Cine Arkade Review: Millennium: A Garota na Teia de Aranha

10 de novembro de 2018

Cine Arkade Review: Millennium: A Garota na Teia de Aranha

Lisbeth Salander é uma das personagens femininas mais icônicos da história do entretenimento. Hipérboles à parte, ao longo de quatro filmes, três suecos e um reboot americano, a construção da protagonista não culmina em uma heroína, mas sim em um vulto cheio de problemas sociais, psicológicos e comportamentais. Porém, entre essas camadas caóticas existe um ser humano empático, carinhoso e atencioso. Tais nuances formam um pouco de quem é Lisbeth.

O best-seller de Stieg Larsson (falecido em 2004 — antes do lançamento e sucesso de seus livros) traz consigo uma amálgama de sentimentos que faz com que a franquia Millennium seja um sucesso no âmbito do suspense. A versão sueca da produção teve três ótimos filmes protagonizados por Noomi Rapace (Lisbeth) e Michael Nyqvist (Mikael) e contou a história da trilogia de livros de Larsson.

A versão americana, dirigida por David Fincher, trouxe Rooney Mara (Lisbeth) e Daniel Craig (Mikael) como protagonistas. A produção de Hollywood se destaca por quase tudo, roteiro, direção, atuações, locações, construção de clima, enfim, é um produto celebrado pelo público e crítica, mas financeiramente não superou as expectativas e, por consequência, nunca teve uma continuação.

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Claire Foy, ganhadora do Emmy, é a nova Lisbeth Salander.

A Garota na Teia de Aranha conta a história do quarto livro, escrito por David Lagercrantz, e é um novo reboot da franquia. Todo o material publicitário apontava para um filme com maior foco na ação e os próprios posters de divulgação mostravam Lisbeth com uma arma na mão, como uma justiceira que efetivamente se ‘suja de sangue’. Ela sempre foi uma vigilante, mas atuava nas sombras e o roteiro de Jay Basu, Fede Álvarez e Steven Knight faz com que ela mude suas características.

O enredo tem um escopo global, envolvendo Estados Unidos e Suécia e colocando Lisbeth no meio de uma trama de espionagem na qual é o bode expiatório. Por ser uma hacker conhecida em Estocolmo e possuir essa fama de vigilante, o personagem pivotal da história entra em contato com ela para que possa recuperar algo das redes de segurança do governo americano, um software militar com potencial destrutivo.

O fato de ela aceitar o serviço chama a atenção de organizações criminosas suecas e agentes de segurança dos Estados Unidos, ambos com interesses próprios. O pontapé inicial é esse e ao longo de quase duas horas somos apresentados a uma nova faceta da personagem. Claire Foy nos mostra uma Lisbeth mais madura, com menos traços antissociais e com uma desenvoltura um pouco maior no convívio com as pessoas. Ainda há resquícios de traumas dos outros filmes, mas como esse reboot tem que agradar aos fãs e ao mesmo tempo apresentá-la para um novo público, acho que o equilíbrio aconteceu de forma satisfatória.

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Poucas cenas lembram de sua relação passada com Mikael (Sverrir Gudnason), que por sua vez é um personagem apagadíssimo. Mikael é o dono da revista que nomeia a franquia, Millennium, e em suas versões anteriores era ponderado, seguro e tinha um leve tom de canastrão, mas sem ser caricato, Essa releitura é frágil e não captura bem o espírito do personagem.

A atuação de Sverrir Gudnason não compromete, mas é difícil julgar seu trabalho porque aparece em pouco mais de um terço do filme e quando está presente serve mais como um pequeno elo narrativo, um gatilho pontual, para outros eventos.

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O novo Mikael Blomkvist.

Muito mais relevante que Mikael é Edwin Needham, interpretado por Lakeith Stanfield (Darius em Atlanta), que representa a ponte com os Estados Unidos. Agente da NSA (Agência de Segurança Nacional), Edwin vai para Estocolmo para recuperar os arquivos roubados por Lisbeth e posteriormente se une a ela para desenlaçar as conspirações, ou teia de aranha, se preferir. O personagem não é excepcional, mas o carisma e talento do ator fazem com que sua presença seja agradável em tela, sendo um elemento disruptivo e um contraponto de personalidade para Lisbeth e Mikael.

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Lakeith Stanfield, uma grata adição à franquia.

O primeiro e o segundo ato são bem interessantes e são neles que entendemos o que está acontecendo com Lisbeth, Mikael e o cenário que os cerca, assim como o conflito inicial. Na parte final as resoluções acontecem, mas nada é surpreendente ou impactante, pois o embate principal é telegrafado logo no começo do filme. Esse enfrentamento fica um pouco desconjuntado porque é apresentado, há uma lacuna enorme no meio e só no fim é retomado. As próprias motivações do vilão são rasas e têm um tom maniqueísta, contrastando com a seriedade de Lisbeth, como se fossem de universos diferentes.

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Camilla Salander, irmã de Lisbeth.

A direção de Fede Alvarez (O Homem nas Trevas) é excelente e, em alguns momentos, inventiva. Na primeira cena do filme há um homem com o histórico de bater em mulheres, conversando com sua esposa, e a câmera é posicionada a mostrar a mesa de jantar posta, ele servindo uma bebida e dialogando com alguém, como se essa pessoa estivesse na parte não visível da mesa.

Ao se virar de costas, se abaixa e dá o drink na mão de sua esposa que estava no chão após ser agredida. Há algumas ideias interessantes na forma como dirige as cenas e são nesses pequenos detalhes que o espectador percebe uma tentativa de sair dos takes convencionais. E as cenas de ação, perseguições de caro ou moto, tiroteio, explosões, são competentes e surpreendentemente bem coreografadas. Não há nada genérico na ação de Millennium.

Millennium: A Garota na Teia de Aranha é um filme competente e não faz um desserviço para a franquia. É um bom Millennium, mas tenho a sensação que com (mais) uma revisão de roteiro se tornaria excelente.

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