Entre modelos de negócios e rebranding: as mudanças de FIFA e PES (ou eFootball) nos gramados virtuais

9 de outubro de 2021
Entre modelos de negócios e rebranding: as mudanças de FIFA e PES (ou eFootball) nos gramados virtuais

Os dias 30 de setembro e 01 de outubro deste ano marcaram uma página importante na história de quem se interessa — ou ao menos se importa — com jogos que representam o esporte mais popular do planeta.

No dia 30/09, recebemos a nova versão do tradicional jogo da Konami, aquele que foi por muito tempo ISS (ou Winning Eleven para o público japonês) e depois se popularizou no mundo todo como Pro Evolution Soccer, ou simplesmente PES, e que depois de dois anos de transição, assumiu seu nome atual: eFootball.

Dois dias depois, em 01/10, chegou ao mercado o também tradicionalíssimo correspondente da Electronic Arts, em sua versão anual, o conhecido FIFA. Se até a edição 2020 ambos disputavam o mercado em igualdade de condições, partindo de uma mesma proposta de comercialização e monetização e buscando seduzir e fidelizar o público por seus aspectos diferenciais, isso começou a mudar nesta virada de geração.

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Por um lado, temos a EA mantendo firme seu modelo de negócios: apostas altas no licenciamento de ligas, de times e da própria marca FIFA (da qual falaremos mais tarde), além de pequenos ajustes em aspectos como jogabilidade e aspectos visuais, elementos dos quais falamos com mais detalhamento em nossa análise do jogo. Para quem acompanha a franquia, a estratégia do jogo em termos de engajamento se mantém bastante sólida, mesmo se mantendo apegada (até demais) às polêmicas loot boxes (que aqui são pacotes de figurinhas) e microtransações agressivas. Em outras palavras, o jogo é obviamente uma atualização — com ótimas melhorias, mas ainda uma atualização — das versões anteriores.

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Na outra ponta dessa dicotomia, a Konami passou por uma grande atualização da sua marca. Primeiro, pulando — depois de muito tempo sem falhar nenhuma vez — um ano inteiro, lançando no ano passado só uma atualização declarada de escalações, uniformes e outros elementos estéticos, com a promessa de estar dedicando esforços a uma edição completamente nova neste ano que, dentre outras alterações, tinha o desafio da mudança de motor gráfico (desde 2014, PES utilizava a sua tradicional Fox Engine e agora adota a Unreal Engine) e se preparando para a nova geração.

A última versão oficial do jogo também já havia trazido uma mudança grande na marca, acrescentando o eFootball ao título sob a justificativa de estar buscando uma maior inserção no mundo dos e-sports competitivos, algo que se manteve na season update do ano posterior. 

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Para completar, essa reformulação se mostrou ainda mais profunda quando, alguns meses antes do lançamento, houve a revelação de que o jogo agora passaria a se chamar somente eFootball, em um movimento arrojado que abandonaria a marca que havia se tornado quase que sinônimo de futebol no mundo dos videogames, e mais do que isso, que o jogo seria free-to-play, com modos pagos opcionais complementares a serem lançados e disponibilizados posteriormente.

O modelo, no final, se mostrou não tão revolucionário assim, já que não demorou para percebermos que esse jogo gratuito na verdade era aquilo que eles chamavam de versão Lite anteriormente, uma versão “capada” do jogo. M,as de qualquer forma, é uma abordagem completamente diferente do tradicional jogo anual vendido a preço cheio.

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Essas mudanças que vieram do lado da Konami trouxeram um verdadeiro banho de água fria para cada um de nós, sejamos da imprensa especializada, pro-players, ou apenas fãs do bate-bola virtual, que adorávamos as discussões sobre quem tinha feito um trabalho melhor naquele ano, quem tinha os melhores gráficos, quem tinha a melhor jogabilidade, qual dos dois era mais voltado à simulação e qual tinha um estilo mais arcade, quais tinham as melhores licenças, e por aí vai.

