Análise Arkade: Ultra Age, um hack ‘n slash inspirado em Devil May Cry e Nier Automata
Se tem um gênero que eu adoro — mas que anda cada vez mais sumido em meio a tantos Rogue-likes e Souls-likes — é o hack ‘n slash. Existe um efeito catártico em macetar botões para fatiar inimigos com armas afiadas e combos devastadores. Ultra Age, que chega hoje, peca pela repetição, oferece uma experiência de combate muito intensa e divertida.
Hack ‘n slash futurista
Ultra Age é uma produção de dois estúdios independentes — o Visual Dart e o Next Stage — que está sendo distribuído pela publisher coreana Intragames.
Sua história de ficção científica se passa no ano 3174 (?!) e é um bocado rocambolesca e um pouco confusa: envolvendo facções distintas que se se separaram depois que a Terra tornou-se inabitável. Nosso protagonista, Age, é um jovem explorador que “cai” na Terra pós-apocalíptica e logo acaba envolvido na missão de encontrar a solução para a inevitável extinção da raça humana.
Embora o roteiro do game seja cheio de nomes estranhos e revelações “bombásticas”, não espere nada muito cinematográfico: há poucas cutscenes aqui, e quase tudo o que descobrimos vem por meio de conversas com nosso companheiro robótico Helvis, ou com algum dos antagonistas.
Essa não é uma maneira particularmente empolgante de contar uma história sci fi. O lado “bom” é que a história não é o foco aqui: a conversa e os termos pitorescos que aparecem aqui e ali são só pano de fundo. O que realmente importa em Ultra Age colecionar espadas para fatiar inimigos!
Colecionando (e trocando) espadas
Enquanto eu jogava Ultra Age, eu ficava o tempo todo com Devil May Cry na cabeça. Mais especificamente o excelente Devil May Cry V — e mais especificamente ainda o gameplay do Nero.
Explicando: logo no início do jogo, Age quebra sua espada… porém, ele é capaz de “absorver” certos cristais, que se transformam em lâminas temporárias no cabo de sua arma. É uma mecânica que lembra um pouco a troca de braços biônicos do Nero em DMC V.
Existem basicamente dois tipos de inimigos em Ultra Age: os robôs e as criaturas orgânicas. O gimmick de gameplay aqui é que existem espadas que são mais eficazes contra as máquinas, e outras que causam mais estrago em monstros de carne e osso. Também existe uma ou outra arma “coringa”, que pode ser utilizada contra ambos os tipos de inimigos.
Confira abaixo um pouco de gameplay contra um punhado de robôs:
Podemos equipar quatro espadas diferentes simultaneamente — para trocar, basta usar o botão R1 — então, na hora dos combates, cabe ao jogador agilidade nos dedos para alterar entre suas espadas equipadas, a fim de causar mais dano em diferentes tipos de inimigos.
Sendo bem honesto, o jogo nem mistura tanto assim criaturas vivas e robôs, mas existe um motivo extra para você alternar entre as espadas: cada arma possui seus próprios combos e até sua própria árvore de habilidades.
Ou seja, ainda que o jogo não conceda “pontos de estilo”, trocar de arma é fundamental para quem quer “jogar bonito”. E, certas armas possuem habilidades específicas, como a Lightning Blade, capaz de eletrocutar os inimigos, ou a Gunblade, que também dispara projéteis.
Mais pontos em comum com Devil May Cry V: podemos usar um arpão para puxar inimigos — ou içar Age até eles. Ah, e assim como o Nero pode explodir seus braços cibernéticos, em Ultra Age as espadas têm durabilidade limitada: quando elas estiverem prestes a quebrar, podemos “sacrificá-las” para aplicar um poderoso golpe final.
Calma que isso não quer dize que você vai ficar desarmado no meio do combate: é possível carregar cerca de 15 lâminas de cada tipo, e o jogo é generoso nos pontos de recarga. Então, quando quebrar uma arma, é bem provável que outra já “brote” automaticamente do seu estoque.
Helvis e a viagem no tempo inútil
Nosso companheiro robótico nesta jornada é Helvis, e ele lembra um pouco os fantasmas de Destiny. O robozinho tem alguma personalidade e conversa bastante com Age ao longo do jogo. Na prática, porém, ele se mostra um grande aliado, especialmente no calor dos combates.
Logo no início da aventura, Helvis absorve um cristal que lhe concede quatro habilidades especiais, ativadas pelas quatro direções do direcional digital. Ele pode curar o protagonista — essa é a única forma de se curar, inclusive –, coletar cristais que os inimigos dropam e ativar o Critical Rage, habilidade que deixa os ataques de Age muito mais poderosos por algum tempo.
Ele também nos permite viajar no tempo, mas a utilidade deste recurso é extremamente limitada. Funciona assim: os cristais e outros recursos que absorvemos do cenário tem um longo tempo de cooldown para serem reaproveitados.
