Arkade Series: Assistimos a primeira temporada de Narcos, que chega para fazer carreira.
Narcos chegou e a vida de Pablo Escobar, tão explorada em livros, seriados e outras mídias, agora ganha versão na Netflix. Assistimos a primeira temporada e você pode conferir com a gente nossas impressões.
Pablo Emilio Escobar Gaviria. Este nome mudou radicalmente a Colômbia do século XX, quando se tornou um dos criminosos mais bem sucedidos e violentos de todos os tempos, controlando quase que todo o negócio de cocaína no mundo, desafiando o governo de seu próprio país e dos Estados Unidos e gerando praticamente uma guerra civil em solo colombiano, tamanha a dificuldade de domar sua personalidade forte.
Com tantas histórias, várias mídias abordaram a vida de Escobar, como um livro, filmes e até uma novela produzida pela Caracol (também disponível na Netflix), emissora colombiana. Desta vez, a Netflix foi quem adentrou no universo do Cartel de Medellín com Narcos, e após conferirmos com calma a primeira temporada, segue as nossas impressões da produção.
Capitão Escobar – O Tony Montana do século XXI?
Antes de qualquer coisa, não poderíamos ficar sem falar de Wagner Moura, que aqui é o camisa 10 talentoso de um time comum. Time competente, capaz, mas comum. Quem viu o Capitão Nascimento “virando” em quase dez anos um dos maiores traficantes da história, não tem como não tirar o chapéu para este excelente ator. Nem o seu espanhol abaixo da média — não reclame: Luxemburgo fez bem pior quando treinou o Real Madrid — atrapalha sua atuação, refletindo muito bem o jeito tímido, porém agressivo do chefão do Cartel de Medellín.
E sem querer comparar, mas não podendo ficar sem ligar algumas referências, Escobar poderia facilmente ser um personagem de GTA: Vice City, ou também negociar com Tony Montana, o Scarface. O fictício traficante vivido por Al Pacino representa o que há de melhor (ou pior) no mundo do crime, com sua arrogância, violência e paixão pelo exótico. E é notório que algo de Scarface entrou em Narcos, como as músicas dos anos 80 tocadas com certa frequência — faltou esta aqui — porém mais no roteiro, envolvendo família, império das drogas e a influência.
Sim, falta muita plata para este Escobar chegar ao nível de um Tony Montana, da Família Corleone ou de um Walter White, mas o colombiano nem quer isso, já que se auto-proclamava um cara comum, um “homem pobre com dinheiro” — e ele existiu de verdade. Porém sua vida é mostrada de maneira simplista, pois enquanto seus “colegas” tem suas histórias de ascenção no crime muito bem contadas, com Pablo, tudo parece que acontece por “acidente”. Como se em cinco minutos, Pablo comprasse dois quilos de cocaína e pronto, virou o maior traficante de todos os tempos. Talvez a necessidade de conferir a audiência para uma segunda temporada atrapalhou aqui, pois este era o momento perfeito para contar os primórdios de sua vida e os primeiros passos no crime.
Tom & Jerry
Narcos conta a vida e carreira (sem piada dessa vez, juro!) de Pablo Escobar e a Colômbia dos anos 80 e 90, mas faz de protagonista os Estados Unidos (representado pelo agente Steve Murphy – Boyd Holbrook) que durante o governo Reagan e Bush, se viram envolvidos em sua caça, o que traz um clima constante de Tom & Jerry para os episódios. Temos o rato esperto que está sempre um passo a frente e o gato que por mais que tente, não consegue nada, mas as vezes até consegue incomodar um pouco.
Mesmo com o seriado insistindo em mostrar os agentes dos Estados Unidos como a “única” solução dos problemas, mesmo querendo denunciar os problemas políticos que o tal do conservadorismo contra comunismo trouxe ao país, o que vemos na prática o tempo todo são os traficantes dando chapéus atrás de chapéus neles, seja usando a cabeça, seja usando armas. Porém, o ponto de vista bem “American Way”, aonde a defesa da “liberdade” era prioridade, apresenta um mundo aonde na Colômbia nada presta — nem os decentes — e nos Estados Unidos tudo é honesto, decente e justo, o que não é lá muita verdade, pois pelo que vemos por aí, sabemos que Papai Noel não existe.
The History Flix
Talvez motivo de grande decepção para a grande maioria, que esperava tiroteios do nível do já citado Scarface, ou saídas de problemas inteligentes dignas de um Walter White, em Narcos o que temos é um ritmo bem mais lento, quase como um documentário. E em alguns momentos, a série acaba sendo um documentário, com a intenção de inserir o grande público — especialmente fora da América Latina, que pouco conhece sobre a vida de Pablo, suas motivações, e as razões as quais os Estados Unidos decidiram se meter nesta violenta Colômbia e também nos ajudando a conhecer melhor os personagens.
Para mim, os tais “documentários” ajudaram um pouco, pois como a série segue uma linha do estilo Os Dez Mandamentos (a tal novela de Moisés na Record), que usa elementos historicamente reais e adiciona um pouco de ficção. as imagens reais capturadas nos momentos de vida do traficante cumprem bem o papel de “pé no chão”, introduzindo pessoas que desconhecem a vida do traficante, mas não espere muita coisa, pois esta parte é bem rasa.
Produção Maria do Bairro, pero con “pede pra sair”!
Como estamos falando de um personagem latino, em uma cultura inserida pelas famosas telenovelas, é digno que, por bem ou por mal, Narcos acabasse bebendo desta fonte. E sim, as novelas colombianas são tão “únicas” do que as mexicanas. Para citar um exemplo, Café com Aroma de Mulher foi feita na Colômbia.
E é aí que entra uma grande mistura: tem hora que você acha que de fato voltou a ver Tropa de Elite, por causa de Moura e José Padilla, com a violência crua e direta; em outros momentos você acredita que está de fato vendo uma série original Netflix, devido aos elementos de fotografia e formatos de episódios; em algumas cenas policiais, você acha que está vendo Magnum, pois tem perseguições semelhantes aos seriados policiais dos anos 70; e por fim, na maior parte do tempo, você se sente assistindo a Maria do Bairro, devido a atuação da parte latina do elenco, com muitas conversas e tramas, além de um certo dramalhão (violento, e que combina com o ambiente).
E não, isto não é uma crítica negativa. Apenas estamos colocando os pés no chão. Chris Brancato, Carlo Bernard, Doug Miro, Paul Eckstein e José Padilha tem na Netflix a liberdade para fazerem o que vier a telha, sem muita frescura. Por isso, vemos vários elementos que embora se misturem, também indicam a boa intenção de fazer o melhor ao público, sem se apegar a fórmulas prontas. O simples fato dos episódios “formarem” um filme de 10 partes, ao invés de terem “cara de seriado” mostram a vontade de produzir algo mais solto, mais livre e mais fora da caixa.
Fazendo carreira
Narcos chegou e mostrou que embora precise evoluir bastante, tem uma carreira brilhante (sem piadas de novo, juro de novo!) pela frente. A fotografia é excelente, a vida de Pablo é uma mina de boas ideias e Wagner Moura mandou muito bem interpretando o traficante, neste filme de dez partes. Umas aulas de espanhol a mais para o Wagner Moura, uso melhor dos elementos já experimentados, episódios que expliquem melhor a vida “antes da fama” e um pouco mais de ação, além de uma visão menos “imperialista made in USA” da situação, são alguns elementos que acreditamos poder ajudar muito para fazer da segunda temporada de Narcos algo ainda melhor.