Cine Arkade: O problema inerente aos trailers
Desta vez na coluna Cine Arkade vamos discutir qual é a verdadeira problemática encontrada nos trailers do cinema. Entenda todos os motivos e o porquê da prática ser tão ruim.
No passado me aprofundei no que seria o problema inerente aos filmes de terror, onde expliquei todos os elementos que estão saturando o gênero, diminuindo a qualidade e o seu poder de assustar. Agora quero focar não necessariamente em um gênero especifico ou em algum filme em especial, mas sim no que vem antes dele. É isso mesmo: o trailer.
Mas afinal, por que trailers estão arruinando os filmes?
A função de um trailer é divulgar um determinado filme da melhor forma possível, manuseando diversos elementos que possam explicar sua premissa, apresentar um pouco dos personagens e do enredo, e ainda prender o espectador, deixando-o curioso e ansioso para o lançamento do longa metragem e, claro, sem entregar algum ponto relevante da trama. Isto tudo tem que ser feito em menos de 3 minutos, ou seja, é um trabalho árduo que poucos conseguem fazer direito.
O que vem acontecendo nos últimos anos é uma série de problemas e tentativas baratas de prender aquele que está vendo o trailer. Agora temos teasers de dez segundos para trailers de trinta segundos que mostram uma pequena parte do trailer de dois minutos que será lançado daqui uma semana; Cenas inexistentes que não aparecem nos filmes mas são feitas somente para o trailer com o intuito de levar o fã para o caminho errado; Trailers que dão uma premissa totalmente oposta do filme para enganar pessoas a assistir; Uma saturação ferrenha de trailers, com um vídeo atrás do outro sendo lançado e mostrando praticamente o longa inteiro; E por último o mais critico de todos, trailers que mostram cenas importantes que levam o filme para uma direção completamente diferente porque você acabou descobrindo uma das surpresas que ele teria.
Temos vários exemplos que entram em qualquer das categorias que mencionei e vou dar alguns exemplos nesta Cine Arkade. Mas antes de tudo, deixo um aviso de spoilers para alguns dos filmes que vou mencionar.
https://youtu.be/v8MykckiOiU
Um dos meliantes é o Espetacular Homem Aranha 2: A Ameaça de Electro porque não falha somente na estrutura de um trailer mas acerta em cheio alguns dos problemas que exemplifiquei. O maior é o uso de cenas que mostram demais do filme, somente em um trailer temos o enredo completo sobre o que vai acontecer – a cena da Gwen Stacy e logo depois mostrando Peter chorando – e ainda temos a cena do Homem Aranha acertando Rhyno com uma tampa de bueiro, nos deixando a pensar que terá uma luta de verdade entre os dois mas é algo que simplesmente não acontece no filme.
Outros filmes tendem a mostrar tanto em um único trailer que perdemos todo o sentido, e Náufrago foi um ótimo exemplo disso. O trailer mostra que o personagem de Tom Hanks saiu da ilha, indo para em um direção completamente diferente da do próprio filme, enquanto Náufrago deixa a sensação de tensão e ansiedade para saber se ele realmente consegue sair vivo da ilha e depois trabalha na conclusão sobre o tempo que ele perdeu preso por lá, o trailer quebra tudo isso e vai diretamente para a conclusão, tirando todo o mistério que o filme desenvolve durante o tempo do personagem na ilha.
Mais um filme que consegue quebrar um destes paradigmas é a viagem decadente neo-noir de Drive, com seu trailer mostrando todas as cenas de ação do filme para deixar o público pensando que Ryan Gosling é o próximo Bruce Willis e este filme é o próximo Duro de Matar, pensamento completamente errôneo quando assistimos Drive e vemos como ele é repleto de metáforas, questionamentos sobre o protagonista e todo o mistério em torno de um filme dramático com apenas duas ou três cenas de ação em certos intervalos.
