Editorial: Algumas lições que Death Stranding nos ensina sobre o mundo de hoje
Ano passado Death Stranding enfim foi lançado após anos de espera. Tendo uma recepção mista por parte de jogadores e mídia, mas sendo um autêntico “A Hideo Kojima Game”, contando com um enredo complexo, várias reviravoltas e muitos mistérios. Mas talvez o grande assunto que o game aborda é a fragilidade da sociedade num cenário pós-apocalíptico.
Esse não é um tema inédito, inúmeros games retratam esse tema das mais diferentes formas, mas Death Stranding se diferencia ao mostrar uma forma, digamos, “mais realista” de como seria a sociedade num futuro sem esperanças. Inclusive, conseguindo recriar com bastante exatidão os comportamentos da sociedade no período pré-Death Stranding. E sendo assim, há muita coisa que o game nos mostra que nos fazem refletir bastante sobre a situação atual do mundo. E que tal conversarmos um pouquinho sobre isso?
O mundo isolado de Death Stranding
Caso você nunca tenha jogado Death Stranding, aqui vai um breve resumo de seu mundo: Num futuro próximo, um evento cataclísmico conhecido como Death Stranding aconteceu de repente, causando imensas explosões por todo o mundo. Essas explosões destruíram países e sociedades inteiras, todas as fundações da humanidade caíram por terra, a própria noção de “sociedade” deixou de existir com esse evento.
O Death Stranding ainda causou dois fenômenos inacreditáveis: O mundo dos vivos e dos mortos acabou se “fundindo”, causando o surgimento das EPs, as almas dos mortos que voltam ao mundo dos vivos, e que se entrarem em contato com um ser vivo, causam uma obliteração, uma enorme explosão que devasta tudo em uma área gigantesca. E o outro fenômeno foi a Timefall, uma chuva que acelera o tempo de tudo o que toca. Fazendo plantas germinarem e morrem em questão de segundos, fazendo um humano adulto virar um idoso em instantes e até mesmo alterando toda a geografia do mundo.
Com tudo isso, o que restou da humanidade, na área que um dia foram o Estados Unidos, tornou-se reclusa. O que restou do antigo governo americano fundou a UCA, as Cidades Unidas da América, pois tudo o que sobrou do país foram poucas cidades que abrigam grande parte da população. E espalhados pelo continente estão os Preppers, pessoas e famílias que se desligaram da América e resolveram viver por si próprios em isolamento, longe de tudo e todos.
Com isso, tudo se transformou. Os mortos precisavam ser cremados imediatamente após a morte, do contrário, resultariam no surgimento de uma nova EP quando o cadáver necrosar, o que causaria uma obliteração. As pessoas se isolavam, não só do mundo, mas umas das outras. Ninguém se interessava por mais ninguém. E serviços essenciais se tornaram quase impossíveis, sendo colocados inteiramente nas mãos do Portadores, os verdadeiros heróis deste mundo fragilizado.
Ah, e antes de prosseguirmos, se você quiser conhecer a história de Death Stranding de forma mais aprofundada, confira nossa coluna Depois do Fim, em que destrinchamos o enredo do game. Além de nossa análise completa de Death Stranding.
O nosso mundo isolado
Ainda que Death Stranding retrate um mundo sem esperanças, a beira da completa extinção da vida, muita coisa que vemos no game são muito similares ao que vemos no mundo real. Por conta da pandemia do COVID-19, o planeta inteiro enfrenta uma longa quarentena para impedir os avanços da doença, o que infelizmente tem impactado muito os sistemas de saúde mundiais, além é claro das interações humanas, que devem ser evitadas.
Estamos em uma época em que países fecham suas fronteiras e chegam até mesmo a proibir que seus cidadãos saiam para a rua, a menos que seja estritamente necessário. Muitos estão ainda em situação de não conseguir lidar com os doentes, por falta de leitos e de recursos. E pior ainda, sem conseguir lidar com a situação daqueles que infelizmente faleceram por conta da doença, com os números de mortos em alguns países (e infelizmente no Brasil) aumentando a cada dia.
E nessa situação em que vivemos, entregadores estão literalmente se arriscando para manter não só seus empregos, mas para atender a população e impedir que as pessoas saiam de casa. Entregando de tudo, de alimentos até os mais diversos itens necessários para o dia a dia. Em Death Stranding os Portadores arriscam suas vidas enfrentando a Timefall e as EPs para entregar itens importantes para as cidades e pessoas isoladas. E em nosso mundo, entregadores arriscam suas integridades e saúdes indo para a rua num período em que as pessoas precisam ficar em casa para se protegerem.
