Análise Arkade – Leveza, simplicidade e diversão marcam TOEM: A Photo Adventure

18 de setembro de 2021
Análise Arkade - Leveza, simplicidade e diversão marcam TOEM: A Photo Adventure

O universo dos games, atualmente, tem nos apresentado experiências cada vez mais intensas, complexas e emocionalmente pesadas, com sistemas que exigem dedicação, experiência, habilidade e tempo. Vez ou outra, contudo, surgem propostas diametralmente opostas a essa complicação toda, que remetem a uma simplicidade descompromissada, quase juvenil, cuja proposta é a do mais puro relaxamento. TOEM: A Photo Adventure, game desenvolvido e distribuído pela Something We Made é, definitivamente, um destes casos.

Com um título como esse, há quem possa imaginar que temos aqui uma aventura que pega carona no sucesso do recente New Pokémon Snap, e em certa medida há algumas (pouquíssimas) similaridades entre essas duas produções tão diferentes. Mas TOEM oferece uma jornada, felizmente, um pouco diferente e inovadora em vários aspectos. Aqui, assumimos o papel de um jovem curioso que sai de casa para conhecer o mundo e, munido de sua câmera fotográfica, vai desbravar um universo totalmente novo e cheio de surpresas. No caminho, fará novas amizades, ajudando a resolver muitos pequenos mistérios e fazendo a diferença por onde passa.

Análise Arkade - Leveza, simplicidade e diversão marcam TOEM: A Photo Adventure

Uma jornada cheia de surpresas

A dinâmica do jogo é bastante direta: com visão isométrica, podemos explorar cinco regiões livremente encontrando alguns pequenos puzzles a serem solucionados. Pode ser, por exemplo, alguém triste por ter perdido sua meia, ou um editor de jornal pedindo a cobertura fotográfica de um desfile de moda; pode ser alguém pedindo fotos de monstros, ou ainda crianças tristes por terem seu frisbee roubado por um corvo. Um dos maiores trunfos do jogo é compor sua essência com missões muito criativas, diversificadas e que fazem bom uso dos poucos recursos disponíveis para nosso pequeno herói.

Para que possamos avançar de uma região para outra, é necessário acumularmos uma quantidade mínima de carimbos em nosso passaporte, por assim dizer. Esses carimbos são marcas que ganhamos ao concluir uma tarefa. Cada área tem um total de missões, e normalmente há a obrigatoriedade de cumprir ao menos metade delas para poder seguir adiante, com a liberdade de poder voltar depois para continuar de onde se parou. Ainda que certas missões sejam fundamentais para abrir alguns caminhos bloqueados, não há muita distinção entre linha narrativa principal e atividades secundárias.

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TOEM: A Photo Adventure não está preocupado em nos contar uma história linear tradicionalmente estruturada, e ao invés disso se configura como um mosaico de pequenas histórias entrelaçadas. Ele parece uma colagem de pequenos recortes, alguns tão mundanos e convencionais, outros que abusam da fantasia e do sobrenatural. Pelo caminho, conheceremos figuras como fantasmas desleixados, animais antropomórficos, monstros tímidos e turistas profissionais. Um pacote que parece um tanto quanto desconexo, mas que funciona tão bem quanto uma temporada de O Incrível Mundo de Gumball ou de outras animações nonsense do tipo.

Construindo um álbum inesquecível

Uma aventura como essa parece exigir uma série de competências complicadas, mas é evidente que um dos mantras do game é sempre manter a simplicidade como marca da gameplay. Em alguma medida, todas as atividades demandam o uso criativo de fotografias (ou das funções de nossa inseparável câmera) para solução, que vão desde as necessidades mais óbvias, como tirar foto de algum ponto de interesse, até outras menos esperadas, como usar o zoom da lente para localizar alguém em perigo.

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A forma como isso funciona nos é ensinado logo nos primeiros minutos, ainda no quintal de casa: há dois estados de jogo, sendo o primeiro a exploração do ambiente, com a possibilidade de girar o ponto de vista, na maioria das vezes, em 180º para revelar objetos e segredos escondidos. É nesse momento que encontramos diferentes NPCs, alguns equipamentos extras, como peças de roupa que nos ajudam a customizar nosso personagem. É também nesse modo onde desenvolvemos a maioria das conversas, algumas contextuais, outras que nos dizem do que se trata a missão. Em certas passagens, podemos até escolher opções de diálogo, mas nada que traga qualquer ramificação narrativa.

O segundo aspecto da jogabilidade é quando entramos no modo de fotografia. Ao acionar o dispositivo, podemos registrar qualquer coisa que esteja a nossa volta. Podemos, por exemplo, documentar cada animal que encontramos para completar nosso compêndio, quase que um álbum de figurinhas documentais; podemos tirar selfies em cenários interessantes e guardar lembranças com personagens marcantes; e podemos ainda registrar alguns pontos de interesse já encomendados ou que acreditamos que mais tarde serão importantes. Com uso do tripé que ganhamos na primeira metade da jornada, dá para fazer isso inclusive de forma remota, algo que será um grande trunfo para resolução de uma ou outra missão até o fim da aventura.

