Cine Arkade: A Entrevista e o Video On Demand mostrando o futuro do cinema
Vamos discutir um pouco do futuro e da internet graças ao recente sucesso que o polêmico A Entrevista fez em serviços de vídeo on demand. Tudo isso na primeira Cine Arkade do ano!
A Entrevista é um filme em que ganhou grande atenção graças ao seu controverso enredo: as pessoas já sabiam que o longa dirigido por Evan Goldberg e Seth Rogen iria dar muito pano para manga por apresentar dois jornalistas que se infiltram na Coreia do Norte a mando da CIA, para matar o líder Kim Jong-un.
Em um ato que não deveria surpreender ninguém, a polêmica surgiu, se intensificou e levou o filme para uma montanha russa de obstáculos com produtores, distribuidores e outras empresas que fazem parte do mundo cinematográfico.
No entanto, isso se tornou uma vantagem, e conseguiu mostrar uma imagem vívida sobre o futuro do streaming/serviços de VOD (video on demand) se comparado à experiência tradicional do cinema. Mas antes de de aprofundar neste tema, vamos voltar no tempo e entender um pouco o deturpado caso de A Entrevista.
A ideia do o filme começou no final dos anos 2000 com a dupla Seth Rogen e Evan Goldberg pensando como seria engraçado um filme sobre dois jornalistas que seriam enviados pela CIA para assassinar o ditador da Coreia do Norte.
O que era um conceito “divertido” rapidamente se tornou realidade com a inclusão de alguns roteiristas, além da própria vida real que foi se moldando e deixando o absurdo do filme cada vez mais crível, como o famigerado jogador de basquete Dennis Rodman viajando para a Coreia do Norte graças a amizade incomum que tem com o atleta.
A produção continuou, mais atores foram chamados para participar do longa, incluindo Lizzie Caplan (Masters of Sex, Cloverfield), Randall Park (They Came Together), Timothy Simmons (Veep) e claro, o amigo de Seth Rogen de longa data, James Franco (127 Horas) interpretando Dave Skylark, o apresentador de talk show que é enviado para a Coreia o Norte junto com o seu produtor, Aaron Rapoport (interpretado pelo próprio Seth Rogen).
A controvérsia se dividiu em duas partes: primeiro tivemos o próprio ditador Kim Jong-un descobrindo a existência do filme e fazendo várias ameaças ao governo americano por ser uma “promoção ao terrorismo e um ato de guerra”, de acordo a um dos embaixadores da Coreia da Norte.
Eis que, no final de novembro, faltando um mês para o filme sair nos Estados Unidos, um ataque ao banco de dados da Sony foi feito por hackers desconhecidos. O hack trouxe diversas informações a tona, incluindo dados pessoais de funcionários e atores que estavam envolvidos na produção do filme, bem como conversas de emails entre executivos da empresa e outras.
Os hackers, que se auto-denominavam “Os Guardiões da Paz”, adquiriram aproximadamente 100 terabytes de documentos enquanto ameaçavam o cancelamento de A Entrevista. Até hoje não se sabe quem foi o culpado, com as únicas evidências sendo alguns poucos códigos de origem coreana. Obviamente, a Coreia do Norte nega responsabilidade pelo ataque e assim joga a batata quente para os funcionários da Sony.
A consequência do ataque foi um dos eventos mais caóticos visto nos últimos meses: a Sony anunciou o cancelamento do filme… depois anunciou que os cinemas dos Estados Unidos poderiam colocar os filmes nas telonas por sua conta e risco, o que levou a quase nenhum dono de cinema correr o risco de transmitir o filme.
Para azedar ainda mais, diversos emails liberados mostravam executivos da Sony de todas as partes do mundo discutindo e falando mal do filme, explicando que ele era de mau gosto e que era desnecessariamente violento em algumas cenas.
Chegando mais perto da data de lançamento, no dia 25 de Dezembro, mensagens dos “Guardiões da Paz“ apareceram, avisando que a Sony “sofreu o bastante” e que o filme poderia viver se o final fosse amenizado. Assim o filme poderia continuar a ser lançado normalmente mesmo após esta confusão toda.
