Arkade: Stubbs the Zombie in Rebel Without a Pulse, de 2005 para 2021
Stubbs the Zombie in Rebel Without a Pulse é estúpido. Perceba, essa definição não é exatamente um julgamento de valor (ainda), mas a base fundamental para compreendermos — ou ao menos tentarmos entender — os motivos pelos quais ele foi resgatado em pleno ano de 2021, tal como a própria temática já antecipa, como um game morto-vivo.
Contextualizando, Stubbs the Zombie é um jogo de 2005 lançado originalmente para o primeiro XBox e PCs e que 16 anos depois ganha sua versão remasterizada para consoles atuais — Playstation 4, XBox One (e a nova geração via retrocompatibilidade) — e Nintendo Switch, versão esta gentilmente cedida para realizarmos esta análise. Portanto, é um relançamento, um port, por assim dizer, sem grandes alterações da versão original. Ainda que esse tempo pareça relativamente pouco, o gap de 3 gerações é evidente na produção.
Arrastando um corpo morto
O pressuposto do jogo está no meio do caminho entre o absoluto clichê — afinal, é basicamente um jogo de zumbis, que já era uma temática comum mesmo em seu lançamento original; e a inovação inventiva, ao nos colocar do outro lado da história, na pele podre de uma dessas criaturas decrépitas, o próprio Stubbs, e na sua pouco nobre jornada de busca por infectar o mundo e levar seu legado ao coração dos. E, nesse meio tempo, ainda encontrar tempo para descobrir o amor.
Não é difícil compreender que a inversão desse ponto-de-vista do protagonismo não é tão usual assim, ainda que não seja algo absolutamente inédito. Há um livro que trata disso — e foi adaptado ao cinema no infame “Meu Namorado é um Zumbi” (2013) — e mesmo franquias de games que se pretendem mais sisudas, como o próprio Resident Evil, já oferecem modos de jogo nos quais é possível controlar o outro lado.
Mas nenhuma dessas incursões consegue abraçar a galhofa raiz como Stubbs the Zombie in Rebel Without a Pulse fez e já podemos identificar aí um dos primeiros motivos para que ele esteja sendo relançado agora: mais de 15 anos depois, ainda não há nada que aborde o tema dessa maneira no mercado.
Contudo, já nos primeiros minutos da campanha, a idade do jogo se mostra evidente: o mapeamento de botões e comandos ganhou uma certa atualização para os controles mais modernos e é instintivo para jogadores atuais. Movimentação, posicionamento de câmera, sistemas de ataque, tudo parece muito familiar. Certamente, quem nunca jogou essa pérola pode até se adaptar melhor que os veteranos com os controles, mas não haverá qualquer dificuldade nesse aspecto pra jogadores novatos ou experientes.
O que chama a atenção no sistema de gameplay do jogo é a sua simplicidade, fruto não só dessa idade que já citei, como também da própria temática. Stubbs é carismático e realmente especial dentre os seus, mas continua sendo um zumbi. Não espere esquivas elaboradas, movimentos refinados ou combinações sofisticadas e combos mirabolantes. Há o ataque comum, a finalização (que mesmo com algumas variações, é basicamente um modo de devorar deliciosos cérebros), um salto absolutamente ridículo e alguns movimentos especiais.
O primeiro que aprendemos é o dano em área e atordoamento usando da velha piada escatológica digna da quarta série. Não demora para que aprendamos a usar órgãos do corpo como granadas a distância, controle de mentes e um belo ataque de boliche usando a cabeça do nosso desmorto herói como bola. Ok, parece realmente um modelo bastante diverso quando se pensa que tudo isso pode ser feito por um mero cadáver em decomposição, mas na prática, a variedade não é tão grande assim.
Isso porque cada um desses movimentos específicos tem o carregamento vinculado diretamente aos danos infligidos pelo ataque corpo-a-corpo padrão. Então, toda a jogatina se resume ao combate desenfreado contra policiais, agressores e engomadinhos desavisados até que essas habilidades estejam disponíveis para ações pontuais. Com mapas que até trazem alguns caminhos alternativos, mas que só maquiam um sistema bastante linear de avanço, não há muita diversidade aqui.
