Arkade Séries: F is For Family é a prova de que os anos 70 ficam em outra dimensão
Os anos 70 foram muito importantes, para a política, a ciência, o esporte, e tantos outros fatores da sociedade, mas também foram anos completamente insanos. Com muita cor, muita música e também vários problemas, a década que começou com o tri do Brasil na Copa do Mundo no México e nos trouxe Chaves, cabelos black power, calças boca de sino e a disco music se fez eterna na memória de quem viveu ela, e também faz parte do imaginário de quem nem era nascido nessa época, mas se identifica com ela.
Com as mentes de Bill Burr e Michael Price, F is For Family retrata muito bem este período, mas de uma maneira bem diferente, preferindo trazer ao enredo algo mais cru, mais próximo do dia a dia das pessoas comuns. Na primeira temporada, que contou com seis episódios, tivemos problemas com a compra de uma TV a cores, discussões familiares, bullying e tantos outros temas que até hoje são comuns no dia a dia de qualquer pessoa. Claro que o seriado exagera tudo em nome do humor, mas não espere aventuras insanas como as que acontecem em Os Simpsons ou em Family Guy.
A dupla mentora do seriado conta com boa experiência para assinar a sua criação. Burr, além de ter dublado o membro do Lost MC Jason Michaels em GTA IV, também interpretou Patrick Kuby, um dos capangas de Saul Goodman em Breaking Bad. Já Price, é conhecido por ter escrito alguns episódios de Os Simpsons, ganhando até Emmy por conta disso. A união dos dois permitiu uma visão totalmente diferente do estilo de animações com famílias, sejam elas em desenho ou de carne e osso, conquistando o direito de obter uma segunda temporada após o bom índice do primeiro ano, que contou com seis episódios.
Em sua segunda temporada, que estreou no dia 30 de maio, Frank Murphy retorna com sua família para mais dez episódios, que continuam a história que se encerrou no final da primeira temporada, envolvendo questões de trabalho, e focando os novos episódios na nova vida dos Murphy, que precisam lidar com as questões financeiras, com sua esposa Sue continuando seu trabalho na Plast-a-Ware (sim, uma espécie de Tupperware), enquanto seus filhos contam com seus problemas pessoais, envolvendo rebeldia e sexo.
O tom sombrio e certas vezes até pesado, ocasionado pelos problemas do casal e que acabam refletindo nos filhos dita praticamente todos os episódios. A luta pelo fim da virgindade de Kevin, enquanto tenta também sucesso com sua banda de rock, a rebeldia de Bill, ocasionada pelo bullying e pelos problemas familiares e a incopreensão dos talentos de Maureen, que nunca são reconhecidos por seu pai pelo fato dela ser uma garota (e mulheres nunca serão astronautas e nem trabalharão com computadores, pelo menos por aqui), são parte da mensagem profunda da série sobre vários tipos de problemas familiares.
Mas ainda é necessário se desprender completamente do nosso mundo atual e do politicamente correto para entender F is For Family. Como já foi falado, o seriado é bastante cru, e isso faz com que questões como o machismo que imperava na época, drogas, sexo e costumes como o de fumar em qualquer lugar, façam parte do comum nos episódios. Eram outros tempos, que podem acabar ofendendo de verdade várias pessoas que, desavisadas, assistem o episódio achando que é apenas outro desenho “de homenagem aos anos 70”. Mas é ao expor as coisas como elas realmente foram, tirando as cortindas do preconceito, já que naquela época tudo acontecia de maneira “normal”, que o seriado consegue oferecer a sua crítica para a sociedade, nos fazendo até refletir se tais mudanças realmente aconteceram hoje, após tantas militâncias de tantas causas que exigem igualdade, entre outros temas.
Outra coisa: F is For Family foge também do que o espectador procura, levando o simples e corriqueiro, que ás vezes as pessoas não querem ver. O entretenimento serve como uma espécie de fuga, em algumas ocasiões. Friends, por exemplo, é visto como uma espécie de “meta de vida” por jovens que gostam do estilo de vida do grupo de jovens que moram junto e jogam Twister; séries de ação levam o espectador para conferir adrenalina que talvez ele nunca irá receber na vida; e as mais famosas séries de heróis, que levam a fantasia para as telas, mesmo com a insistente luta para humanizar Demolidores e Supergirls por aí.
Em F is For Family, temos, ao invés destes elementos “distantes”, muito palavrão, consumo de drogas, sexo, tudo acontecendo de maneira natural. É comum vermos Frank e Sue tendo relações sexuais após algum momento que passaram juntos, várias (e bota várias nisso) discussões entre os personagens, o que faz que não seja algo muito fácil de ver, pois as pessoas muitas vezes preferem usar do entretenimento justamente para assistir coisas as quais são distantes para elas. O seriado aqui, ao contrário, faz questão de trazer você de volta para a realidade e te fazer pensar sobre quão normal são todas as situações ali abordadas, mesmo com o exagero necessário nos textos. Até os cenários são comuns, com casas normais (com exceção do excentríco vizinho de Frank, Vic), banheiros sujos, vários locais pixados, entre outras locações que as produções costumam deixar de lado, para apresentar um “mundo mais ideal”. Alias, a “vida perfeita” não existe por aqui, o que torna tudo mais próximo ainda.
E ainda assim, a série consegue tirar boas risadas. Ela não pode ser considerada uma série apenas de humor, com piadas a todo momento com o único foco de te fazer rir, mas existem ótimos momentos, como a vez que Frank leva sua filha machucada para o hospital e dá um verdadeiro show pra que ela seja atendida logo. Porém, ao mesmo tempo, vemos personagens chorando, sofrendo problemas das mais variadas espécies e momentos até pesados, mas como venho dizendo nas últimas linhas, todas estas situações aconteceram e acontecem sempre. E se prepare para toneladas de obscenidades e cenas pesadas de qualquer espécie, pois nem os criadores nem a Netflix tem muitos limites com suas produções, ao contrário do que acontece na TV.
Mais do que uma homenagem aos anos 70, que conta até com Come and Get your Love como música de abertura (que também aparece no filme dos Guardiões da Galáxia), da banda de índios Redbone, F is For Family nos leva para dois extremos entre seus episódios: para os distantes anos 70 e todos os seus costumes, os bons e os ruins, e também para bem perto, apresentando situações que podem estar afetando vários tipos de pessoas, mostrando que nem tudo é um mar de rosas e a frustração pode sim ditar o ritmo de uma vida. No meio de tudo isso, o humor e situações bem embaraçosas que garantem o tempo investido vendo mais um “filme” em partes da Netflix.
F is For Family tem as suas duas temporadas disponíveis na Netflix.