Arkade Séries: Arrested Development, a melhor série que ninguém viu
As opções no mundo dos seriados são tantas, que muitas vezes, séries que seriam facilmente assistidas por um grupo de pessoas, seja pela falta de marketing, problemas em conseguir apresentar suas ideias para o público ou outros fatores, internos ou externos, fazem com que projetos bacanas acabem ficando no mundo do desconhecido.
Arrested Development faz parte deste mundo injusto. É claro que a série conquistou um legado e conta com uma base de fãs bem fiel até hoje, mas não há como negar que a Família Bluth merecia mais destaque e espaço entre — que me perdoem pelo sacrilégio que farei agora para alguns fãs — tantas séries meia boca que acabaram contando com ótimos índices de audiência.
Mas o mundo do show business é assim mesmo, cruel e insensível com quem quer que seja.
Era uma vez uma família imperfeita…
A premissa de Arrested Development é simples: uma família disfuncional, com um membro mais esquisito e complicado do que o outro, que sofrem uma investida do governo no que diz respeito aos trambiques do patriarca, George Bluth, que ocasionam com a sua prisão. A partir daí, a trama gira em torno do único filho “normal” da casa, Michael Bluth, que tem que acabar, por força da necessidade, cuidando de sua família ex-rica, com todos os problemas e loucuras que isso pode significar.
A família conta com Lucille, a mãe socialite que só pensa em bebida e status; o caçula Buster, um cara de mais de 30 anos que dorme em um quarto de um garoto de 10 anos e é o “queridinho da mamãe”; o primogênito Gob, um mágico (e ventríloquo) da pior categoria, mas que nunca desiste de seus “sonhos” (e, por causa dele, você nunca mais ouvirá The Final Countdown, da banda Europe, do mesmo jeito) ; Lindsay, sua irmã gêmea, que é uma legítima patricinha; Tobias, marido de Lindsay que não há uma maneira muito sensata de descrevê-lo; George Michael, o filho adolescente de Michael, que acaba sentindo uma queda pela sua prima Maeby.
E a confusão da descrição da família é exatamente o que faz Arrested Development tão especial. Seus episódios, apesar de curtos (na média dos 22 minutos), exigem atenção direta do público, já que a todo momento a atenção é chamada, seja por uma piada, ou pela revelação de algo relevante para a trama. As piadas acontecem a todo momento e de maneira ágil e direta, que ficavam ainda melhor com o impressionante entrosamento de todos os atores, que faziam com que tudo ficasse mais divertido. Além disso, vários flashbacks em forma de documentário explicam muitas das coisas que vão acontecendo no programa, tudo narrado pelo célebre diretor Ron Howard.
Sobre o enredo, o que temos a dizer é que os roteiristas nunca tiveram muita preocupação com o andar da carruagem, fazendo tudo em nome de literalmente, tacar o fogo no meio da gasolina. Ao mesmo tempo em que os episódios correm de maneira “tradicional”, ou seja, sem grandes mudanças profundas, do nada algo maluco acontece e todo o contexto é alterado de maneira impressionante. Isso sem mencionar na clássica situação “que uma coisa era de um jeito até que alguém vai lá e faz alguma outra coisa que muda o que era pra acontecer de outro jeito, mas com uma terceira situação mudando tudo outra vez, fazendo voltar ao que devia ser desde o início, ou não”, que acontece com mais frequência do que é costume ver em seriados por aí.
As situações são extremamente absurdas, envolvendo desde as questões na cadeia, até o Iraque, tema muito em comum da época em que a série foi exibida, entre 2003 e 2006. E não há muito o que fazer para entender melhor o caos que reina em todos os episódios, do primeiro ao último, sem assistir a série.
A volta dos que nunca deveriam ter ido
Ao mesmo tempo que o seriado contou com uma audiência baixa, que ocasionou seu cancelamento na terceira temporada, isso acabou ajudando a série, já que mais temporadas poderiam ocasionar episódios sem sentido e forçados a existir apenas por causa da audiência e dinheiro envolvidos nisso. Acabamos, então, contando com apenas três temporadas, que são, afinal, suficientes para contar toda a história maluca dos Bluth.
Mesmo assim, a série, que garantiu uma pequena, porém sólida base de fãs, que compartilham até hoje os vários memes e absurdos que os episódios apresentaram, acabou sendo uma das investidas da Netflix para conteúdo exclusivo da plataforma. Em 2013, a plataforma adicionou, então, uma quarta temporada, focando no que aconteceu com cada membro da família após os eventos da série original, no intervalo de sete anos. Já é possível sentir o desgaste do formato, ocasionado principalmente pelo distanciamento dos personagens que, por agendas pessoais, não permitiam que vivessem juntos como era antigamente. Mesmo assim, é divertido e até nostálgico vê-los mais velhos, e acompanhá-los, mesmo que na base do “one season only”, mais um pouco.
E mesmo assim, focados em mostrar o “depois” dos personagens, a série ainda continua promovendo situações absurdas e malucas. Arrested Development, pelo menos para mim, cumpriu o seu papel como seriado de humor, ao ser ao mesmo tempo, completo e descompromissado. Suas situações malucas e insanas deveriam servir de inspiração para muitos projetos de humor que há tempos perderam a mão e oferecem apenas situações plasticamente divertidas (ou mais ou menos isso), sem usar elementos tão simples para fazer rir. Em uma época em que o humor anda tão sem graça, não pela cópia pura, mas Arrested Development deveria servir como boa inspiração para garantir seriados ou filmes que continuem a cumprir o verdadeiro propósito do humor: fazer rir.
Se você quiser ver Arrested Development, terá que recorrer aos DVDs da série, pois desde o início de 2017, as três primeiras temporadas saíram do catálogo da Netflix. Mas a quarta, que conta com alguns flashbacks explicando eventos da série original, está disponível na plataforma, já que é uma série original, ou “semi-original”, como eles avisam no título.