Nosso segundo esporte favorito, depois do próprio futebol, era debater qual era o melhor jogo de futebol. Não que essa comparação não exista, e hoje ela está pegando fogo em fóruns, grupos e comunidades dedicadas nas redes sociais, mas as regras desta controvérsia mudaram. Não se parte mais da mesma base.

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O que nos restou agora é comparar qual modelo tem mais potencial para gerar bons resultados a curto, médio e longo prazo, algo que pode transformar não só o nicho, como também uma série de outros produtos que devem chegar ao mercado nos próximos anos, algo que já vem acontecendo, por exemplo, em relação aos jogos competitivos de tiro, battle royales e tantos outros. Se a comparação entre os produtos em si, entre FIFA 22 e eFootball 2022, faz menos sentido agora do que fazia antes, agora essa transformação de um trará muitas consequências para o outro.

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FIFA sem FIFA

Exagero? Não faz nem uma semana que ambos estão buscando seu lugar ao sol e já temos alguns bons indícios de que a própria EA pode, já para as próximas edições de um dos seus produtos mais rentáveis, abandonar a marca FIFA, parceria que já dura 26 anos — ela é mais velha do que grande parte das pessoas que hoje são seus clientes mais fiéis – e também passar ela por uma reformulação completa de identidade visual, notícia que pegou todos nós, principalmente os fifeiros (que vão precisar descobrir um novo apelido) de surpresa. Depois do susto, porém, a ideia parece fazer muito sentido quando paramos para pensar melhor sobre isso.

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Pense comigo: estima-se que o contrato com a maior entidade do futebol mundial esteja na casa dos US$ 100 milhões. Sim, isso mesmo, só para manter a marca FIFA no jogo, a EA paga mais caro do que o valor de desenvolvimento da maioria dos jogos lançados no mercado, incluindo alguns dos maiores blockbusters AAA.

Isso significa que esse licenciamento consome uma fatia imensa do orçamento da produção, mesmo que, se considerarmos as vendas astronômicas da marca, certamente não há qualquer prejuízo aqui. Afinal, a franquia se estabeleceu como aquela que oficialmente representa a sigla que define o futebol no mundo, a federação de todos os times e seleções que participam das competições oficiais por todo o planeta. 

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É o maior expoente, por exemplo, de uma série de jogos de esporte, mas o único que busca no macro a sua referência, já que NHL, Madden NFL, MLB The Show e até mesmo os games licenciados da NBA, todos são vinculados a ligas nacionais locais e não a instituições mundiais.

Contudo, o mundo do futebol mudou muito de 1994 para cá, ano do primeiro FIFA e também da Copa do Mundo USA de futebol, a primeira disputada em território estadunidense. A própria entidade passou (e continua passando) por instabilidades, algumas notícias nem sempre ligadas às paginas de esporte, vários atritos com clubes, além de federações continentais e nacionais, e há algum tempo já não ostenta aquela aura quase imaculada de outros tempos. O fato é: a marca FIFA já não representa o ápice do futebol na cabeça de grande parte dos fãs do esporte.

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Se é verdade que a parceria é muito cara e o nome já não garante superioridade, pode ser que a EA tenha planos de mudança há algum tempo, mas não precisamos ser especialistas em marketing para imaginar que algo assim poderia ser catastrófico para os negócios. Imagine a Coca-Cola mudando de nome, ou a Disney perdendo a licença sobre o logo orelhudo do Mickey e certamente você terá dimensão do escopo de uma decisão como essa.

Pense que, quem é fã da série e acompanha as notícias, vai saber da mudança. Mas aquele pai, que não joga videogame, mas compra o novo “Fifinha” todo ano para os filhos, talvez fique meio perdido no ano que vem, pois o FIFA 23 talvez venha a se chamar EA Sports FC 23. É questão de se acostumar, claro, mas, como ressaltamos acima, mudanças de branding são bastante arriscadas, especialmente quando se trata de marcas gigantescas, conhecidas mundialmente.