Apressar o tempo faz basicamente com que esse cooldown diminua, o que ajuda a acumular recursos — algo que nem é tão necessário assim, não é como se faltassem espadas no jogo. Então, o recurso de viagem no tempo acaba sendo bem inútil, e merecia ser melhor aproveitado, especialmente nos combates ou na exploração.
Audiovisual
Ultra Age tem a maior pinta de jogo “double A”: não tem o cacife de um AAA, mas também tem mais verba do que um jogo independente tradicional. E ele fica confortável nesse meio termo: a versão PS4 (rodando no PS5) flui muito bem e oferece uma jogatina ágil e fluída, sem engasgos nem quedas de framerate e com poucos loadings.
Onde o jogo mais peca é no level design. Para “economizar”, alguém teve a ideia de fazer com que 70% da campanha se passe dentro do mesmo tipo de cenário “base inimiga genérica”. Isso faz com que a cadência do jogo seja quase a de um jogo de arena: passe por um corredor e chegue em uma sala. Uma sirene vai soar, inimigos vão surgir. Elimine todos, colete os espólios, passe por outro corredor, chegue em outra sala… repita o processo ad infinitum.
Entendo que esta decisão deve ter sido tomada para cortar custos, mas é fato que o jogo merecia mais cores, mais variedade de ambientes. A campanha até começa em uma selva bonita, mas o jogo vai ficando cada vez menos interessante visualmente ao longo da campanha. Há poucas áreas abertas, e mesmo quando não estamos em uma base, estamos em algo igualmente sem graça, tipo um deserto.
Há muitas “paredes invisíveis” aqui para delimitar os cenários, e este “recurso” deixa o jogo bem datado: paredes invisíveis eram “normais” até o início da geração Playstation 3, mas nos últimos anos os designers aprenderam a mascarar isso com escombros, árvores, etc. Aqui falta essa finesse.
Curiosamente, embora o jogo seja um pouco “tosco” em alguns aspectos, ele é até bem arrojado em outros: o trabalho de câmera é bastante elaborado e cheio de efeitos legais. De vez em quando a câmera se afasta, ou nos deixa acompanhar a ação como se o jogo fosse em 2.5D. Sabe o que Nier Automata faz? É quase a mesma coisa — ainda que nem tão bem executado.
O lado bom é que, mecanicamente, o jogo funciona: a jogabilidade é fluída e divertida o bastante para segurar a onda ao longo das cerca de 8 horas que Ultra Age dura. Porém, ela não mascara a falta de polimento do jogo, e a escassez de ambientes é realmente gritante. Até o personagem sabe disso: ali pelo meio do jogo, Age solta uma frase tipo “quantas bases dessas eles construíram?”. É quase metalinguístico. 😛
O design dos personagens e inimigos não é realmente inspirado, mas cumpre seu papel. Age, com suas espadas enormes, parece o típico herói “edgy” de JPRG e muitos dos inimigos que enfrentamos também parecem refugos de um RPG japonês genérico — os felinos enormes com cristais nas costas parecem muito algumas versões dos Behemoths de Final Fantasy.
A trilha sonora traz um mix de rock industrial com músicas mais ambientais, que estão ali apenas para preencher o silêncio. Nas dublagens, a voz norte americana de Age é um pouco forçada e canastrona, enquanto Helvis e os (poucos) coadjuvantes que encontramos fazem um trabalho ok. O jogo não recebeu tradução para o nosso idioma, mas salvo por uma história meia-boca e um punhado de tutoriais, quem não entende inglês não estará perdendo muita coisa.
Conclusão
Sei que enalteci muitos pontos negativos de Ultra Age, mas a verdade é que, apesar disso, me diverti bastante com o jogo. Talvez isso se deva ao fato de que há poucos hack ‘n slashes sendo lançados hoje em dia, o que faz mesmo um jogo mediano do gênero se destacar, simplesmente porque há poucas opções.
De qualquer modo, acredito que o saldo final é positivo: a dinâmica de espadas intercambiáveis consegue manter os combates divertidos, e as interessantes mecânicas do arpão e da esquiva acrescentam um tempero tático à receita.
O fato de cada arma ter seus próprios combos e aprimoramentos deixa as batalhas mais densas do que elas aparentavam ser em uma primeira olhada — e nem falei das boss battles, ms há algumas muito boas aqui!
Faltou polimento (e orçamento) para Ultra Age atingir seu verdadeiro potencial e poder figurar ao lado de jogos como Bayonetta e Devil May Cry. Eu diria que, dadas as suas claras limitações, Ultra Age é meio que “o primo pobre” de Devil May Cry.
Mas, seu coração sem dúvida está no lugar certo: seu gameplay é muito satisfatório, e, no fim das contas, este é um jogo sobre mecânicas, sobre reflexos rápidos e combates frenéticos. A qualidade da pancadaria ofusca (mas não esconde) todos os pequenos defeitos que o jogo tem.
Ultra Age está sendo lançado hoje (09/09), com versões para PC, Playstation 4 (versão analisada) e Nintendo Switch.