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Nosso álbum tem capacidade limitada, o que é uma grande pena. Não cheguei nem na metade do meu caminho e já estava tendo que apagar algumas fotos das quais tinha bastante orgulho. Cá entre nós, gostaria muito que essa capacidade de armazenamento fosse muito maior, quiçá infinito, porque é muito divertido sair fotografando cada cantinho desse mundo, encontrando bons ângulos e enquadramentos perfeitos. Ao longo do texto, vocês podem ver alguns poucos exemplares da minha experiência, mas estou tomando cuidado para não entregar segredos ou spoilers. Não há dúvidas que vale a pena encontrar algumas coisas escondidas por conta própria.

Não subestime o minimalismo cromático

Chega a ser curioso o fato de termos um jogo todo tematizado na imagem como sua mecânica principal ser desenvolvido quase que em sua totalidade por traços e texturas em preto-e-branco e tons de cinza. Para os mais puristas, os tons de cinza são o que há de mais essencial na arte da fotografia, para outros isso pode parecer um certo preciosismo estético.

Sem entrar nesse mérito, a escolha dos desenvolvedores aqui parece bastante acertada ao nos oferecer ambientes cheios de nuances e muito bem compostos sem que isso necessite de uma profusão de detalhes. Em certa medida, nem nos lembramos mais dessa ausência de uma palheta sofisticada de cores depois de alguns minutos explorando o simpático mapa do jogo.

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O traço acompanha esse mesmo princípio, com algumas belas variações até de estilo. É como se o jogo fosse todo desenhado a mão, mas não necessariamente por uma só pessoa. Até a intensidade do traço muda de personagem para outro, de cenário para outro. É como um caderno escolar onde várias pessoas fizeram um desenho diferente para compor um quadro. O que poderia parecer uma incoerência de linguagem na teoria é exatamente o que confere autenticidade e personalidade à produção.

A trilha sonora também funciona muito bem ao evidenciar essa leveza do gameplay e do estilo estético, com canções bastante sutis e ambientais. Como não há texto falado — os personagens fazem aqueles sons genéricos enquanto conversam — não há um trabalho de voz propriamente dito, e toda comunicação é feita por texto (somente em inglês, infelizmente) e os efeitos de ambiência e ruídos não chegam a se destacar, ainda que a forma caricatural e propositalmente simples como são encaixados seja bastante coeso com a proposta do game.

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Como um conjunto, ainda que preze pelo traço quase infantil, TOEM: A Photo Adventure consegue oferecer algo refinado parecer simples. Afinal, este é um cenário 3D de movimentação de câmera quase livre, o que demanda uma engenharia até complexa para oferecer belos visuais bidimensionais. Uma coisa é modelar objetos, personagens e cenários em 3D e oferecer só um ponto de vista, como alguns jogos de progressão lateral fazem, outra é ter um visual bidimensional que lembra Paper Mario e que muitas vezes precisa se comportar como maquetes de papel para garantir belos enquadramentos seja de onde for que o jogador esteja fotografando.

É um trabalho com algumas pequenas arestas e deslizes, com, por exemplo, um ou outro traço menos definido, as vezes até com textura embaçada, mas que não só é justificável como acaba fazendo parte da lógica estética. TOEM é daqueles raros exemplos cuja complexidade não está a favor de um virtuosismo exuberante de auto-promoção, mas sim de uma experiência coerente, que valoriza seus princípios e lida com as consequências do que oferece ao jogador. Esse talvez seja o elemento mais raro do jogo: fazer algo muito trabalhoso parecer que nem está lá.

Conclusão

Como um todo, TOEM: A Photo Adventure é um projeto surpreendente em todos os aspectos. O trailer pode fazer parecer que o jogo é mais complicado do que realmente é. No fim, é uma aventura pueril, sem qualquer senso de urgência ou de complexidade. Não espere aqui testes de precisão, respostas rápidas, nada que quebre o ritmo de tranquilidade que marca a experiência do começo ao fim. Aliás, há certas missões onde algumas entrelinhas são bastante críticas ao ritmo alucinado da vida moderna.

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Com uma duração coerentemente moderada – em cerca de cinco horas dá para passar pelos ambientes com toda tranquilidade, algo que pode até dobrar para quem busca a totalidade das missões cumpridas – TOEM é uma aventura recomendada para qualquer pessoa.

Não fosse a barreira do idioma, seria uma indicação fácil para crianças de qualquer idade, já que a jogabilidade fácil, a ausência de qualquer sistema de combate e a resolução de quebra-cabeças que valorizam percepção espacial e criatividade estética é das mais indicadas para exercitar mentes em desenvolvimento.

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O trabalho audiovisual, por sua vez, consegue fazer aquilo que é mais difícil não só no mercado dos games, como em toda a indústria do entretenimento: fazer o difícil parecer simples, a diversidade parecer coerente enquanto conjunto. Essa é a tônica do jogo inteiro, aliás, e mesmo o princípio de uma aventura baseada na experiência de tirar fotografias não sendo inédito, aqui ele funciona como pouco visto até então. Este pequeno-grande jogo é uma das vivências mais interessantes do ano e mesmo sem grande destaque na grande mídia, precisa ganhar mais visibilidade. Tomara.

TOEM: A Photo Adventure foi lançado ontem (17/09), com versões para PC, Playstation 5 e Nintendo Switch (versão utilizada para essa análise).

Paulo Roberto Montanaro

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