Obviamente estamos comparando algo fictício com uma situação real muito séria, mas há algumas lições que podemos levar para a vida, “ensinadas” por Death Stranding. O game contava a história de um mundo que estava ao mesmo tempo conectado e desconectado. Todas as pessoas estavam conectadas entre si na internet, porém todos estavam desconectados pessoalmente, pois as pessoas priorizavam suas individualidades acima de tudo.
Esse é um mundo exatamente como o que vivemos, em que as pessoas se enclausuram em suas bolhas e não se interessam pelo exterior. Por conta disso, muitos NPCs do game precisam de muito convencimento para se tornarem seus aliados, pois eles enxergam o mundo da forma como eles querem. Se dentro de seus abrigos está tudo bem, então nada mais importa, o resto do mundo que desapareça. Não parece muito com a situação que vivemos atualmente?
A diferença fundamental é que enquanto em Death Stranding ninguém quer sair (afinal, ninguém realmente pode sair sem acabar perdendo a vida), na situação em que vivemos atualmente, muita gente não quer ficar em casa. Dois opostos que são curiosamente muito semelhantes. Enquanto no game as pessoas não querem se aproximar e se tornar mais próximas, nessa quarentena muitas pessoas estão tendo o irracional desejo de juntar mais e mais pessoas, colocando todas em risco. É algo realmente surreal.
E uma triste semelhança entre video game e vida real é que muitos indivíduos não querem ajudar a resolver o problema. Muitos NPCs precisam de bastante convencimento para resolver ajudá-lo. Seja sendo amigável, ou em alguns casos, só após o pior acontecer. Pois muitos não confiam na ideia de união, de um ajudar o outro quando ninguém liga para ninguém. E no game, o jogador deve se esforçar para reconectar as pessoas, para que haja um futuro.
Já na vida real, muitos negam o problema, consideram como apenas “frescura” e colocam a si mesmos e todos em risco ao não respeitar a quarentena, organizar eventos, manifestações e encontros, mesmo que a recomendação seja para não se fazer isso. Ou então tratando toda a situação como “exagero”.
E nesse sentido, a ameaça das EPs e do COVID-19 chega até a ser cruelmente semelhante. Ambos são perigos invisíveis e extremamente perigosos que estão “a solta” do lado de fora. É claro que em Death Stranding aqueles que morrem podem se transformar em EPs, mas contanto que as pessoas permaneçam em casa, isoladas e seguras, o perigo é enormemente reduzido.
A luz da esperança
Mas nem tudo é tragédia, por mais difícil que a situação esteja, tanto em Death Stranding, como na vida real. A esperança existe, mas para isso, todos precisam fazer sua parte, da forma que puderem. No game, Sam é incumbido da missão de reconectar toda a América na Rede Quiral, ressuscitando o país e permitindo que as pessoas pudessem compartilhar informações, recursos e tecnologias, sem que precisassem deixar suas cidades e abrigos.
Com seus esforços, e com a ajuda de seus amigos e das pessoas que conheceu no caminho, Sam conseguiu reunir as pessoas. Conseguiu reacender o sentimento de afeto e de comunidade entre as pessoas, em um mundo que estava prestes a ser completamente destruído, com todas as esperanças praticamente esgotadas.
Nós também podemos fazer isso. E nós devemos fazer isso. Da forma que melhor pudermos. A quarentena existe para que o COVID-19 não se espalhe, pois se mais e mais pessoas forem infectadas, será impossível tratar todos adequadamente, o que será uma verdadeira tragédia. E não apenas isso, mas médicos, enfermeiros, policiais, bombeiros e todos aqueles que estão na linha de frente dessa batalha estão muitas vezes se sacrificando por todos, para evitar que a população sofra ainda mais.
Talvez você esteja sendo obrigado a ficar fechado em sua casa, longe de tudo e todos. Ou talvez você esteja sendo obrigado a sair de casa no meio de toda essa situação. Ou talvez, você esteja na pele de Sam Porter Bridges, trabalhando do lado de fora para ajudar as pessoas a ficarem do lado de dentro. Todos nós podemos e vamos vencer essa pandemia. Porém, só faremos isso juntos, nos ajudando, mesmo que a distância!
E no fim de tudo, se há uma lição realmente importante que Death Stranding nos ensinou, é que a vida, a humanidade, as pessoas podem melhorar. Mesmo na mais terrível das situações ainda há espaço para esperança e bondade. E isso pode realmente salvar o mundo. É aquele clichê de sempre, mas um que jamais deixou de ser verdade: Se nos ajudarmos, nós superaremos tudo!
Por isso, tratem de se cuidar, ficar em casa, usar máscaras se precisarem ir para a rua, trabalho ou mercado. Cuide muito bem de sua higiene, respeite as recomendações de saúde e de ESPECIALISTAS da área de saúde. Informe-se bem e não se deixe levar por informações incompletas ou falsas. E acima de tudo, fiquem seguros!