Um dia antes do lançamento, a Sony anunciou que iria disponibilizar o filme em dois formatos: em algumas salas de cinema e pela internet, por serviços de Video On Demand.
A Entrevista foi lançado em todos os serviços da internet, incluindo YouTube, Google Play, Xbox Marketplace, Amazon e Playstation Network (a queda da PSN e da Xbox Live que rolou no finalzinho de 2014 tem a ver com isso) com a opção de alugar o filme para assistir na sua casa.
O resultado foi estrondoso: A Entrevista arrecadou US$ 31 milhões somente em Video On Demand, sendo alugado ou comprado mais de 4,3 milhões de vezes, se tornando o filme que mais conseguiu dinheiro no serviço. Comparativamente, o segundo lugar ficou com o Expresso do Amanhã que conseguiu um pouco mais de US$ 3 milhões nas primeiras duas semanas disponibilizadas em VOD.
Podemos argumentar que o sucesso de A Entrevista foi pela sua própria polêmica: quanto mais falavam do filme, mais pessoas ficavam interessadas e curiosas para descobrir se ele era tão aterrador quanto os hackers e a Coreia do Norte diziam ser. Mas isto não muda o fato que a explosão de A Entrevista tem tudo para ser o início de uma tendência que pode mudar a maneira com que os filmes são distribuídos e assistidos.
O Expresso do Amanhã pode ter sido um dos primeiros filmes que adquiriu um sucesso relativo em serviços de Video on Demand, porém A Entrevista fez com que pessoas nem tão ligadas nisso percebessem que o VOD existe e que pode ser tão fácil de utilizar quanto ir ao cinema.
A popularidade do Video On Demand nos mostra que existe mais uma opção para assistir filmes que remove todo o “trabalho” de ir ao cinema, trocando a “experiência de cinema” pela praticidade em juntar os amigos na sala para assistir ao filme que acabou de ser lançado diretamente pela internet, quando e como você quiser.
Claro que isso não quer dizer que as pessoas simplesmente vão parar de ir ao cinema e todos nós vamos ficar em casa assistindo o primeiro filme que encontrarmos. Para muita gente, ir ao cinema é um “evento”, você se prepara e se arruma para ir a um lugar cheio de gente, que reage em uníssono ao que está ocorrendo na tela; ao passo que assistir algo em casa é muito mais intimista, e ninguém vai ligar se você estiver de pijama com a sua cara metade ou com seus amigos.
Hoje em dia até podemos até ter uma experiência similar à do cinema graças à tecnologia: home teather, televisões curvas gigantescas e tudo mais. Ainda deve demorar um pouco para vermos filmes sendo lançados simultaneamente no cinema e nos serviços de VOD, mas isso deve se tornar cada vez mais comum com o tempo.
Pessoalmente, acredito que esta realidade só estará realmente presente e acessível daqui uma década (no mínimo!), tendo como base o tempo que demora para uma tecnologia nova se popularizar, como foi o caso do CD, DVD e atualmente, o BluRay.
O que podemos perceber atualmente é que a internet está cada vez mais participativa em todos os meios de entretenimento, jogos, séries de TV, música e filmes. O próximo passo é ver como as grandes empresas irão lidar com todos os obstáculos que a internet traz, se ela vai lutar e bater de frente contra o VOD e serviços de streaming como o Netflix ou encontrar uma forma de coexistir em harmonia com estes canais, de maneira que todos possam se beneficiar (seja pela praticidade, seja pelo lado financeiro), desde quem produz o conteúdo até quem o assiste.
Tudo ainda é uma questão de tempo e o que nos resta é esperar e assistir de camarote todos os eventos se desenrolando até o grand finale, seja ele um final feliz e esperançoso ou um desfecho mórbido e lúgubre. O que temos no momento — em grande parte por conta d’A Entrevista — é um cenário caótico e instável.