É verdade também que, sabendo disso, o game traz alguns momentos realmente diferentes do que se poderia esperar, como boas batalhas contra chefes, algumas soluções pouco ortodoxas (como poluir um reservatório de água usando de recursos próprios, por assim dizer) e até mini-games, como um desafio de dança com mecânicas conhecidas de outros meios — e não vou detalhar tanto assim para não estragar surpresas. Esses momentos, junto a uma duração de campanha padrão abaixo das 10 horas, considerando a sua geração, ajudam a considerar o tempo de vida do jogo bastante adequado, sem o risco de enjoar demais antes de chegar ao fim.
Uma história de amor
Ambientado em Punchbowl, uma versão futurista e fascistóide da estética dos anos 1950 nos Estados Unidos, contando com TVs arredondadas e carros voadores, o jogo narra essa aventura do tal de Stubbs, que sem qualquer aviso surge de dentro da terra em um mundo onde não há mais violência, tudo é maravilhosamente lindo e todos estão teoricamente em paz. É uma ambientação um tanto quanto ácida, mas que em momento algum chega a pesar a mão e não se compromete para além da ironia e da piadoca, mas ao mesmo tempo de boba não tem nada.
Nosso protagonista, contudo, não é irracional como se poderia esperar. Ele tem uma certa consciência, se comunica, tem aspirações e até pode se apaixonar por uma bela atriz que faz seu coração seco se aquecer. Se no começo seu único objetivo é buscar a iguaria guardada no crânio das pessoas (e trazer o apocalipse junto “sem querer-querendo”), logo haverá um objetivo a mais que o mantém inspirado a atravessar todo o país, passando por complexos industriais, fazendas de ovelhas, e grandes cidades.
Uma das melhores coisas do game é não só vencer seus adversários, mas transformá-los em novos zumbis, parceiros de aventura. Uma pessoa devorada logo se levanta e se torna parte de seu grupo, e essa é uma característica que incentiva a exploração (ainda que limitada) possível no game, já que quanto mais companheiros o seguem, melhores são as chances de se vencer grupos mais fortes e bem armados pelo caminho. Você pode até jogar single player, mas sempre estará acompanhado, e muitas vezes por uma verdadeira horda fiel.
Aliás, há também um modo para se jogar colaborativamente com outra pessoa, mas somente em multiplayer local (afinal, como dito, há poucas mudanças substanciais em relação ao original de 2005), o que ajuda no aspecto da diversão, mas principalmente em elementos mais estratégicos. Não se espera que um grupo de descerebrados reanimados componham táticas elaboradas, então o modus operandi de seus aliados é continuar andando até serem exterminados. Ter alguém junto, por outro lado, pode até incluir elementos de flanqueamento e outros métodos menos custosos para o jogador.
Contudo, isso não chega a ser uma preocupação de fato, pelo menos não nos primeiros dois terços da campanha. Stubbs the Zombie in Rebel Without a Pulse, em sua dificuldade padrão, não é especialmente difícil, ainda que sofra um salto no trecho final, com inimigos mais parrudos, grupos maiores bem armados e um ou outro tipo de adversário mais chato de se alcançar. Nenhum desses artifícios, porém, é exigente em termos de uma abordagem mais elaborada, e demanda muito mais uma gestão melhor dos recursos e habilidades do que uma jogatina mais precisa.
Essa série de níveis encadeados de uma forma pouco preocupada com coerência ou verossimilhança, somada à personalidade excêntrica de Stubbs, às motivações pouco evidentes da jornada e a ambientação anacrônica entregam um jogo totalmente descompromissado que se leva muito pouco a sério. Tudo isso se junta a diálogos estereotipados, a unilateralidade dos poucos personagens identificáveis e um humor bem específico, quase que de constrangimento, fazendo desta obra algo único em sua cretinice, quase que uma piada com a própria indústria dos games e da cultura pop. Foi a essa estupidez constrangedora a qual me referi na primeira frase dessa análise.
Ordinário, mas não bonitinho
Stubbs the Zombie in Rebel Without a Pulse, como já dito, é fruto do seu tempo. Se em termos de mecânicas e de estrutura narrativa isso pode ser um respiro, um retorno a uma época onde nem tudo precisava ser tão complexo, o aspecto audiovisual parece ser a parte que pior envelheceu. Ainda que as inspirações de ambientação sejam muito positivas, a remasterização parece ser muito pouco para a obra.
