Cine Arkade: Mapa para as Estrelas e a arte de se sentir mal
Nesta semana na Cine Arkade, vamos falar sobre alguns filmes que te dão aquela dolorida sensação de mal-estar, e de tabela, explicar o que faz O Mapa para as Estrelas ser tão pesado e consistente como uma obra.
Filmes são obras poderosas e conseguem transmitir sensações inimagináveis para o espectador. Assim como séries, música, teatro e claro, videogames, estas formas de entretenimento nos dão a sensação de experimentar as emoções dos personagens e compartilhar suas alegrias, seus medos, seus desesperos e muito mais.
Por aqui eu quero aproveitar o timing do lançamento de um filme que apareceu faz pouco tempo no cinema para aprofundar o conceito de se sentir mal após assistir um filme, trazendo também outras duas obras que me causaram um estresse similar, porém de formas diferentes.
O HORROR FÍSICO
A Serbian Film: Terror Sem Limites e a série de filmes Guinea Pig talvez sejam alguns dos filmes mais controversos dos últimos tempos, dado seu teor de violência e a abordagem de temas polêmicos, que até hoje, são difíceis de discutir. Se você quer horrorizar uma pessoa, é só recomendar um destes dois filmes e as chances são dela nunca mais conversar com você por te achar um psicopata de marca maior… não que isso tenha acontecido comigo!
O primeiro filme que mencionei, A Serbian Film, tem a direção de Srdjan Spasojevic e conta a história de um ator pornô que está no fim de sua carreira e aceita participar de filmes alternativos e considerados como “arte maior” pelo cineasta que o convida. Mal sabe o ator sabe que ele entrou em um espiral de decadência envolvendo abuso infantil, violência sexual, necrofilia e praticamente tudo que há de perverso e horrível em nossa sociedade. A Serbian Film é pungente, pesado e horrível a ponto de ter sido proibido em diversos países.
Assim como Centopéia Humana e filmes do mesmo gênero, A Serbian Film te dá aquela sensação de mal-estar e nojo ao ver cenas físicas acontecendo tão deliberadamente. E o fato de ser ficção não ajuda a amenizar o que rola na tela.
Guinea Pig, por sua vez, traz um tema similar à mesa mas tenta intensificar tudo dando uma visão de que a série de filmes são do tipo snuff, ou seja, aqueles filmes em que as pessoas morrem de verdade.
Guinea Pig é uma série de sete filmes japoneses dirigidos por vários cineastas, incluindo Satoru Ogura e Hideshi Hino, que foram lançados entre as décadas de 80 e 90. Cada um dos filmes contam diferentes e bizarras histórias, desde um homem que não sente dor ao se cortar e decide horrorizar o amigo se mutilando de diversas formas no filme Guinea Pig 3: Shudder! The Man Who Doesn’t Die, até ao puro horror e desgosto como a tortura física de uma mulher em Guinea Pig 1: Devil’s Experiment.
O que fez Guinea Pig ser tão famoso é pela realidade imposta em cada uma das cenas, sendo que os produtores tiveram que provar várias vezes que tudo era falso e desenvolvido com efeitos especiais. O caso se tornou global quando em 1991 o ator Charlie Sheen assistiu Guinea Pig 2: Flowers of Flesh & Blood por sugestão de um “amigo“, e se sentiu tão horrorizado que ligou para o FBI denunciando os produtores por terem filmado um filme de snuff, algo que foi desmentido pelos criadores após o questionamento das autoridades.
Irreversível, Centopeia Humana, A Serbian Film: Terror Sem Limites e Guinea Pig. Todos estes filmes transmitem uma mensagem clara de dor e sofrimento aos protagonistas, e por tabela, o espectador sente o mesmo. Mas o que diferencia estas obras com o recente Mapa para as Estrelas?
MAPA PARA AS ESTRELAS E O HORROR PSICOLÓGICO
Antes um pouco de contexto: Mapa para as Estrelas é o novo filme dirigido por David Cronenberg (Cosmopolis, A Mosca, Videodrome) e com o roteiro de Bruce Wagner (I’m Losing You). Nele temos a glamourização se mesclando com a decadência emocional das estrelas de Hollywood.
Contando a perspectiva de diversas personalidades em Hollywood, Mapa para as Estrelas pinta uma imagem insensível e sociopata das estrelas que tanto admiramos. Temos o ator de 13 anos que usa drogas e está em reabilitação, uma atriz decadente que está procurando revitalizar em sua carreira, um chofer de limusine que, assim como todos em Hollywood, é um escritor/ator que tenta ser bem sucedido, e uma família disfuncional que conecta todos estes personagens em uma única massa de angústia e desilusão.
Mas o que faz Mapa para as Estrelas ser tão impactante quanto a violência e o horror gráfico de A Serbian Film ou Guinea Pig?
Para mim tem tudo a ver com o desenvolvimento de personagens e o clima que o filme entrega logo no começo, algo que estes filmes mais pesados não fazem e acabam decidindo colocar toda a violência logo no primeiro segundo.
Em Mapa para as Estrelas, você sente que algo está errado por uma série de elementos impostas por Cronenberg e sua equipe. A falta de uma trilha sonora acompanhando o filme te dá uma incômoda sensação de desolação e realidade, todos as cenas são propositalmente cruas demais e te deixam desconfortável durante o filme inteiro; além disso, temos a edição abrupta que compõe as maiores partes do longa metragem, incluindo as cenas finais onde tudo vai se desabando na melhor forma possível.
Mas talvez, um dos motivos que fazem Mapa para as Estrelas ser tão excruciante é o fato dos personagens e as situações que eles se encontram se aproximarem tanto da realidade. A ficção ali mostrada é muito real, e tudo o que ocorre no filme pode estar acontecendo neste exato momento em Hollywood e com as estrelas cujos nomes estão imortalizados na Calçada da Fama.
A obra de Cronenberg te deixa com um mal-estar inigualável, com um pesar físico no corpo e com uma sensação horrível por aquelas pessoas e pela decadência dos eventos em que elas se encontraram, servindo como uma viagem desdenhável mas extremamente interessante de se ver.
Com isso, criou-se algo psicológico, profundo e incômodo que, para mim, é muito mais competente e bem trabalhado do que a pura violência gráfica encontrada na maioria dos filmes que querem te chocar ou impressionar.
Agora é a sua vez! Qual filme que te deixou com um mal estar tão grande quanto estes que mencionei até agora? Deixe a sua resposta nos comentários e vamos nos sentir mal juntos!