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Ao mesmo tempo, se essa ideia talvez pareça ousada demais, não há momento mais apropriado para que se dê esse passo. Em parte, porque a barra da instituição FIFA não está muito limpa, mas também porque a “concorrência” — PES, agora eFootball — fez isso primeiro, e ainda está buscando encontrar o seu lugar ao sol.

Tempos conturbados

O período se mostra ainda mais propício por conta do lançamento de eFootball, que não poderia ter sido mais desastroso, com um produto ainda muito cru, sem quase nenhum conteúdo, problemas técnicos severos, instabilidade gráfica, alterações gigantescas na jogabilidade e uma rejeição recorde tanto de público quanto de mídia, que precisou ser contida com declarações oficiais da própria Konami pedindo desculpas e se comprometendo com a qualidade nas próximas atualizações.

Decidimos inclusive não fazer nossa tradicional análise do jogo com a versão atual porque ela ainda parece uma versão beta, um acesso antecipado. Simplesmente não parece adequado avaliá-lo em seu atual estado. Ao mesmo tempo, descontando as já corriqueiras constatações de que arriscou pouco, FIFA 22 tem mantido as mesmas boas médias de sempre e já celebra ótimos números de lançamento. Ainda que seja um produto de valor elevado (principalmente para os nossos padrões), o jogo deve se manter sólido no mercado, mesmo concorrendo com um produto gratuito. 

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Isso significa que, sem a comparação parelha com a concorrência, sem uma marca já sedimentada do outro lado da arena, e com um adversário direto que ainda vai levar um tempo para se adequar e reconquistar sua base de fãs, seria este talvez o melhor momento para saltar — de forma calculada — e começar uma nova fase da franquia.

Quem sabe, já iniciar o processo com o próprio FIFA 22, com atualizações que aos poucos comecem a esconder a marca principal e já ir incutindo outra, mais ou menos como a Konami fez nos últimos dois anos, e aí daqui um ano utilizar toda a máquina da indústria (a imprensa inclusive), para promover de vez algo que as pessoas já foram conhecendo aos poucos.

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Por outro lado, seria também uma ótima oportunidade para que o eFootball renasça tal como uma fênix, já que teria todos os próximos 12 meses para solidificar a marca e já ter o mercado a seu favor enquanto a EA terá que remar desde o marco zero — caso a ruptura com a marca FIFA realmente aconteça, claro.

Com atualizações agressivas, conteúdo abundante, preços generosos (para nós) e um produto que realmente atenda às expectativas, a Konami poderia, em tese, sair de um estado de quase fim no qual se encontra agora para um lugar de destaque em alguns meses. Basta que a empresa perceba onde errou, tenha forças para corrigir os rumos e esteja pronta para investir pesado na recuperação de mercado e de confiança dos fãs — que andam ressabiados com os rumos que a tradicional desenvolvedora tem tomado com suas marcas mais importantes.

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E aí, o que você acha?

Enfim, seja você um adepto do futebol virtual, seja você um interessado no mercado de games, ou seja você um entusiasta de temas como marketing, merchandising e rebranding (ok, esse parágrafo mais parece um trecho de um TED Talk), os próximos meses prometem muitas transformações e muitas disputas veladas de bastidores por esse nicho específico, mas muito importante do mercado de games.

Que venham surpresas — quem sabe, não seja o momento para que um novo player chegue para quebrar esse “oligopólio” que ambas as empresas mantém desde muito tempo — e que o resultado seja algo positivo para nós, que adoramos ter vontade de jogar o controle na parede e xingar a máquina pelas eternas injustiças nas pelejas de sofá.

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Você, que sempre reclamou que todo ano é sempre a mesma coisa, prepare-se para um mundo sem PES vs. FIFA e sem FIFA vs. PES. Para o bem e para o mal, esta rixa pode estar com os dias contados.

Paulo Roberto Montanaro

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