E infelizmente estes problemas persistem nos filmes de hoje em dia, incluindo dois dos imensos blockbusters deste ano: O Exterminador do Futuro: Gênesis e Vingadores: Era de Ultron.
O problema de Vingadores: Era de Ultron é algo contínuo e incessante, a internet foi bombardeada de novidades logo após o anúncio, foram imagens, pôsteres, teasers, entrevistas e trailer após trailer, após trailer, após trailer alimentando o famigerado trem do hype no qual tanto amamos embarcar. Só para se ter uma ideia, o canal do YouTube da Marvel tem o total 33 vídeos relacionado a Era de Ultron, incluindo longas cenas mostrando a aguardada batalha entre Hulk e Homem de Ferro em seu traje Hulkbuster, além de cenas importantes do enredo.
O Exterminador do Futuro: Gênesis por outro lado, fez algo que eu considero tão bizarro que não consigo imaginar se foi realmente intencional. Veja o trailer logo abaixo para tentar entender comigo:
Então eles simplesmente revelaram que John Connor é um Exterminador!?
O que me deixa perplexo é pelo que foi revelado, dando uma perspectiva totalmente diferente no filme, sendo que o foco dos primeiros trailers era do outro Exterminador – o similar ao do segundo filme da franquia – que estava perseguindo Sarah Connor, mas pelo visto o filme na verdade foca em uma estranha revelação em que um dos personagens principais é na verdade um vilão.
E obviamente todos estes filmes que mencionei não se tornaram ruins por causa dos trailers mal trabalhados, e na verdade os filmes foram ótimos (ok, talvez o do Homem Aranha não entra na categoria mas o problema dele é maior do que um trailer), mas a função do trailer é jogada no lixo quando se falta habilidade em desenvolvê-la e assim um filme inteiro pode se perder e criar vários problemas, desde um público que acaba sendo levado para algo que não existe no filme real até ao descaso completo em mostrar cenas que seriam ótimas caso fossem assistidas pela primeira vez na cadeira do cinema, e não na tela do computador enquanto o trailer é altamente manipulado pela edição.
E por outro lado, temos ótimos exemplos de trailers que fazem um trabalho impecável, os trailers de Garota Exemplar, Interestelar e o mais recente de Star Wars: O Despertar da Força mostram como que um trailer pode te deixar animado sem realmente explicar o que está acontecendo.
Um dos grandes motivos que está por trás disso tudo é a própria internet, a velocidade de adquirir informação crescendo de forma expoente e a consequência disso sendo que a “mente da internet” é extremamente rápida para esquecer as coisas e substituí-las com outras formas de entretenimento, e para combater isto as empresas decidem sempre te lembrar que aquilo está chegando e que você deve ver o mais cedo possível.
E o pior deste problema é que poucas empresas sabem como lidar com a internet e como agir da melhor forma, a resposta não está em enfiar o máximo de informação possível na cara para que você não se esqueça daquilo, mas sim desenvolver uma campanha que consiga prender o seu público e enviar uma mensagem poderosa. Star Wars conseguiu por causa das décadas de cultura embutida em cada segundo no trailer, Garota Exemplar conseguiu porque leva o público entender que a história por trás do filme é bem maior do que ele aparenta ser, e Interestelar mostra o que devem ser os primeiros 20 minutos do filme mas apresenta um elemento de mistério sobre o que eles farão após saírem do planeta.
Infelizmente o que temos para o futuro não é tão animador e a cultura por trás de trailers, prévias e toda essa antecipação por algo que ainda não saiu vai continuar por um bom tempo. As poucas soluções são baseadas em simplesmente ignorar a avalanche em forma de publicidade daquele filme, talvez assistir somente o primeiro trailer e aguardar o lançamento porque assim eu tenho certeza que a satisfação será bem maior.
Agora com licença que eu preciso esquivar dos trailer de Vingadores: Era de Ultron para me manter surpreso na hora de assistir no cinema!