Elvis – Filme conta a trajetória do cantor de forma explosiva e satisfatória
Todo super-herói tem um uniforme. E um super-poder. Elvis Aaron Presley tinha os dois: o seu poder era a sua incrível capacidade musical, muito à frente de seu tempo. E seus uniformes eram seus figurinos que, em diferentes épocas, marcaram o cantor e ajudaram a transformá-lo em um ícone da música.
O primeiro filme que apresenta a trajetória de Elvis Presley (vivido por Austin Butler) usou de boas influências dos recentes filmes de super-heróis, para contar a história única do cantor. Quando digo isso não estou falando em uma luta do bem contra o mal, mas sim de uma pessoa que descobre “poderes especiais” e precisa aprender a lidar com ele em meio a um mundo que sempre oferecerá algum tipo de perigo.
Baz Luhrmann, o diretor do longa, usou estes “poderes” e conceitos de heróis para contar sua história. Desde o talento natural de Elvis, até a capacidade de “ilusionista” de Tom Parker (Tom Hanks), o polêmico empresário do cantor, que tanto o apoiou na fabricação do artista como um dos primeiros grandes ícones da música no mundo, quanto o explorou em situações como a “prisão” vivida pelo cantor em Las Vegas.
Com grandes poderes, grandes responsabilidades
Elvis tenta contar a trajetória do cantor, com relances de sua vida pessoal, que buscam ajudar o público a entender mais sobre suas raízes, suas opiniões e seus sonhos. O faz de forma dinâmica, embora acelerada. Mas aí a culpa não é do filme em si, mas sim da vida frenética de Elvis Presley. Ascendendo ao sucesso nos anos 50, vivendo os anos 60 de forma frenética, entre música, televisão e cinema, e lutando para se manter relevante até sua morte, em 1977, realmente é muita coisa para ser levado para um filme de 159 minutos.
Mas o filme consegue trazer os momentos mais importantes da vida do cantor. Sem querer estragar a experiência, apenas posso dizer que os fãs do cantor terão acesso a uma profundidade nos temas explorados, apesar de tudo ser muito corrido. Quem não conhece Elvis além de suas músicas, também poderá ver mais detalhes da vida pessoal do cantor, assim como o relacionamento com sua família (especialmente pai e mãe), amigos e principalmente, com seu empresário, o coronel Tom Parker.
Parker, vivido brilhantemente por Tom Hanks, é quem dita o ritmo da história, que mostra vários momentos no qual o polêmico empresário buscou se aproveitar do cantor, porém dando a ele a oportunidade de se defender, contando, em seu leito de morte, sobre a sua visão dos fatos. O filme não deixa isso muito claro, mas Parker morreu em 1997, vinte anos após Elvis, enterrado em dívidas, por ter uma vida envolvida em vícios de jogo.
O filme traz a jornada de Elvis com a famosa “jornada do herói”, mas apesar de deixar o talento do cantor inquestionável, com um excelente trabalho musical, que traz toda a explosão e força da música do cantor, o filme não mostra ninguém como “santo”. É o espectador que assiste e busca interpretar, em seu conjunto de conceitos, o que acontece por lá. Falando em heróis, o próprio Elvis, em sua infância, se dizia ser um super-herói, influenciado pelos quadrinhos que lia.
Mas deixando bem claro: quando digo “herói”, falo de uma pessoa que possui super-poderes e habilidades especiais, que lidam com várias questões e pode até ter problemas pessoais por causa disso. Não um “herói” como exemplo, já que o filme não glorifica a figura de Elvis como um bom exemplo em nenhum momento. Neste ponto o filme é honesto.
Elvis é apresentado em seus primeiros momentos de carreira, quando é descoberto por Parker. O filme mostra as polêmicas com o jeito de cantar e dançar do cantor no início, que rendeu inúmeras polêmicas e reclamações dos políticos conservadores destes dias. Também mostra a vida do cantor nos turbulentos anos 60, no qual, embora o “rei do rock” seguia como um artista fabricado, ele via, e sentia, o mundo ao seu redor pegando fogo, com violência e lutas por direitos sociais.
Assim como mostra os anos finais do cantor, em sua constante luta para se reinventar, e mostrar ao mundo que ele era muito mais do que um “artista fabricado”, que cantava e interagia com um ambiente totalmente programado e combinado. Essa luta interna entre ser o que quer e fazer o que “tem que ser feito” é bem explorada, mas infelizmente uma pessoa importante no processo, sua esposa Priscilla, vivida por Olivia DeJonge, contou com pouco tempo de tela.
O filme teve dificuldades de mostrar o fato de que ela tinha apenas 14 anos quando Elvis a conheceu (ele tinha 24), durante seu período de serviço militar. Embora algo “aceitável” naqueles dias, hoje seria algo inaceitável, mas mesmo assim, Priscilla, que até hoje cuida dos espólios do seu marido, é uma figura importante no filme, e deveria ter maior tempo de tela, com mais espaço, especialmente nos momentos finais.
