Crítica – Coringa: a primorosa ascensão do Palhaço do Crime
Nos últimos 10 anos, graças ao trabalho da Marvel Studios, Sony Pictures e a FOX Film, entre outras iniciativas na TV, como as séries com personagens da DC Comics, ou as de personagens Marvel na Netflix, os super-heróis ganharam destaque no mundo pop. Os blockbusters dos Vingadores arrebatam bilheterias, e séries como Gotham, Supergirl, e Flash, conquistam bons seguidores.
Porém, uma nova era para o gênero pode estar se iniciando com um vilão. Após dezenas de filmes recheados de cenas de ação, teorias e repletos de adrenalina, chegou a vez dos personagens das HQs pisarem em um outro terreno. E o escolhido para esta “missão” foi o vilão mais importante de todos os tempos nos quadrinhos: o Coringa.
Com alma de filme cult, e forte inspiração em clássicos como Taxi Driver, Scarface, Um Dia de Fúria, ou A Laranja Mecânica, o filme traz, de uma maneira mais profunda, a ascensão do vilão palhaço. Com um trabalho de fotografia primoroso, uma brilhante atuação de Joaquin Phoenix, e uma história que surpreende nos mais simples detalhes, temos, um dos melhores filmes do ano, o melhor filme com personagens de quadrinhos já feito em todos os tempos, e um forte candidato a várias categorias no Oscar.
Uma Gotham no lixo
Coringa é situado no início anos 80, com uma ambientação incrível. Em nenhum momento o filme diz que estamos nesta época. Porém, contextos e elementos nos inserem neste ambiente. Você sabe que é os anos 80 por causa dos carros, pôsteres de publicidade arcades, como Pong, ou o ambiente da cidade. Sem contar o comportamento da população, que fuma o tempo todo, e lida com questões como problemas com a coleta de lixo.
Gotham é inspirada na Nova York desta época. Uma cidade extremamente violenta, que sofria com graves problemas de desigualdade social, e que estava a beira de um colapso. Tanto pelo contexto histórico, como plano de fundo para o personagem, a decisão se mostrou a melhor possível.
As referências, nostálgicas, servem também para prestar tributos, de várias maneiras, a muitos elementos. Como os talk-shows da época, neste caso vivido brilhantemente por Robert de Niro, que vive o apresentador Murray Franklin. Esta presença é referência direta ao clássico O Rei da Comédia, interpretado também por De Niro. Ainda há diversas referências ao universo do Batman, que deixarão os fãs do Homem-Morcego satisfeitos.
Todos os elementos são fundamentais para apresentar ao público a ascensão do vilão. O longa, dirigido brilhantemente por Todd Phillips, também apresenta de forma profunda e bem próxima, a vida de Arthur Fleck, o aspirante fracassado a comediante que sofre de transtornos psicológicos. Há momentos brilhantes, no qual o diretor nos coloca, praticamente dentro da pele de Arthur, para entender, da melhor maneira, como o vilão pensa.
Sem dó nem piedade
Coringa é um filme pesado. Mas não glorifica nada, nem ninguém. Pode-se dizer que o filme é cru, e é pesado por mostrar os fatos como eles são, sem muita preocupação com defender pontos de vista. Isso fica com o espectador, e se ele quiser. O filme mostra Arthur em suas lutas, em seu drama, e em sua “transformação” em Coringa.
Tudo isso levado por um trabalho de fotografia excepcional. A proximidade já mencionada com o personagem é ainda mais eficaz com vários momentos nos quais nós estamos “sozinhos” com Arthur. O filme o deixa, em vários momentos, em meio à multidão ou em um quarto, sozinho, deixando-o refletir com os seus dramas, e suas questões.
E, se o Coringa é um personagem conhecido por levar o caos, é isso que o filme o mostra fazendo. Sem medo de parecer cruel, pesado ou exagerado. Não há exageros, e nem a glorificação da violência. Há apenas o vilão sendo ele mesmo, e em sua melhor forma. Joaquin Phoenix executa brilhantemente tanto Arthur, quanto o Coringa. Ele consegue levar a tristeza de um homem abalado psicologicamente, e a “alegria” do mensageiro do caos.
O Coringa já foi muito bem representado, em suas mais variadas formas, com o passar dos anos: desde os tempos canastrões de Cesar Romero, passando por Jack Nicholson, Mark Hamill e o inesquecível Heath Ledger em O Cavaleiro das Trevas. Por isso, é difícil falar que, mesmo com todas as qualidades possíveis, Phoenix pode ser o melhor Coringa de todos os tempos. Esta escolha fica pra cada um decidir.
Entretanto, não tem como negar o trabalho primoroso do ator. O seu Coringa é tão bom, mas tão bom, que Robert de Niro, Brett Cullen, e Francis Conroy, que estão ótimos em seus papeis, não conseguem ofuscar o brilho do protagonista. Ele consegue, em todos os momentos, levar ao espectador, de uma maneira muito profunda e intimista, quem ele é, e as razões que o fizeram decidir se transformar em Coringa.
A brilhante ascensão do palhaço
Repito: Coringa é o melhor filme de personagens de HQ de todos os tempos. Não digo isso para desmerecer os outros filmes, e as outras maneiras de se fazer filmes com super-heróis, que geralmente escolhem o caminho do blockbuster, com suas muitas cenas de ação. Mas falo isso devido à toda a qualidade, em história, em fotografia, e fan-service para os fãs do Batman. É, de fato, um forte candidato em várias categorias ao Oscar, em 2020.
Além de brilhante, o filme abre precedente para uma “nova fase” para os filmes baseados em personagens de quadrinhos. Após décadas de filmes focados na ação, e feitos para a família, pode ser que a hora dos filmes mais sombrios, e pesados, tenha chegado. Quem ganha, se houver no futuro um Coringa 2, ou se o filme do Batman de 2021 seguir este, digamos, universo cinematográfico, é o fã. Pois ele terá mais opções de filmes do gênero, com propostas diferentes.
Coringa é digno de aplausos e reconhecimento por apresentar o maior vilão da cultura pop, do jeito que ele merece ser apresentado. De forma crua, cruel e memorável, o filme é um clássico instantâneo, que terá seu nome cravado para sempre na história do cinema.
Coringa estreia amanhã, dia 3 de outubro, nos cinemas de todo o país. Vale lembrar que, devido ao seu conteúdo violento, a classificação indicativa é de 16 anos. E possui cenas sensíveis para crianças.