Exceto pelo modelo principal, Stubbs, que dribla bem as limitações técnicas da época, os demais personagens são absolutamente sofríveis, algo que provavelmente já não era bonito lá em 2005, incluindo o visual das cutscenes. A baixa contagem de polígonos, os efeitos de partícula (como fumaça, fogo e água) fraquíssimos e os ambientes com uma pobreza absurda de objetos cenográficos e mobiliário evidenciam um desperdício estético e uma oportunidade perdida. Mas é no visual das pessoas — vivas e mortas — onde o constrangimento é maior, uma vez que tanto o visual como a animação parecem inferiores a produções da geração 32 bits.
Basta comparar a produção com outra que bebe das mesmas inspirações, o primeiro Bioshock (2007), para entender o quão pouco o jogo desenvolveu seu design de produção. Afinal, ainda que seja de uma geração superior, são só 2 anos de diferença que separam ambos. Ok, podemos dar o desconto desta ser uma produção de escopo menor e de seu formato ser muito mais um escolha artística do que apenas incapacidade tecnológica, mas ainda assim, o jogo definitivamente só parece fraco visualmente. O motor de Halo parece não ter dado conta do projeto. Texturas de chão e de paredes chegam a incomodar por sua simplicidade, sobretudo em áreas abertas.
Em termos sonoros, não é tão diferente assim. O trabalho de vozes afetadas e efeitos de época até funciona bem, mas música e ruídos, quando muito, atingem o aceitável. Os grunhidos dos zumbis são os mesmos do primeiro ao último minuto, a ambientação é quase inexistente (a excessão de uma cascata de água aqui, um choque elétrico ali) e o som de armamentos e veículos parece ter sido tirado dos bancos gratuitos da internet mais populares. Alguns sequer combinam com o visual.
É um trabalho artístico que parece propositalmente desleixado, mas acaba passeando pelos limites ao ponto de atravessar a linha do estilo e ser só ruim. Particularmente, ainda que eu não seja um grande entusiasta de que tudo precise ter trilhões de pixels, cores deslumbrantes e todo o esplendor visual o tempo todo, a falta de uma direção artística aprimorada acaba pesando bastante na percepção geral da obra e, nesse caso, senti falta de um cuidado maior, mesmo que fosse um cuidado que alimente a piada, a farofada.
Conclusão
Em resumo, Stubbs the Zombie in Rebel Without a Pulse é, para o bem e para o mal, um jogo que deve ser compreendido como uma produção de 2005 para o primeiro XBox sendo revisitada em 2021. Independentemente de onde você vá jogá-lo, ele é só um pouquinho mais do que uma versão emulada, ou rodada em sistema de retrocompatibilidade, já que a resolução comporta a alta definição e, no caso da versão Switch, roda com ótimo desempenho tanto na TV quanto no modo portátil.
Ainda que o desempenho seja uma notícia boa, ele é consequência de um jogo bastante fraco graficamente, algo que não é só resultado dos 16 anos que separam o lançamento original de 2021, mas principalmente de uma produção bastante pobre na elaboração audiovisual, com modelos e cenários simplórios, animações robóticas e um sistema de som, quando muito, protocolar.
A história leve, descompromissada, regada a piadinhas infames, e a jogabilidade propositalmente desajeitada, por sua vez, encontram um equilíbrio melhor mesmo deslocadas no tempo, e compõem todo o charme da produção, algo que pode sustentar uma nostalgia não só pelo jogo em si (já que ele nunca foi exatamente uma explosão de popularidade), mas por todo uma época mais simples nos games.
Talvez esse relançamento faça parte de uma estratégia diagnóstica para avaliação de mercado para um futuro remake ou, de preferência, uma continuação que se aproprie dessas ideias para dar um passo adiante. Contudo, mesmo que seja uma iniciativa menos pretensiosa, é uma experiência que vale pela curiosidade e pela inventividade do tema. É divertido o suficiente para gerar alguns sorrisos, sobretudo se for pra jogar com alguém ao lado. Não mais que isso, que fique claro.
Disponível para Nintendo Switch, Playstation 4, XBox One (e Playstation 5 e XBox Series via retrocompatibilidade) e PC, Stubbs the Zombie in Rebel Without a Pulse infelizmente não conta com a localização para o português brasileiro nem em vozes, nem em texto.