O longa também mostra que Elvis, embora tenha vivido a maior parte da sua vida como um “artista fabricado”, tendo que seguir roteiros e formatos previamente planejados, também sentia as questões sociais daqueles tempos. Nos anos 50 e 60, por exemplo, havia a segregação racial nos EUA, e Elvis foi um cantor branco, que tinha uma imensa influência da música negra, o que inclui até a música gospel das igrejas da época. Ele sentia que queria passar uma mensagem, mas sempre era contestado por isso, por ser apenas “alguém que vende merchandising e discos”. Muito desses bloqueios vinham de Parker, o coronel.
Este coronel, que foi vivido por Tom Hanks, pode inclusive render ao ator o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante. Sua atuação é magnífica, e ajudou e muito a Austin Butler a viver Elvis sem toda a pressão que uma figura desta oferece. A dupla Hanks-Butler funcionou muito bem, com Butler sendo apoiado diretamente por Hanks em diversos momentos.
Mas isso não significa que o trabalho de Butler foi mediano. Pelo contrário. Quando está sem Parker, o ator brilha e convence como Elvis. Seu sotaque sulista, suas influências com a música negra (afinal o cantor cresceu em um bairro negro em Tupelo, no Mississipi), as lutas e dramas do cantor, além de todo o seu talento musical foram muito bem exploradas pelo ator.
Há um momento que achei interessante, quando Elvis ganha certa liberdade para fazer o show que sempre quis, enquanto comanda os vocais, o time de metais e todo o contexto para trazer a explosão desejada para seu show. Este momento mostra um Elvis feliz, que se contrapõe com o “Elvis frustrado”, quando tem que “seguir o roteiro programado”, seja por Parker, por Las Vegas, ou por Hollywood.
Uma biografia brilhantemente exagerada
Cinebiografias são perigosas, pois tentam trazer a vida de alguém que marcou sua época, mas ao mesmo tempo precisando manter a atenção do público. Bohemian Rhapsody, por exemplo, focou em Freddie Mercury, mas escolheu o caminho de um “filme dos anos 80” (ou seja, naquele formato história-drama-briga-amizade-momento final feliz) para contar a jornada do cantor, com o “grande momento final”, que foi o Live Aid. Já Elvis, como disse, teve uma vida muito mais intensa do que o que se cabe em uma película de cerca de duas horas.
Assim, o caminho escolhido por Luhrmann foi o de trazer um filme propositalmente corrido, porém com todo o poder musical de Elvis espalhados por todo o filme. Ao invés de manter o filme travado nos dramas do cantor, que deixaria o filme melancólico, o longa mistura momentos de sua história com apresentações musicais que fazem todo fã se emocionar, pois são feitas com muito capricho e respeito ao legado de Elvis, brilhantemente interpretados por Butler, é preciso ressaltar.
O exagero na edição, que conta com todo o brilho e luz que a carreira de Elvis apresentou, se encaixa bem na jornada do cantor, e consegue trazer um filme que tinha tudo para ser melancólico, especialmente nos seus anos finais, em um longa que tem sim seus momentos de drama, mas que traz também toda a grandiosidade e pompa das apresentações do artista, sejam elas as explosivas apresentações polêmicas na TV, os shows em estádios em tempos que nem haviam estrutura suficiente para shows desse tipo, até os glamurosos shows em Las Vegas.
No fim, em dias nos quais os filmes de heróis são muito mais do que “bem contra o mal”, e mostram as lutas pessoais dos heróis, além de seus questionamentos em meio aos super-poderes que possui, é possível sim encarar Elvis como um filme de herói, no qual o super-herói em questão usa seus super-poderes a todo momento, vencendo alguns inimigos e perdendo em outros, mas ainda assim, conseguindo marcar para sempre, o mundo da música.
Elvis mostra os primeiros dias do que conhecemos hoje como a indústria do entretenimento, quando o talento se une aos negócios, seja para o bem, seja para o mal. O artista consegue um alcance ainda maior para apresentar seu talento ao mundo, mas pode ter que lidar com várias questões que podem significar, em alguns casos, até “perder sua alma”, ou no mínimo, sua identidade.
Não é um filme memorável, daqueles que entrarão em listas dos “melhores de todos os tempos”, mas com certeza, se trata de um trabalho competente, com todas as suas partes funcionando muito bem, e entregando um filme que embora não consiga contar toda a história de Elvis (de novo, culpa da vida frenética do cantor, não do filme), entrega o essencial, de uma forma dinâmica e com muita música, para que a vida do cantor possa ser levada para as grandes telas.
Elvis (EUA/Austrália)
Direção: Baz Luhrmann
Roteiro: Baz Luhrmann, Craig Pearce, Sam Brommel e Jeremy Doner
Elenco: Austin Butler, Tom Hanks, Olivia DeJonge, Helen Thomson, Richard Roxburgh, Kelvin Harrison Jr., Kodi Smit-McPhee, Xavier Samuel, David Wenham, Luke Bracey, Dancre Montgomery, Gary Clark Jr, Leon Ford
Gênero: Drama
Duração: 159 min